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FONTE: Democracy Now | 28/05/2020 | TRADUÇÃO: Charles Rosa

Na segunda-feira passada, durante o Memorial Day nos Estados Unidos, George Floyd suplicava por sua vida enquanto Derek Chauvin, oficial de polícia de Minneapolis, apertava seu pescoço contra o asfalto com um de seus joelhos. “Por favor, por favor. Não posso respirar, oficial. Não posso respirar”, clamava George Floyd, com suas mãos algemadas atrás das costas. As testemunhas do ocorrido pediram repetidas vezes a Chauvin que afrouxasse a pressão, mas o oficial seguiu com o joelho enterrado no pescoço de Floyd. Um vídeo devastador de dez minutos registrou este assassinato em câmera lenta, respiração minguante depois de respiração minguante. Finalmente, o corpo inerte de Floyd foi bruscamente colocado em uma maca, carregado para uma ambulância e levado ao hospital, onde foi declarada sua morte.

A indignação se espalhou à medida que o vídeo se viralizava. O irmão de George, Philonise Floyd, declarou à cadeia de notícias CNN: “Amo meu irmão. Todos amavam o meu irmão… Bastava conhecê-lo para gostar dele. Ele gritava “mamãe, mamãe, não posso respirar”, mas não se importaram com isso. Realmente não entendo o que temos de sofrer na vida. Não tinham motivo para fazer isso”. O procurador-geral de Minessota, Keith Ellison, expressou num comunicado: “Sua vida era importante. Tinha valor… Vamos buscar justiça e a encontraremos”. Em declarações posteriores, Ellison agregou: “O que estamos tratando aqui não é um caso isolado, mas um problema sistêmico. E tanto a investigação como a acusação estão sendo levadas adiante com o objetivo de chegar até as últimas consequências. Estou seguro de que estão sendo levados adiante de maneira competente. A demissão dos agentes não acaba com isso. O processo penal iniciado não acaba com isso. O processo de direitos civis não acaba com isso. Necessitamos de uma mudança sistemática, profunda e permanente”. O prefeito de Minneapolis, Jacob Frey, opinou depois do assassinato de Floyd: “Ser negro nos Estados Unidos não deveria implicar numa sentença de morte”. Frey demanda a prisão de Chauvin e a família de Floyd quer que os quartos oficiais sejam acusados de assassinato.

A reverenda Bernice King, uma das filhas do Dr. Martin Luther King Jr., publicou no Twitter uma foto do oficial Chauvin com o joelho apoiado sobre o pescoço de Floyd ao lado de uma icônica foto da estrela da Liga Nacional de Futebol Americano, Colin Kaepernick, fincado sobre um dos joelhos num campo de jogo. O ex marechal-de-campo foi expulso da Liga por se ajoelhar durante o hino nacional em protesto contra a violência policial e a injustiça racial. O texto que acompanha o tuíte diz: “Se não te incomoda ou incomoda pouco o primeiro joelho, mas te indigna o segundo, então, em palavras do meu pais, estás ‘mais consagrado à ordem que a justiça’. E és mais apaixonado por um hino que evidentemente simboliza a liberdade que pela liberdade de viver de um homem negro”.

Enquanto as mortes por Covid-19 nos Estados Unidos superam a marca de 100 000, com um impacto desproporcional sobre as comunidades de cor, o assassinato e a violência por parte da polícia contra não-brancos, perpetrados com legitimação do Estado, continuam aparentemente sem trégua. Em 23 de fevereiro passado, na Georgia, Ahmaud Arbery foi assassinado a balas por Travis McMichael e seu pai, o policial aposentado Gregory McMichael, depois de sair para correr. Em 13 de março, a polícia de Louisville, Kentucky, disparou oito vezes contra Breonna Taylor, causando-lhe a morte. Taylor era técnica em emergência médica e tinha 26 anos de idade. A polícia irrompeu em seu lar no meio da noite, ao entrar no departamento equivocado quando buscavam a um suspeito que já estava sob custódia.

Felizmente, não temos que agregar o nome de Christian Cooper a essa trágica lista. Chris Cooper, afro-estadunidense, quando respeitosamente pediu a uma mulher que também passeava por ali que seguisse as regras do parque e pusesse a coleira em seu cão. Ela se negou rotundamente, o que o conduziu a gravar a interação. A mulher chamou o 911 e disse a Cooper: “Vou lhes dizer que há um homem afro-estadunidense que está ameaçando minha vida”. Christian Cooper lhe enviou o vídeo a sua irmã, quem o publicou nas redes sociais, onde rapidamente chegou a 42 milhões de reproduções. Alguém identificou a mulher como Amy Cooper (sem parentesco com Christian) e, como resultado de sua reação violenta, foi despedida de seu trabalho e o refúgio para cães lhe retirou seu mascote.

Ibram X. Kendi, diretor fundador do Centro de Pesquisas e Políticas Antirracistas da Universidade Americana, deu contexto histórico a esta interação durante uma entrevista para Democracy Now: “O que fez Amy Cooper é um típico começo de violência racista. Temos uma mulher branca que utiliza omo arma seu privilégio de ser mulher e branca. Em lugar de resolver a disputa com a outra pessoa e seguir as regras e colocar a coleira a seu cachorro, se vitimiza e chama a polícia, com essa projeção de vítima, para que a polícia vá e a proteja. Frequentemente, os policiais realmente creem que esta mulher branca está sendo ameaçada por este suposto predador afro-estadunidense. Com demasiada frequência, isso leva a que essa vítima desarmada resulte lesionada ou inclusive assassinada”. Em 1955 um episódio similar conduziu à tortura e linchamento de Emmet Till, de 14 anos de idade.

O professor Kendi lançou “The Covid Racial Data Tracker”, um website para documentar as disparidades raciais em torno da letalidade da pandemia, que afeta de maneira desproporcional às comunidades não-brancas. Os dados estão sendo utilizados para desacreditar o argumento de que as pessoas não-brancas se veem mais afetadas pela Covid-19 por suas afeições subjacentes. Kendi explicou: “Ao menos até o final de março, e certamente até o início de abril, eram pessoas latinas, afro-estadunidenses e indígenas estadunidenses as quais estavam sendo contagiados e morrendo de forma desproporcional. Levou uma grande esforço de parte dos movimentos de base, que reclamaram que se exponham os dados raciais, a começar a constatar isso, porque os estados se negavam a vê-lo. O indicador de previsibilidade fundamental das taxas de contágio e morte na população negra é o acesso à atenção médica, o acesso a seguro de saúde, assim como a contaminação do ar e da água e o tipo de empregos. Todas estas determinantes sociais da saúde são indicadores previsíveis muito mais fortes quanto às taxas de morte e contágio na população negra que suas afeições subjacentes”.

Os afro-estadunidenses representam 13% da população dos Estados Unidos, mas representaram no mínimo 25% das 100 000 mortes por Covid-19 do país.

A mesma disparidade na taxa de mortalidade prevalece entre os 5000 estadunidenses assassinados pela polícia desde 2015: os afro-estadunidenses têm o dobro de chances de ser assassinados pela polícia em comparação com os brancos.

A violência policial é uma das principais causas de morte dos jovens de cor.

A pandemia revela o que os vídeos de telefones celulares e câmeras corporais têm exposto cada vez mais e o que as comunidades de cor souberam por muito tempo: o racismo está bem vivo nos Estados Unidos e tem consequências letais.

Amy Goodman e Denis Moynihan são jornalistas estadunidenses do Democracy Now.

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