FONTE: Mediapart | 30/08/2020 | TRADUÇÃO: Charles Rosa
A primeira tarefa para os trabalhadores militantes em todo o mundo em relação aos acontecimentos na Bielorrússia, é dizer o que ele é (Ferdinand Lassalle: “Dizer o que é, é fazer um ato de revolução”) dissipando-se repentinamente muitas lendas.
O que é a Bielorrússia? Certamente não é uma ilha de socialismo mais ou menos preservado! Em 1991, a antiga Bielorrússia (o nome “Bielorrússia” refere-se ao passado polonês-lituano e não ao passado czarista) tornou-se de fato independente com a explosão da URSS. Lukaschenko foi eleito – na verdade eleito, pela primeira e última vez – em 1994 por uma campanha dirigida tanto contra a corrupção do antigo aparato soviético (de onde veio) quanto contra os democratas-nacionalistas ligados ao Ocidente. As privatizações em massa que marcaram a Rússia e a Ucrânia não ocorreram na Bielorrússia, mas a greve do metrô de Minsk foi duramente reprimida: foi o batismo do fogo anti-operário de Lukachenko, uma derrota social que pesou fortemente em cima do equilíbrio de poder entre as classes à escala de toda a ex-URSS, em particular na Rússia, onde Putin chegou ao poder. Mas é na Bielorrússia que a pior “legislação trabalhista” é imposta … em toda a Europa!
Observmos: CDIs são proibidos, contratos coletivos também! Existem apenas contratos individuais, muitos dos quais são contratos a termo de um ano. Os recém-formados são atribuídos a empresas, privadas ou públicas, com baixos salários durante dois anos. Oficialmente, o desemprego mal ultrapassa 1%; na verdade, o indíce é provavelmente de 10% e há poucas medidas compensatórias: pelo contrário, as multas atingem os “parasitas sociais”, como já foram chamados os pobres sobreviventes sem trabalho.
Quanto aos grandes parasitas, eles se beneficiam desde 2010 de um Ministério (“Agência Nacional”) de Privatização, em conjunto com o Banco Mundial e o FMI. Mas o setor estatal (cerca de 60% do PIB) é na verdade um setor capitalista, que exporta peças de precisão e armas para a Rússia, além de vegetais e laticínios para a União Europeia. As primeiras privatizações explícitas foram realizadas em benefício do fundo russo Gazprom … e do próprio Lukachenko no setor de hotéis de luxo e lazer!
Então, quando te dizem: “claro que é um regime autoritário, mas mesmo assim, essas manifestações e essas greves não devem entrar no jogo das privatizações, porque um ditador é sem dúvida melhor do que 10 oligarcas”, por favor camaradas, afastem essas lendas com as costas da mão. Esta não é uma “ilha de socialismo”, está mais para uma repúbliqueta das bananas da América Central… embora o poder tutelar esteja em Moscou, e não em Washington. Mas, e daí? (A propósito, a moeda de troca com este é… o dólar!).
Feitos esses detalhes essenciais, vamos resumir os acontecimentos recentes.
ATO 1: A eleição presidencial. Como de costume, Lukaschenko pretende fraudá-las, primeiro expulsando candidatos que possam lançar uma sombra sobre ele, incluindo alguns oligarcas ligados a Moscou. Mas comete um erro, porque é machão e pouco esperto: acha que não há nada a temer em autorizar a candidatura de uma frágil dona-de-casa apolítica que quer defender o marido preso, cuja candidatura foi bloqueada após recolher as 200.000 assinaturas exigidas.
Nada a temer de uma mulher fraca. Ela se tornou um símbolo e a multidão, primeiro a juventude urbana e depois todos os outros setores, aglomerou-se em seus comícios. O cheiro de uma revolução democrática está lá. Obviamente, Svetlana Tikhanovskaia ganhou a eleição. De quanto? Nunca saberemos porque as autoridades queimaram as cédulas e proclamaram Lukaschenko o vencedor com… 80% dos votos!
ATO 2: as manifestações de protesto espontâneas são reprimidas. De forma selvagem. 7.000 detenções e internamentos em campos de “condenação” de 5 a 20 dias durante os quais as vítimas são espancadas e torturadas. Mas todos aqueles que saem de lá gritam seu nojo e sua raiva, junto com seus pais e amigos, junto com todo mundo. Isso também Lukashenko não previra. No entanto, a maioria dos comentaristas achava que isso iria terminar aí. Nesta fase, nenhum “protesto” da UE ou Macron…
Ato 3, decisivo: o início de uma revolução democrática com as mulheres em primeiro plano, torna-se uma revolução operária. Sim, a maior greve industrial da Europa em trinta anos. Isso começa na fábrica Azot em Hrodna (em russo Grodno) nas primeiras horas da manhã de 11 de agosto de 2020. Um slogan espontâneo se espalha: “greve geral pela democracia”. Fora Louka, libertação de todos os presos, eleições livres, e assim que pudermos, tendo estabelecido a democracia, abolição do sistema iníquo do CDD para todos! Esta greve avança passo a passo, lentamente, à medida que os trabalhadores vão tomando consciência de sua força e autoconfiança à medida que avança.
