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FONTE: El Confidencial | 17/08/2020 | TRADUÇÃO: Charles Rosa

Não havia visto nunca uma guinada de tal calibre durante o Governo de Boris Johnson. Nem com a pandemia. Nem com a economia. Nem sequer com o Brexit. Mas o que não conseguiram os políticos ou o Covid-19 lograram os estudantes britânicos, que não estavam dispostos a que um polêmico algoritmo determinasse seu futuro. Finalmente, serão os professores e não as máquinas o que terão a última palavra sobre os “A-Levels” (os exames equivalentes à seletividade no Reino Unido).

Na quinta-feira, 13 de agosto. Depois do curso mais atípico de suas vidas, os alunos recebem as notas finais que determinará seu acesso à universidade. E se vive um autêntico drama. Quase 40% obtém uma avaliação muito inferior à estimativa que haviam realizado os professores. Adeus ao sonho de estudar a carreira desejada. O que havia acontecido? O coronavírus obrigou a fechar os centros e cancelar os exames. E, como alternativo, o Executivo havia encarregado o ente público Ofqual (responsável pelas regras gerais de qualificações) um método para calcular as notas.

Um algoritmo repleto de polêmica que ponderava o resultado previsto para um aluno não somente com a avaliação do professor, mas incluindo além de outros fatores externos como o histórico do centro educativo. Não leva em consideração as notas dos exames do aluno em particular desde os 16 anos, mas aplica-lhe um fator deduzido do grupo ao qual pertence na divisão das notas por percentuais.

A fórmula empregada se explica num caudaloso documento técnico de 300 páginas. Mas, na prática, se dá mais protagonismo ao centro que à trajetória individual do estudante. E isso, entre outros efeitos secundários, provocou uma grande brecha social entre os distintos colégios – favorecendo aos privados – e prejudicando gravemente os alunos mais brilhantes de escolas de baixo rendimento.

Derrotar o algoritmo nas ruas

Quando foram conhecidas as notas, os estudantes decidiram sair às ruas para protestar. Um dos cabeças da “rebelião” foi Curtis Parfitt-Ford, de 18 anos, quem chegou a preparar uma demanda contra Ofqual por uma situação via “ilegal e imoral”. Com uma média sobressaliente, ele pessoalmente não se via afetado. Com algoritmo ou sem ele, a nota lhe dá de sobra para estudar Informática, a carreira que sempre quis. Mas, ao ver o que estava passando, o jovem – que também foi muito ativo com a causa pró-UE depois do triunfo do Brexit – sublinha que “não podia ficar sentado em seu sofá”.

“O algoritmo era completamente injusto. Ou seja, num princípio queriam dar praticamente todo o protagonismo à avaliação do centro por diferentes cursos sem levar sequer em conta a avaliação do professor. Em meu próprio colégio, há gente que se viu prejudicada, segundo os cursos que fazia. Havia muito em jogo e as coisas não podia ficar assim”, explica a El Confidencial.

Em menos de uma semana, sua campanha de ‘crowdfunding” para cobrir os custos legais arrecadou ao redor de 30 000 libras. Agora que ganharam a batalha ao Governo, oferecem devolver o dinheiro aos correspondentes doadores ou destiná-lo a causas beneficientes. Em qualquer caso, há muitas universidades que já têm suas vagas preenchidas e, ante a polêmica, o único que podem oferecer agora aos estudantes é guardar as novas notas que recebam para o próximo ano.

“Não gosto de escutar que somos a geração perdida. Obviamente, nós aguardávamos muito este ano com estes exames de acesso à universidade. Mas é preciso colocar as coisas em perspectiva. Estamos em meio a uma pandemia global. Há muita gente que morreu ou perdeu seres queridos”, matiza.

