A morte de George Floyd mostra mais uma vez que não podemos esperar que a América branca acabe com o racismo
FONTE: Time Magazine | 29/05/2020 | TRADUÇÃO: Charles Rosa
George Floyd foi assassinado, e isso foi capturado por uma câmera. O policial de Minneapolis, Derek Chauvin, ficou com o joelho preso no pescoço de Floyd por quase oito minutos. Ouvimos uma repetição assustadora das palavras “I can’t breathe” [“Não consigo respirar”]. Floyd gritou por sua mãe falecida e chamou por seus filhos enquanto ele se agarrava desesperadamente à vida. Chauvin estava sentado ali, presunçoso, com a mão no bolso, com pouca consideração pelo homem morrendo sob a pressão do joelho. Tudo isso em cima de alguém supostamente havia tentado usar uma nota de vinte dólares falsificada em uma lanchonete local.
A morte de Floyd provocou indignação e protestos. Exigindo a prisão dos policiais envolvidos, muitas pessoas usavam máscaras e tentavam observar, o melhor que podiam, o distanciamento social. A COVID-19 não parou de matar pessoas, e Minnesota está chegando ao pico. O estado atingirá 1.000 mortos em poucos dias. Como país, superamos 100.000 mortos, 40 milhões de desempregados, e os afro-americanos em todo o país foram atingidos desproporcionalmente. O vírus pula vidas e a polícia continua a matar.
Vestida de equipamentos antimotins com máscaras de gás e portando armas, a polícia de Minneapolis confrontou pessoas nas ruas. Os protestos se tornaram violentos. Alguns saquearam a loja da Target e, ao lado de uma AutoZone e outros prédios, a incendiaram. Eles atacaram e queimaram a Terceira Delegacia de Polícia. Partes de Minneapolis ainda estão pegando fogo, e o presidente Trump tuitou sobre disparar contra os saqueadores. Fiquei impressionado com as primeiras imagens das ruas: uma mulher muçulmana usando um hijab preto e uma máscara, com tênis branco brilhante, chutou uma bomba de gás lacrimogêneo de volta para a polícia. Em outra imagem, uma mulher negra usando sua máscara corria freneticamente entre carros estacionados enquanto policiais com armas automáticas se preparavam para disparar balas de borracha. Ela não tirou a máscara.
Como se vive num tempo assim? O que ocorre em seus ossos, em seu interior, quando se é devastado pela enfermidade e pelo ódio? Para aqueles afro-americanos que perderam seres queridos e seus empregos, que se encontram em longas filas nos bancos de alimentos, que têm de lidar com o estresse contínuo de um vírus que pode atacar em qualquer momento, como gerir o trauma da perda e o terror de ver outra pessoa negra assassinada pela polícia?
Mesmo se você virar a cabeça, as imagens e os sons continuam a assombrar. Nós tocamos essa realidade repetidamente. É parte de uma prática ritual, uma maneira pela qual a nação administra seus pecados racistas. As pessoas declaram sua indignação. Eles, principalmente brancos, se perguntam como isso poderia acontecer na América de hoje? Eles clamam por justiça. Ou, como no passado, os comentaristas da Fox News denunciam tudo como a violência de pessoas que se negam a assumir a responsabilidade pessoal. Defendem a política. Condenam a violência. Lavar. Enxugar. Repetir. E nada muda.
Eu assisti ao vídeo de Floyd e me perdi completamente. O estresse dos tempos combinado com a crueldade do ato e o apelo desesperado de Floyd me quebraram. Eu me encontrei, o que raramente faço, enterrando a cabeça nas mãos. Chorando. Pensei em todas as pessoas negras que podem assistir ao vídeo no meio dessa pandemia e nas pessoas brancas que o veriam e fariam perguntas muito familiares sobre como podemos mudar.
Estamos presos em um duplo vínculo. Precisamos do vídeo para convencer a América branca de que o que está acontecendo conosco é real. Mas essa mesma filmagem se torna material de espetáculo. O apetite das pessoas pelo sofrimento dos negros, emprestando uma formulação de Susan Sontag, “é tão agudo quanto o desejo por aqueles que mostram corpos nus”. Em ambos os casos, ficamos lidando com o que os brancos pensam e confrontando o fato inegável de que os negros ainda estão sendo mortos pela polícia com números alarmantes e horrorosos. Para ser sincero, hoje em dia, eu posso dar menos do que o que os brancos pensam.
A morte de George Floyd, juntamente com a de Breonna Taylor e Ahmaud Arbery, traz à vista o terror e o trauma que ocultam as experiências dos negros neste país. Covid-19 não mudou isso. Apenas intensificou as coisas. De fato, terror, trauma e coronavírus estão entrelaçados como espessos arbustos com espinhos.
Alguém quer saber como vamos sobreviver a tudo. Isso dependerá, em parte, da disposição dos americanos brancos de deixar para trás as bobagens do racismo americano – para abandonar essa crença insidiosa de que, por serem brancos, devem ser mais valorizados do que outros. Mas não podemos esperar por eles. Nós, aqueles de nós que ousamos realmente aprender com nossa história, precisamos descobrir como estar juntos de maneira diferente em uma Nova América.
Eddie S. Glaude Jr. é professor de Estudos Afro-Americanos da Universidade de Princeton.