[Este estudo foi redigido para o colóquio organizado por Georges Labica na Universidade de Naterre em 1995, por ocasião do centenário da morte de Friedrich Engels. Foi publicado pela primeira vez na obra resultante do colóquio, “Friedrich Engels, savant et révolutionnaire”, dirigida por Georges Labica e Mireille Delbraccio e lançada em 1997 por Presses Universitaires de France]
“Parece que devemos os grandes livros sobre a ação aos homens de ação que sorte privou da suprema realização e que conseguem uma sutil dosagem de compromisso e distanciamento, ainda capazes de reconhecer as ataduras e servidões do soldado ou do político, capazes também olhar a partir de fora, não com indiferença, mas com serenidade, a ironia da sorte e do jogo imprevisível de forças que nenhuma vontade domina”.
Estas linhas de Raymond Aron na grande obra que consagrou Clausewitz e sua posteridade/1, e na qual se inspira o título desta contribuição, poderiam ter sido escritas, palavra por palavra, a propósito de Friedrich Engels.
Ogeneral
Homem de ação no terreno militar, o alter ego de Karl Marx o foi em sua juventude, breve mas resolutamente. Preparado numa instrução de um ano de duração (1841-1842) na artilharia prussiana em Berlim, onde aproveitava os tempos de inatividade do recruta para seguir os cursos de filosofia de Schelling e frequentar aos críticos Jovens Hegelianos, o Bombardier (cabo) Engels se envolveu nos combates da revolução alemã de 1848-1849: primeiro em maio de 1849, em sua cidade natal de Elberfeld, de onde não tardou em ser expulso por temor a que o vermelho que era pudesse influir no Comitê de Saúde Pública local; depois em junho-julho, nas fileiras do exército insurrecional de Bade e do Palatinado, com cujos restos acabou se refugiando em território suíço, fugindo da ofensiva prussiana.
Engels se comprometeu sem nutrir ilusões quanto à sorte dos insurgentes e sem respeito algum pela direção do que ele considerava, no fundo, uma caricatura de revolução. Não obstante, mostrou-se valente no combate, sobretudo para evitar toda acusação de covardia contra os comunistas, dos quais junto com Karl Marx já era um abandeirado. “O partido do proletariado estava bastante bem representado no exército de Bade-Palatinado, especialmente nos corpos francos, como o nosso, na legião dos emigrados, etc. Pôde desafiar tranquilamente aos demais partidos a fazer a mínima repreensão a qualquer um de seus membros. Os comunistas mais decididos eram também os soldados mais valentes”. /2.
Com sua incursão na luta armada, Engels pretendia igualmente enriquecer seu conhecimento dos assuntos militares, não em vão já havia sido promovido a especialista neste terreno na repartição de tarefas por parte da equipe de redação da Neue Rheinische Zeitung. Nesta gazeta havia comentado, como crítico militar revolucionário, os principais episódios armados da primavera dos povos de 1848-1849. Dos artigos que dedicou à Hungria, Wilhelm Liebknecht disse mais tarde que “as pessoas os atribuíam a algum militar de alta patente do exército húngaro”/3, do mesmo modo que, dez anos depois, os opúsculos publicados por Engels em Berlim, sem nomear o autor, O pó e o Reno (1859) e Saboia, Nice e o Reno (1860), foram atribuídos a algum general prussiano que queria manter-se no anonimato.
O interesse de Engels pelas questões militares não foi um capricho lúdico. Se submergiu-se tão profundamente no estudo de tudo o que na sua época guardava relação com este tema, foi porque o animava a mesma motivação que induziu Marx a digerir tudo o que tinha a ver com a economia política: a vontade de servir a sua classe adotiva, o proletariado; Marx, forjando as armadas da Crítica/5, Engels dedicando-se à crítica das armas.