Brecha, onda e guinada

A ideia do algoritmo começou a sofrer fissuras na Escócia. Na semana passada, a ministra principal escocesa, Nicola Sturgeon – quem tem sua própria formação na área da educação – entoou o “mea culpa” e explicou que as notas finais estariam baseadas na avaliação do professorado e não a polêmica fórmula. Apesar das grandes críticas e o caos que se vivia em Edimburgo, o Governo central em Londres permanecia impassível, como se aquilo não fosse com ele. Isto é, o ministro da Educação, Gavin Williamson, passou o fim de semana concedendo entrevistas nas quais assegurava que na Inglaterra — onde tem plena competências— não mudaria nada.

Mas, hora depois de hora, a situação ia se aquecendo como uma onda a pressão. No Reino Unido, o sistema não funciona por lista. Cada deputado precisa ganhar a confiança e o voto do eleitorado do distrito que depois representa em Westminster. Em muitos casos, isso leva aos parlamentares com seu próprio partido por defender os interesses dos vizinhos de sua circunscrição. E com um tema tão sensível como a seletividade, os telefones não paravam de soar. Ao redor de 25 conservadores, inclusive dois membros do Gabinete de Johnson, criticaram publicamente o polêmico algoritmo pedindo Williamson que seguisse os passos da Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte para por as notas em função com a avaliação dos professores.

Finalmente, na segunda-feira, o titular da Educação anunciava uma guinada. “Trabalhamos com Ofqual para construir o modelo mais justo possível, mas está claro que o processo de assignação de qualificações deu como resultado uma série de inconsistências”, anunciava. “Lamento a angústia que isso causou aos jovens e a seus pais, mas espero que agora tenham a certeza e tranquilidade que merecem”, acrescentou.

A jovem promessa queimada

Durante toda a polêmica, Johnson esteve completamente ausente desfrutando de suas recém estreadas férias e baixa de paternidade. Fontes governamentais insistem em que Williamson tem o apoio do “premier”. Mas se dá praticamente por fato que a carreira do titular da Educação tem os dias contados.

Não faz tanto tempo, Williamson era uma das jovens promessas do Partido Conservador. No final de 2017, a então primeira-ministra, Theresa May, entregou a pasta da Defesa, para surpresa de muitos, já que nunca tinha estado à frente de nenhum ministério. Mas em 2019, se viu obrigado a demitir depois de ser acusado de haver infiltrado informação do Conselho de Segurança Nacional sobre os planos governamentais para permitir que Huawei fizesse parte da construção da rede 5G no Reino Unido, algo que sempre negou.

Com as últimas primárias da formação, Johnson o resgatou para ser seu diretor de campanha. E, depois de conseguir a liderança, lhe devolveu o favor o nomeando responsável pela Educação. Entretanto, sua imagem não faz agora outra coisa que criar uma sombra num Gabinete cada vez mais questionado. Ganha o homem contra a máquina. Ou ganham os estudantes. Olhe por onde se olhe, perde Johnson.

Celia Maza é correspondente do El Periodico em Londres.


Revolta estudantil continua, enquanto Williamson se segura no cargo e as principais questões permanecem

FONTE: Socialist Worker | 20/08/2020 | TRADUÇÃO: Charles Rosa

Uma reviravolta do governo humilhante sobre os resultados do exame não conseguiu impedir uma revolta estudantil.

Os conservadores foram forçados a recuar no início desta semana, após protestos furiosos contra o rebaixamento dos resultados dos alunos.

Centenas de milhares viram seus resultados diminuídos por um algoritmo que favorecia os alunos de escolas em áreas mais ricas. Em poucos dias, os Conservadores tiveram que admitir que os alunos do Nível A, Nível AS e GCSE poderiam ter suas “notas avaliadas pelo centro”.

O OCR da banca examinadora também anunciou que os alunos que obtiveram as qualificações Cambridge Technicals e Cambridge Nationals também receberão notas avaliadas pelo centro.

A reviravolta significa que os resultados do GCSE divulgados na quinta-feira na Inglaterra e no País de Gales devem ser mais elevados em geral do que teriam sido. Mas, com razão, ainda há raiva sobre o escândalo – e a reviravolta não resolveu todos os problemas.