Comitês de greve são formados nas fábricas maiores, cujos membros costumam ser presos. O Congresso de Sindicatos Democráticos da Bielorrússia, sindicato independente criado em 1991 e sobrevivente desde então, que une sindicatos locais em diversos setores industriais, muitas vezes ajuda na sua formação e pede a criação de um comitê nacional de greve sozinho, segundo ele, exercer o poder durante a fase de transição para permitir eleições realmente livres. Nas fábricas, o confronto é muitas vezes violento com o sindicato amarelo oficial, que ameaça a não renovação dos contratos a termo dos grevistas e que nenhum ativista operário sério deveria assumir pelo sindicato neste país porque é filiado ao FSM!
Até o momento, essa estrutura nacional não existe, ou ainda não existe, por dois motivos. O primeiro é a repressão. Na segunda-feira, 24 de agosto, os membros dos comitês de greve mais importantes eleitos nas fábricas da Bielorrússia foram presos, incluindo Alexander Lavrinovich, presidente do comitê de greve do MKZ, fábrica da qual Lukachenko teve que fugir na segunda-feira anterior, Anatoli Bokan de Belaruskali, o grande complexo de potássio, Sergei Dilevsky, presidente do comitê de greve da fábrica de tratores de Minsk. Mas no mesmo dia, os mineiros e a população de Salihorsk forçaram a rápida libertação de Anatoli Bokan cercando as instalações do Ministério do Interior.
A segunda razão é que Svetlana Tikhanovskaia fugiu para Vilnius (Lituânia), temendo pela família e dizendo, no início, ter assumido o seu papel de símbolo e querer parar por aí. Depois ela começou a ensaiar, com representantes de pequenos partidos pró-capitalistas e várias personalidades, incluindo a grande escritora Svetlana Alexeievitch, uma espécie de comitê governamental de transição bastante “pró-capitalista” em sua composição política, ao qual os presidentes dos comitês de greve dos dois maiores fábricas em Minsk foram cooptadas antes de também serem presos.
Para os ativistas operários e socialistas, um movimento que pressiona pela formação de comitês eleitos de greve que buscam se centralizar para exercer o poder de fato, evoca muitas revoluções e significa muitas coisas. É preciso entender que o apelo do Congresso de Sindicatos Democráticos da Bielorrússia não diz “todo o poder aos soviéticos”, mas afirma que só a classe trabalhadora pode garantir verdadeiras eleições democráticas livres. Isso é o que importa: a greve, a greve geral política, os comitês eleitos de greve, sua centralização, a garantia real de destruir o aparelho repressivo do Estado e assegurar eleições livres e democracia política.
As nações vizinhas, lituana, polonesa, ucraniana e especialmente russa, estão apaixonadas pelo que está acontecendo na Bielorrússia. Putin tem medo dela e, uma vez que Lukashenko deixou as falsas aspirações de independência e humildemente pediu sua ajuda, ele a forneceu enviando “forças especiais” para supervisionar o exército e a OMON (polícia) para evitar deserções, e enviou equipes de fura-greves. No entanto, não apenas os sindicatos russos independentes (KTR, 2 milhões de sindicalistas) protestaram contra isso, mas os ex-sindicatos oficiais (FNPR, 30 milhões de membros, a maioria dos quais nunca aderiram) tiveram que fazer o mesmo. A possibilidade de “contágio” é grande e pode, com razão, causar pânico em Putin.
Essas linhas foram escritas no domingo, 30 de agosto. Não há dúvida de que os manifestantes entrarão em Minsk novamente hoje. Ontem as mulheres marcharam, confrontaram os Omons e quebraram suas linhas gritando “O poder somos nós!”. Tendo participado em alguns intercâmbios com sindicalistas bielorrussos, vi uma coisa: os delegados, mesmo entre mineiros e metalúrgicos, são frequentemente mulheres jovens. Viva as mulheres, a classe trabalhadora e o povo bielorrusso que, neste ano de todos os levantes, se reconectam com a história e remodelam o futuro!
Vincent Présumey escreve para a revista Démocratie & Socialisme.