Desde que lhe instalaram em Manchester nos finais de 1850, Engels seguiu um programa sistemático de leitura que o converteu num erudito, tanto em matéria de estratégia como de história militar. Paralelamente a esta preparação intelectual, preocupou-se de manter sem trégua sua capacidade física para voltar, quando tivesse soado a hora, à intervenção sobre o terreno. Ainda, aos 64 anos de idade, um ano e meio depois da morte de Marx, dirigiu-se a um de seus correspondentes, inquieto por seus problemas de saúde, oferecendo um balanço de sua aptidão para montar a cavalo e participar da guerra/6. “Caso tivesse produzido uma revolução enquanto estava vivo, teríamos em Engels nosso Carnot, pensador militar, organizador de nossos exércitos e de nossas vitórias”, afirmou Liebknecht/7, depois da morte de quem se reportava aos dirigentes do socialismo alemão “como representante, por assim dizer, do estado-maior geral do partido”/8.
A fortuna privou Engels dessa suprema realização. Jamais teve ocasião de pôr em prática os planos militares que havia concebido, desde o que, ainda novato, urdiu para os insurgentes de 1849, até o que, convertido em especialista militar reconhecido, pelo visto elaborou, 22 anos mais tarde, para o governo francês republicano com vistas à defesa de Paris durante o exército prussiano. Contrastou seu erudição militar, potencializada por sua grande inteligência e seus flashes de genialidade, com a análise de todas as guerras de um meio século que conheceu muitas. E a falta de uma demonstração prática no campo de batalha, seus comentários sobre a guerra franco-alemã de 1870-1871 para a Pall Mall Gazette de Londres, com uma agudeza que suscitou a admiração do publico e dos especialistas, lhe valeram a Engels os galardões de general, título outorgado afetuosamente pela família de Marx. Durante o último quarto de século de sua existência seguiu sendo o general para seu círculo íntimo.
O teórico militar
A notoriedade de Engels como pensador da guerra se consolidou a partir de meados do século XX, sobretudo entre os que se interessam pela arte da guerra e sua história. Entretanto, a razão desta fama nem sempre é a melhor que alguém queira desejar, na medida que frequentemente se quis ver uma filiação entre o pensamento de Engels e as doutrinas militares soviéticas, ao amparo das profissões de fé com que se adornavam estas últimas. Ainda hoje não há obra séria sobre as etapas do pensamento estratégico que possa passar por alto ao companheiro de Marx: do clássico de Edward Mead Earle/9, onde se dedica um capítulo a Marx e Engels (sobretudo a este último), assinado por Sigmund Neumann/10, à recente antologia volumosa de Gérard Chaliand/11, passando pela obra do coronel-professor israelense Jehuda Wallach/12. Este último distingue, em Engels, entre o que constitui, a seu juízo, uma doutrina da guerra revolucionária e os escritos militares de corte mais clássico. Destes últimos, duplamente expert, estabelece o seguinte balanço sucinto:
“Os escritos militares importantes de Engels, que até agora não foram estudados a fundo, tratam (…) de todos os âmbitos da ciência da guerra. Escreveu sobre as questões da organização e do armamento, sobre a evolução da arte da guerra na época da revolução industrial, sobre os aspectos militares da política internacional, sobre a estratégia e a tática, assim como sobre o mando e a qualidade dos generais. Formulou assim mesmo prognósticos proféticos sobre a guerra do futuro (que foram verificadas, com efeito, na Primeira Guerra mundial). Sobre numerosas questões foi mais perspicaz que os militares profissionais. (…) Em seus escritos anônimos sobre a situação militar no oeste e no sudoeste da Europa, Engels elaborou um plano que, 45 anos depois, foi batizado com o nome de Schlieffen. Demonstrou por que este plano alemão estaria condenado ao fracasso numa guerra contra a França. Profetizou com a máxima precisão a duração da próxima guerra mundial, a magnitude das perdas e as condições nas quais ela se concluiria”/13.
Que Engels tenha sido um dos grandes pensadores da guerra no século XIX está fora de discussão para quem quer que conheça esta parte importante da massa volumosa de seus escritos. Constitui, sem nenhuma dúvida, uma referência ineludível para a história militar de sua época. Que seja uma referência estratégica para a nossa época é muito menos seguro, se por isso se entende uma doutrina da guerra em geral, e até mesmo da guerra revolucionária em particular. Ante o colosso de Clausewitz, a quem apreciava, e menos ainda que este último, não tratou de elaborar uma teoria sistemática da guerra, senão que se limitou a comentar as guerras e situações reais, nas condições concretas de seu desenvolvimento, sob o risco de corrigir suas próprias concepções /14.
