DOSSIÊ CORONAVÍRUS: O coronavírus desencadeia uma tempestade financeira, prelúdio de uma nova recessão global

FONTE: https://npa2009.org/actualite/economie/le-coronavirus-declenche-une-tempete-financiere-prelude-une-nouvelle-recession

TRADUÇÃO: Alain Geoffrouais

Esta é a maior queda nos mercados bolsistas mundiais desde 2008. Na 7última semana de fevereiro, o Dow Jones americano caiu 14%. O CAC 40 mergulhou 12%. As consequências económicas da epidemia do coronavírus desencadearam este pânico na bolsa de valores. Mas a tempestade não irrompe num céu sereno, e é por isso que pode desencadear uma nova grande recessão após a de 2008-2009.

Uma situação económica deteriorada antes da epidemia do coronavírus

Em Outubro último, descrevemos uma situação que anunciava uma nova recessão em 2020: estagnação dos lucros nos EUA, que tinham sido artificialmente impulsionados por cortes fiscais que têm os seus limites; desconexão dos preços das ações dos lucros na economia real; aumento da dívida, particularmente na China. Desde então, as contradições foram exacerbadas e a situação econômica mundial se deteriorou no quarto trimestre de 2019.

Nos EUA, os lucros caíram no quarto trimestre de 2019. O investimento empresarial tem vindo a diminuir desde Março de 2019: -1,1% no 2T 2019, -2,3% no 3T e no 4T. Os efeitos dos cortes maciços dos impostos corporativos decididos por Trump já ficaram para trás e o governo não tem mais espaço de manobra para impulsionar a rentabilidade corporativa.

No último trimestre de 2019, o Japão sofreu a pior queda em 5 anos do seu produto interno bruto (PIB), -1,6%, despencando por causa de um aumento no imposto sobre o consumo (de 8% para 10% em outubro). Foi a falência da Abenomics (do nome do primeiro-ministro Shinzo Abe), uma mistura de keynesianismo monetário e fiscal que não consegue tirar o Japão da recessão econômica. A mitologia keynesiana ainda é hegemônica à esquerda, porém, e assume a forma da “teoria monetária moderna” que promete o fim do desemprego através da criação monetária que permitiria ao Estado garantir emprego para todos. Só que a criação massiva de empregos não mercantis não cai do céu: deve ser financiada por uma drenagem dos lucros, o que acentuaria a crise de rentabilidade do capitalismo. Uma grande crise capitalista tem dois saidas possíveis: uma desvalorização maciça do capital (guerra, falências, queda dos salários…) ou uma ruptura com o capitalismo.

Na China, a dinâmica de acumulação e a forte dinâmica salarial nos últimos quinze anos levaram a uma queda na taxa de lucro. De agora em diante, é a massa mesmo dos lucros que está em declínio: os lucros das empresas do setor industrial caíram 1,9% em dezembro, e 1,8% em novembro. A taxa de crescimento (oficial) atingiu 6,1% em 2019… a taxa mais baixa desde 1990.

A economia indiana também vem desacelerando acentuadamente nos últimos dois anos, e a taxa de crescimento está agora abaixo dos 5%. O desemprego está no seu nível mais alto desde os anos 70. Em setembro de 2019, o governo anunciou um corte importante nos impostos corporativos (de 30% para 22% dos lucros), numa tentativa de aumentar a lucratividade das empresas.

Em França, o PIB caiu no último trimestre de 2019 (-0,1%). Como em outros países, o governo está dando presentes aos empregadores para aumentar os lucros e aumentar o investimento. Em 2019, os capitalistas o ganharam um grande prêmio com 20 bilhões de CICE (Crédito de Imposto para Competitividade e Emprego) e 20 bilhões em diminuição das contribuições adicionais dos empregadores. Isso permitiu que a taxa de margem subisse em 2019, enquanto os sinais estão no vermelho para as empresas: no quarto trimestre de 2019, a produtividade do trabalho caiu. Sem os presentes fiscais do governo, seria necessária uma queda nos salários para manter a sua taxa de margem!

O Coronavírus pode desencadear uma recessão global

Hoje e impossível quantificar o impacto do coronavírus na economia porque ninguém sabe o quão grande será a epidemia. No entanto, o Banco da América reduziu a sua previsão de crescimento global em 2020 para 2,8% (Europa para 0,6%, contra 1% anteriormente), a taxa mais baixa desde a crise de 2008-2009. O que é certo é que o impacto será muito maior do que o da epidemia de Sras em 2003.

Por um lado, o PIB da China era, em 2003, de 4% do PIB mundial, enquanto hoje são 17%.

Por outro lado, as “cadeias de valor” (a interdependência das economias) cresceram e a economia global é muito mais dependente da China do que há 17 anos. Os componentes chineses, por exemplo, são indispensáveis para a maioria das indústrias ocidentais. Mas a economia chinesa está paralisada há um mês: fábricas paradas, cidades inteiras em confinamento etc. Fora da China, os sectores mais diretamente afetados são o turismo e os produtores de matérias-primas (Austrália, América Latina, África, Médio Oriente), dos quais a China é um grande consumidor. Por exemplo, o preço do petróleo caiu desde o início do ano (-28,5% para um barril de brent desde o início do ano, de $63 para $45).

Finalmente, a epidemia de 2003 eclodiu numa fase de recuperação económica. Surgiu como um “choque exógeno”, principalmente para a economia chinesa (cujo PIB diminuiu no segundo trimestre de 2003), sem impacto na trajetória econômica de médio prazo.

Nos Estados Unidos, espera-se que o crescimento no primeiro trimestre desacelere acentuadamente para cerca de 1%. Na Europa, a Itália é o país mais impactado pela epidemia. Acontece também ser o país com a economia mais vulnerável, com uma produtividade laboral que vem estagnando há anos. Lá o crescimento foi de apenas 0,2% em 2019. Os sectores mais impactados são os do turismo e da restauração. A economia alemã também esta particularmente vulnerável: está à beira da recessão há vários trimestres e seu grande setor industrial está particularmente exposto a rupturas nas cadeias de abastecimento. A França também será obviamente impactada: em Março, o Banque de France irá rever a sua previsão de crescimento para 2020, atualmente fixada em 1,1% (a taxa mais baixa desde 2015).

Mais de dez anos após a recessão de 2008-2009, a epidemia do coronavírus pode desencadear uma nova recessão, que será tanto mais brutal quanto foi adiada por uma bolha de crédito que alimentou a especulação financeira. Em contraste com 2008-2009, os governos monetário e fiscal têm muito menos margem de manobra para lidar com isso: as taxas de juro são muito baixas (são quase nulas na Europa), e a dívida pública subiu acentuadamente após a última crise. Isto significa que os ataques aos trabalhadores serão ainda mais rápidos e violentos. A acentuação do neoliberalismo autoritário está, portanto, na ordem do dia, e a luta contra a epidemia se presta à justificação do fortalecimento do “estado de exceção” e ao questionamento de nossas liberdades fundamentais. A alternativa entre o socialismo e a barbárie é, infelizmente, mais atual do que nunca.