Filipinas: A pergunta candente não é “se”, mas “como” Duterte irá embora
FONTE: Rappler | 25/08/2020 | TRADUÇÃO: Charles Rosa
É assim que o mundo termina,
É assim que o mundo termina,
É assim que o mundo termina,
não com um estrondo, mas com uma choradeira.
T. S. Eliot, The Hollow Man (também conhecido como o canto do cisne de Rodrigo Duterte)
A situação na qual se encontra o presidente da Filipinas Rodrigo Duterte confirma com seu exemplo o ditado de que os planos mais cuidadosos dos ratos e dos homens frequentemente se desfazem pelo evento menos esperado.
O asteroide de Wuhan
No caso do assediado ocupante do Palácio de Malacañang, o equivalente do asteroide do espaço exterior foi a COVID-19, que o derrubou do cavalo em que montava triunfalmente depois das eleições parciais de 2019, na qual seus partidários arrasaram em todos os níveis.
A COVID-19 evidenciou a enorme incompetência de um prefeito de um pequeno povoado impulsionado à presidência por uma insurgência eleitoral apesar de suas escassas qualificações para tão alto cargo. Mas tão devastador para a legitimidade de Duterte como a catástrofe da saúde pública e a crise econômica que gerou a COVID-19 foi o evidente contraste entre a prioridade que atribuiu à continuidade da guerra contra as drogas, aprovando a Lei Antiterrorista e tomando o controle da cadeia de comunicação ABS-CBN, quando a prioridade evidente para o restante de nós para conter a devastadora COVID-19, que, no momento de escrever, infectou quase 174 000 filipinos e matou cerca de 2800.
Para as pessoas que viram países vizinhos como a Tailândia, a Malásia e o Vietnã enfrentar com êxito a pandemia a alguns poucos milhares de contagiados e as mortes de um punhado através de programas de contenção integrais, a revelação da incompetência de Duterte não poderia haver chegado de maneira mais impactante. Às centenas de milhares de cegados por seu carisma de gângster nos últimos 4 anos caiu a venda dos olhos e agora se perguntam como é possível que se sentiram atraídos por uma pessoa cuja única habilidade é o assassinato em massa. Inclusive os agressivos verdadeiros crentes dos esquadrões da morte de Davao (DDS) e os trolls a soldo de Duterte, estão confundidos e na defensiva em seus comentários, ou simplesmente permanecem calados, esperando desesperadamente uma mudança de vento que nunca chegará.
O desenvolvimento dos acontecimentos
O homem que havia projetado uma imagem de si mesmo maior que a real foi reduzido a seu autêntico tamanho e ele sabe disso. Sabe que a verdadeira mensagem da recente sentença da Corte Suprema de que as buscas e apreensões irrazoáveis na guerra contra as drogas são uma violação da Constituição é que os juízes aos que tanto já desprezou já não lhe temem. Sabe que quando a oportunista por excelência Gloria Macapagal-Arroyo vem a público dizer que devem ter paciência com o presidente já que sua tarefa é “difícil”, sua verdadeira intenção é avisar Duterte que está a ponto de abandonar o barco e que é melhor que ofereça um melhor acordo que o apresentado até agora.
O pânico se apoderou de Duterte. Esta é a única explicação de sua deslocada declaração de guerra contra os trabalhadores da saúde na linha de frente que simplesmente lhe pediam uma estratégia integral para conter a COVID-19. Seu crescente desespero pode ser a única razão pela qual maldiz ao país e o saudou obscenamente com o dedo do meio durante seu programa noturno na segunda-feira depois de perceber corretamente a erosão do apoio a sua guerra contra as drogas.
O apoio popular, expressado em resultados eleitorais e pesquisas, foi o que o sustentou e estimulou sua arrogância no poder. Desaparecido esse apoio, a pergunta agora não é se ele irá embora, mas como ele irá.
Quatro cenários para o final de Duterte
Eis aqui alguns cenários mais que plausíveis de sua partida.
1- Derrubado por um golpe militar. Alguns podem dizer que isso é improvável, já que ele encheu seu governo de generais. O que esquecem é que os golpes de Estado costuma ser provocados por coronéis e oficiais subalternos que não somente são ambiciosos mas que, como todos nós, têm familiares e amigos que estão sofrendo a pandemia, suas consequências econômicas e a falta de uma estratégia para fazer frente a situação catastrófica. De fato, para se adiantar a tal “golpe dos coronéis” e preservar a cadeia de mando, alguns dos generais que agora juram lealdade a Duterte poderiam se ver tentado a dar o primeiro passo.
2- Um EDSA-4, ou seja, uma massa importante de cidadãos sai às ruas para exigir a destituição de Duterte e, ante a impossibilidade de sufocar uma insurreição popular como a de 1986, a polícia e as forças armadas se declaram neutras ou se unem às manifestações.
3- Duterte aguenta até as eleições mas se converte num mero poste, praticamente encerrado no Palácio de Malacañang, incapaz de controlar os acontecimentos, enquanto seus aliados lutam entre eles para sucedê-lo, mas tratam ao mesmo de se distanciar de uma presidência podre enquanto enfrentam o repúdio popular massivo nas urnas.
4- Entretanto, salvo a morte por causas naturais, provavelmente a melhor opção para Duterte seja o quarto cenário, ou seja, demitir-se agora, o que eu chamo, tomando emprestada a frase de TS Eliott, a “opção do gemido”. Assim se lhe permitiria viver seus últimos dias em Davao e evitar que seu amigo Xi Jinping tenha que assumir seus gastos em comida e alojamento em Beijing, como fizeram os Estados Unidos quando albergou a malta de Marcos em Honolulu. A demissão também lhe asseguraria que não sairá com os pés pela frente, uma opção que este homem cruel não ofereceu às 27 000 pessoas que foram executadas extrajudicialmente sob sua sangrenta presidência.
Evidentemente, a renúncia não irá salvá-lo de ser julgado pela Corte Penal Internacional de Haia. Porém pode lhe reconfortar o fato de que a Corte Penal Internacional não profere sentenças de morte. Quanto a quem sucederá a Duterte e como poderia ter lugar essa sucessão, isto é, por óbvio, um tema extremamente importante, mas é melhor deixá-lo para um futuro artigo.
Walden Bello é professor-adjunto de sociologia na Universidade Estatal de Nova York em Binghamton e presidente nacional da coalizão Laban ng Masa.