Definir uma doutrina engelsiana da guerra revolucionária que fosse original em relação aos ensinamentos de 1793 e das guerras napoleônicas, e que tivesse sua continuação em Lenin, Trotsky, Mao Tse-Tung e/ou o estado-maior soviético, corresponde sempre a um trabalho de sistematização a posteriori, combinando considerações militares com reflexões gerais sobre a revolução. Esta classe de elaboração se assemelha muito pouco à maneira em que Engels concebeu sua atividade de pensador militar e à aversão que desenvolveu, ao longo dos anos, contra toda forma de dogmatismo. Como poderia ter-se visto tentado por qualquer sistematização em matéria de doutrina militar quando sublinhava sempre a aceleração vertiginosa do progresso das técnicas bélicas, que produz armas às vezes “envelhecidas antes de ser lançadas”/15?
O interesse principal do pensamento sobre a guerra em Engels consiste em indagar para além das receitas propriamente militares, ainda que fossem as da guerra revolucionária. Se situa melhor em seu tratamento de problemas cruciais para o movimento operário, que são sua atitude frente às guerras não-revolucionárias, a articulação entre guerra e revolução e a possibilidade de uma estratégia da revolução que não dependa da guerra. Em nossa época, na qual a guerra direta entre as potências industriais é tão “improvável”, para retomar a expressão de Raymond Aron, como indesejável em grau máximo, este é o ponto em que Engels, como pensador da guerra e estrategista da revolução socialista, conserva toda sua atualidade. Neste sentido, como se trata de demonstrar aqui brevemente, seu pensamento sobre a guerra e a revolução antecipou questões de nosso século e conservará talvez por muito tempo ainda sua atualidade.
A atitude frente às guerras
Marx e Engels viveram um período de profunda mutação do mundo, o da gestação da sociedade industrial moderna e de sua extensão à Europa continental e a suas terras de imigração massiva, a época, portanto, da profunda dualização do planeta, que segue marcando, desgraçadamente, o tempo em que vivemos. Segundo a análise de sua posteridade intelectual e em seus próprios termos, foram coetâneos do amadurecimento do sistema mundial imperialista, sem conhecer verdadeiramente o momento em que se completou. Engels, segundo esta mesma análise, morreu em plena fase crítica desta mutação histórica.
Os dois teóricos da revolução proletária viveram assim numa era que, em sua maior parte, foi ainda a da culminação da transformação burguesa da Europa, uma época na qual o continente se desprendia ainda de seu longo passado agrário e feudal. As guerra que conheceram foram sobretudo a expressão desta primeira mutação. É certo que as mesmas e outras foram também, em parte ou em sua totalidade, guerras de conquista, prefigurando a apoteose da guerra de rapina que ia ser a Primeira Guerra mundial. A guerra da Alemanha de Bismarck contra a França de Luis-Napoleão em 1870 foi o último grande testemunho da ambivalência daquele período de transição histórica. Combinou, no lado alemão, uma guerra de defesa e consolidação da unidade alemã – tarefa eminentemente progressiva aos olhos de Marx e Engels, por muito que se levasse a cabo, muito a seu pesar, sob a égide da monarquia prussiana – e uma guerra de conquista que será traduzida na anexação de Alsácia e grande parte de Lorena.
Marx e Engels modularam, portanto, suas atitudes ante as guerras reais de sua época em função de uma análise de seu significado histórico objetivo, chegando inclusive a distinguir no mesmo protagonista, na mesma guerra que acaba de ser evocada, entre uma fase emancipadora, que merecia um apoio passivo, para não dizer ativo, e uma fase opressora, na qual era precisa se solidarizar com o bando contrário, por mais que a política que presidia a guerra não tivesse mudado para nada o caminho.
Efetivamente, e esta é uma característica importante de sua problemática comum, nossos dois pensadores não se ativeram à célebre fórmula de Clausewitz, que Lenin popularizaria mais do que ninguém. Não é por desconhecê-la que não se apaixonaram por ela tanto como este último. Para eles, o importante não era de que política era a continuação de uma guerra concreta, mas antes de tudo e sobre tudo de que movimento histórico era portadora. Para os fundadores do materialismo histórico, teóricos da falsa consciência ideológica, não se podia julgar uma guerra à luz da subjetividade política dos que a travavam. Seu juízo, desde o alto de seu tribunal de escrutadores das metamorfoses da estrutura socioeconômica, se baseava no efeito objetivo da guerra sobre a liberação das forças produtivas das travas sociais ou políticas que limitavam seu desenvolvimento/16.