O estudante Glen da BTec disse ao Socialist Worker porque uma rede crescente de estudantes está se organizando para continuar protestando.

“Teremos protestos em todo o país na sexta-feira e no sábado – estamos chamando de “O fim de semana ’”, disse ele.

“A reviravolta foi uma grande vitória, mas foi uma vitória em uma batalha de uma longa guerra. Isso só vai acabar quando conseguirmos a reforma educacional e nos livrarmos de escórias como Gavin Williamson e Boris Johnson.

“Estamos espalhando a notícia de que o trabalho ainda não está completo.”

Notas

Os alunos da BTec não foram inicialmente afetados pela reviravolta do governo – o que significa que as notas abaixo do esperado de Glen permaneceram. Mas agora a banca examinadora, a Pearson, disse que analisará novamente as notas.

É bom que a pressão esteja sendo colocada nas bancas dos exames por causa do rebaixamento. Mas o atraso significa que ainda mais estudantes BTec agora enfrentam longas esperas por seus resultados – e ainda mais incerteza sobre seu futuro.

Glen descreveu como estudantes de toda a Grã-Bretanha criaram links via Instagram e outras mídias sociais para organizar manifestações. Os alunos elaboraram novas demandas e ações nas chamadas do Zoom.

Os protestos estão sendo planejados em Luton, Manchester, Londres, Liverpool, Bristol e muitos outros lugares. Londres verá um protesto em Downing Street na sexta-feira, e uma marcha de Marble Arch ao Departamento de Educação está programada para sábado.

Os alunos do 12º ano, que farão exames A-Levels e exames equivalentes no próximo ano, também estão se organizando.

Julia, do grupo A-Level 2021 Strike, disse que os alunos estão preocupados com o sistema de exames e também como a pandemia os afetará. Eles querem que mais seja feito para proteger os alunos – e para garantir que eles não percam por causa da interrupção de sua educação devido ao vírus.

“Nossa principal prioridade é mais consideração para o ano 12, como redução de conteúdo nos cursos”, disse Julia ao Socialist Worker. “Também queremos mais orientação se houver uma segunda onda que nos faça faltar à escola.”

O grupo está envolvido na organização de protestos em Londres, Manchester, Leeds, Bristol, Coventry e Cornwall no sábado, 29 de agosto.

E o sindicato dos estudantes NUS convocou protestos em toda a Grã-Bretanha na quinta-feira. As manifestações foram programadas para acontecer em Londres, Sheffield, Manchester, Coventry e Bristol a partir das 13h.

A amplitude da revolta mostra que, apesar da retirada do governo, a crise que os conservadores enfrentam está longe de terminar.

Muitos alunos ficarão justamente aliviados com a reversão que significará em grande parte notas mais altas. Mas os alunos ainda não receberão as notas que seus professores previram. As notas avaliadas pelo centro também passaram por um processo de “moderação”.

E para uma camada de ativistas, o escândalo iluminou muitas outras injustiças – alimentando uma luta mais ampla.

Glen disse que as demandas para os protestos deste fim de semana incluem a demissão do secretário de educação Gavin Williamson e transparência para os alunos do BTec.

Ele acrescentou: “Queremos que os alunos que não conseguiram vagas na universidade devido à crise recebam a entrada adiada com uma oferta incondicional para o próximo ano.

“E queremos um sistema que ajude os alunos afetados a receber algum tipo de benefício e ajuda no apoio ao trabalho”.

Glen disse que ele é “um dos sortudos” porque seus professores contataram a universidade escolhida para proteger seu lugar lá. Mas ele se juntou a protestos para se unir a outros estudantes.

“Temos que lembrar que não estamos mais apenas lutando por nós”, disse ele. “Estamos lutando pelo ano 10 e pelo ano 12.

“Em um ano, haverá mais alunos obtendo seus resultados, e precisamos de um sistema melhor. A única maneira de conseguir isso é protestar. ”

Sadie Robinson é militante do SWP.

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