A temperatura continua alta nos Estados Unidos

A crise política norte-americana continua se desenvolvendo dois meses após o assassinato de George Floyd pela polícia de Minneapolis, evento que deu origem a um levante antirracista sem precedentes nas últimas décadas. As primeiras tentativas de uso de força militar feitas por Donald Trump não obtiveram sucesso (sendo inclusive desautorizadas por comandantes do Exército) e a maior parte da opinião pública se colocou ao lado das ruas, abalando o presidente de extrema-direita.

                Entretanto, o processo estadunidense se polariza cada vez mais e cidades como Portland, Seattle, Los Angeles e Oakland são palcos do acirramento dos conflitos. O envio de forças federais para Portland, no estado do Oregon, foi feito contrariando a posição do governo local e é parte da política repressiva de Trump utilizada como sinalização para o eleitorado de direita na corrida presidencial. Segundo o New York Times, a prefeita de Seattle – Jenny Durkan, democrata – resumiu a situação: “Não há dúvida de que as ações em Portland levaram a uma escalada das coisas, não só em Seattle, mas por todo o país”[1].

                Mesmo no meio das férias de verão, esta escalada na repressão é parte de uma operação da extrema-direita que busca não só impedir a derrota de Trump como fortalecer seu campo político. A caracterização dos manifestantes como “terroristas” e as tentativas de intervenção nas cidades são a forma encontrada pelo presidente para reorganizar seus apoiadores e reverter sua queda de popularidade dos últimos meses.

                Mas essa repressão gera ações de solidariedade em todo país, aumentando o impasse. Ainda que os protestos tenham se reduzido em número e sofrido com as contradições de algumas ações espontaneístas, a força da mobilização contra os aparatos e símbolos racistas da sociedade norte-americana mantém sua resistência a partir da pressão contra as polícias, em âmbito local, e contra a repressão promovida por Trump, em escala nacional.

                O desgaste do presidente republicano está ligado também a sua postura negacionista perante a pandemia do novo coronavírus. Chegando ao terrível número de 150 mil mortos pela Covid 19, os EUA veem o aprofundamento da pandemia na maioria de seus estados como consequência da inação do governo federal, que inclusive inspirou as medidas nefastas de Bolsonaro no Brasil. Em portagem recente do Washington Post, Trump declara de forma leviana: “Isso poderia ter sido parado. Poderia ter sido parado de maneira rápida e fácil. Mas, por algum motivo, não foi, e descobriremos qual foi esse motivo”[2].

                Entretanto, apesar das grandes manifestações e diminuição da popularidade presidencial, a derrota de Trump não é de forma alguma algo certo. Pelo contrário, a possibilidade da reeleição existe e é alimentada tanto pelas mídias de direita tradicional como por grupos extremistas e supremacistas que se colocam cada vez mais no cenário político. Não só a repressão policial como também os atropelamentos e outras ações armadas de civis contra manifestantes representam uma fração do real poder e disposição de enfrentamento de grupos racistas armados extremamente perigosos. Uma derrota eleitoral de Trump seria uma derrota de toda a direita estadunidense, da Fox News à alt right, e estes setores farão tudo que estiver a seu alcance para barrar esta possibilidade, inclusive utilizando-se da violência e do questionamento da legitimidade das eleições.

                O aumento da polarização traz riscos mas também abre possibilidades. Questões antes vistas como impossíveis entram na ordem no dia, como no caso da reforma de instituições policiais, entre outros objetivos colocados pela luta antirracista. Também são parte disso as recentes vitórias eleitorais de candidaturas do Democratic Socialists of America (DSA) em diversas primárias democratas, apontam para uma ampliação das bancadas socialistas nos legislativos federais e locais através principalmente de candidatos e candidatas não-brancos.

                O momento de crise exige ampla unidade na luta contra Trump ao mesmo tempo em que impõe a necessidade do desenvolvimento de um programa político que supere o bipartidarismo burguês que opera a política estadunidense há mais de um século. Esta dupla tarefa, com todas as questões e dificuldades que coloca, indicam os próximos passos dos socialistas nos EUA.


[1] Cities in Bind as Turmoil Spreads Far Beyond Portland. New York Times. Acesso em: https://www.nytimes.com/2020/07/26/us/protests-portland-seattle-trump.html

[2] One question still dogs Trump: Why not try harder to solve the coronavirus crisis? Washington Post. Acesso em: https://www.washingtonpost.com/politics/trump-not-solve-coronavirus-crisis/2020/07/26/7fca9a92-cdb0-11ea-91f1-28aca4d833a0_story.html