Com o crescimento cada vez mais rápido e impressionante do movimento operário, sobretudo na Alemanha, a tradução prioritária do critério de valorização passou a ser, a juízo de Marx e Engels, o efeito da guerra neste movimento, portador da suprema emancipação. A partir deste ponto de vista muito preciso, a anexação de Alsácia-Lorena pela Alemanha constituiu uma mudança importante em sua apreciação comum da relação entre guerra e revolução no coração da Europa (e não das guerras periféricas sem consequências imediatas para o perigo de deflagração central). Tal anexação, com efeito, era um fato suscetível de abrir uma brecha entre os dois batalhões de choque do proletariado europeu, alimentando o chauvinismo de um e outro lado. Encerrava em seu seio uma nova guerra, a que se veria arrastado o restante da Europa e que seria tanto mais terrível e nefasta quanto que nela se degolariam entre si os proletários de todos os países.
Este era o sentido daquele Mane, Tecel, Fares que resultou ser a advertência contida nos Manifestos do Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores sobre a guerra franco-alemã, redigidos por Marx em julho e setembro de 1870, e sem dúvida concebidos junto com Engels:
“Se a classe operária alemã permite que a guerra atual perca seu caráter estritamente defensivo e se degenere numa guerra contra o povo francês, o triunfo ou a derrota serão igualmente desastrosos/17. (…) Depois de um breve respiro, [Alemanha] deverá se preparar de novo para outra guerra defensiva, não uma dessas guerras localizadas de novo estilo, mas uma guerra de raças, uma guerra contra as raças latina e eslava coligadas” /18.
Pelo demais, na medida em que a guerra entre potências europeias não alcançou um nível tecnológico que outorgasse à “escalada aos extremos” e à “destruição do inimigo” um sentido mais literal e total que aquilo que Clausewitz jamais poderia imaginar, podia contemplar-se mais ou menos serenamente como uma modalidade de violência parteira de progresso social, segundo os termos do Capital de Marx retomados por Engels em seu Anti-Dühring. Com a louca corrida de armamentos que desencadeou a situação produzida pela guerra de 1870 e o formidável aumento quantitativo e qualitativo dos meios de destruição acumulados pelas potências europeias, toda explosão generalizada no coração do sistema mundial passava cada vez mais a converter-se em portadora de catástrofes, mais que parteira de revoluções. Dito de outro modo, inclusive se tal guerra desembocasse, num prazo mais ou menos longo, numa transformação revolucionária, terá sido o pior meio para conseguir isso, a preço de uma hecatombe e de uma gigantesca destruição das forças produtivas.
O profeta da guerra mundial
“Engels não foi de modo algum o único pensador político da época por esta evolução, mas eu sustentaria que nenhum outro em seu tempo previu como a totalidade do que chamamos a guerra total”. Esta constatação é de um pacifista, pouco suspeito de simpatizar a priori com o marxismo /19. E não é exagerado dizer, igual ao coronel Wallach antes citado, que Engels profetizou o perfil da Primeira Guerra mundial. Como qualificar, efetivamente, se não de proféticas, estas linhas de Engels escritas no final de 1887:
“Não pode haver outra guerra, para Prússia-Alemanha, que uma guerra mundial, ou seja, uma guerra mundial de uma amplitude e uma violência jamais imaginas até agora. De oito a dez milhões de soldados vão ser degolados entre eles e ao fazer isso devastarão toda a Europa como jamais ocorreu num enxame de lagostas. As devastações da guerra dos Trinta Anos, concentradas em três ou quatro anos, e esparzidas por todo o continente; fome, epidemias, embrutecimento generalizado dos exércitos e das massas populares devido à miséria aguda; caos irremediável de nosso mecanismo artificial no comércio, a indústria e o crédito, levando à bancarrota geral; afundamento dos velhos Estados e de seu saber fazer estatal tradicional, de modo que as coroas rodarão por dezenas sobre o pavimento, e não se encontrará a ninguém que as recolha; impossibilidade absoluta de prever como acabará tudo isso e quem sairá vencedor neste combate; um único resultado está absolutamente claro: o esgotamento geral e a criação das condições da vitória final da classe operária. Esta é a perspectiva quando o sistema da oferta mútua no armamento bélico levada ao paroxismo dê inevitavelmente seus frutos”/20.
Não falta nada, nem sequer o estabelecimento das condições da revolução proletária, que eclodirá na Rússia, Alemanha e Hungria, e será derrotada nestes dois últimos países. Engels previa que estas condições se dariam no bando dos vencidos na esteira da derrota de seus exércitos. Nem por isso desejou, entretanto, que eclodisse a guerra, não somente porque não comungava com a política do quanto pior, melhor. Era sobretudo porque o mero fato do começo da guerra seria, a seu juízo, a prova irrefutável do fracasso dos partidos socialistas, e portanto um mal augúrio para seu porvir.
Seu dever era se opor resolutamente à guerra, até o ponto de que seus governos a temessem. Se estes decidissem de todos os modos embarcar-se nela, seria porque teriam garantias de realizar a união sagrada em torno deles. Assoma aí um pessimismo inquieto nas cartas de Engels a seus camaradas, que contrasta claramente com o otimismo revolucionário escatológico que mostra ainda nos textos públicos. “No caso de guerra mundial não estará assegurada mais que a barbárie, não a vitória do socialismo”, explicou em 1886.
“Em suma, haverá um caos com um único resultado seguro: um massacre coletivo de uma amplitude sem precedentes, o esgotamento de toda a Europa num grau jamais alcançado anteriormente e, finalmente, o afundamento completo do antigo sistema. Um êxito imediato para nós somente poderia ser derivado de uma revolução na França (…). Uma comoção na Alemanha na sequência de uma derrota somente seria útil se levasse à paz com a França. O melhor seria uma revolução russa, que de todos os modos somente cabe esperar depois de várias graves derrotas do exército russo. Uma coisa é certa: a guerra comportaria de entrada uma regressão de nosso movimento em toda a Europa, o paralisaria completamente em vários países, atiçaria o chauvinismo e a xenofobia e nos ofereceria nada mais que uma certeza, entre as numerosas incertezas, a de ter que começar tudo de novo depois da guerra, embora sobre uma base muito mais favorável inclusive que hoje em dia”/21.
O prognóstico de Engels com relação às consequências da guerra era ainda mais claramente pessimista, e portanto mais justamente profético, em 1889:
“Quanto à guerra, para mim é a eventualidade mais terrível. Mas um guerra em que haverá de 10 a 15 milhões de combatentes, uma devastação inaudita tão somente para alimentá-los, uma supressão forçada e universal de nosso movimento, o recrudescimento dos chauvinismos em todos os países e ao final um debilitamento dez vez pior que depois de 1815, um período de reação baseada na inanição de todos os povos exangues – tudo isso frente às escassas possibilidades de que esta guerra encarniçada se derive uma revolução -, isso me horroriza. Sobretudo para nosso movimento na Alemanha, que seria derrotado, esmagado, extinto pela força, enquanto que a paz nos oferece a vitória quase certa”/22.
São estes os critérios e prognósticos que determinaram o posicionamento do velho Engels até o fim de seus dias. Nem algum traço patriótico alemão nem sua notória antipatia pelas “pequenas hordas primitivas” dos Balcãs, inclusive desprovida de sua tonalidade hegeliana original, mas o efeito descontado de toda guerra real ou potencial para o futuro do movimento operário europeu, sobre tudo com a preocupação quase obsessiva de evitar a catástrofe que via despontar no horizonte. Isso é o que explica a inversão da equação guerra-revolução em Engels, a partir de 1871, como demonstrou muito bem Martin Berger: “Assim, Engels, que havia preconizado anteriormente a guerra como catalisadora da revolução, glorificava agora a revolução como meio para evitar a guerra”/23.
Prevenir a guerra mundial
Prevenir a guerra mundial, preparar a revolução: este foi, de certo modo, o mote de Friedrich Engels.
“Devemos contribuir à libertação do proletariado da Europa ocidental e devemos subordinar todo o resto a este objetivo. E é possível que os eslavos dos Balcãs, etc., sejam também dignos de interesse, mas a partir do momento em que sua ânsia de libertação entre em conflito com o interesse do proletariado, que vão para o diabo! Os alsacianos também estão oprimidos (…). Mas se na véspera de uma revolução que se aproxima visivelmente provocassem uma guerra entre a França e a Alemanha, se quisessem de novo exasperar estes dois povos, adiando assim a revolução, eu lhes diria: alto aí! Vocês também podem aguardar tanto quanto o proletariado europeu. Se este se liberta, vocês também poderão ser livres, mas, enquanto isso não ocorre, não toleraremos que vocês ponham travas ao proletariado em luta. O mesmo vale para os eslavos. A vitória do proletariado os libertará efetiva e necessariamente, e não na aparência e temporalmente, como o faria o czar. (…) Acender a causa de uns quantos herzegovianos uma guerra mundial que custará milhares de vezes mais vidas que habitantes existem em toda Herzegovina, não é assim como entendo a política do proletariado”/24.
Este era assim mesmo o sentido do famoso texto de Engels de 1891 sobre O socialismo na Alemanha. Inquieto ante a perspectiva de uma guerra franco-russa contra a Alemanha, que pareceria fartamente plausível no momento em que escrevia seu artigo, o pais espiritual dos socialistas alemães pôs em guarda seus camaradas franceses contra qualquer apoio a um empreendimento revanchista de seu governo em aliança com o czar. Matizando, denunciou a anexação de Alsácia-Lorena e declarou que preferia a república burguesa francesa ao império alemão, mas explicou ao mesmo tempo que em caso de aliança com a Rússia, a guerra contra a Alemanha não podia ter senão um conteúdo reacionário. O socialismo alemão pagaria seguramente os pratos quebrados, em caso de vitória russa, esmagado pelo inimigo de fora ou pelo inimigo de dentro/25.
Na hipótese concreta de tal vitória, isto é, de uma invasão franco-russa da Alemanha, Engels justificava portanto um defensismo socialista alemão, mas um defensismo de caráter muito particular, um defensismo revolucionário, pois o modelo invocado é o mesmo que inspirou aos comuneiros de Paris em 1871: o modelo de 1793. Dito isso, continuou, “nenhum socialista, de qualquer país, pode desejar o triunfo bélico, seja do atual governo alemão, seja da república burguesa francesa; ainda menos do czar (…). Por isso, os socialistas reclamam em todas as partes que se mantenha a paz”. A social-democracia alemã, em 1914, quis ver neste artigo uma legitimação de seu defensismo patriótico. Para isso teve que desnaturalizar profundamente e dar importância ao enfoque global de Engels no qual se inseria/26. Por certo que este o havia escrito com certa reticência, como testemunha sua correspondência, com a mera finalidade de armar os socialistas franceses ante a tentação do revanchismo: é a eles a quem se dirigia (em francês!), não esqueçamos isso/27.
Preparar a revolução, prevenir a guerra: se este era o mote, evidentemente não bastava apresentá-la mediante reflexões sobre situações hipotéticas nas quais a primeira nasceria da segunda, além de tudo com escassa probabilidade (“pouco provável”). Era preciso atuar urgentemente a favor de uma e contra a outra, e portanto buscar temas em torno dos quais fosse possível traduzir o mote em ação. Em ambos os casos, o grande tático militar e político que era Engels buscava passarelas praticáveis em prol do objetivo estratégico.
Para a luta contra a guerra mundial e pela paz, rechaçou como ilusórios os brilhantes projetos de greve geral e insubordinação em caso de guerra, propostos por Domela Nieuwenhuis (igualmente brilhantes que a resolução do Congresso de Basileia da IIª Internacional, em 1912, que ameaçou em transformar a guerra em revolução e da qual já conhecemos a sorte que lhe reservou a história). Os socialistas não podiam adotar essas frases pomposas quando estavam apagando de seu programa objetivos muito menos radicais por medo de oferecer um flanco à repressão. Tampouco podiam ter alguma eficácia real frente a uma maquinaria de guerra.
Engels formulou portanto sua própia proposta, desejoso de ajustar-se à exigência de realismo e ao mesmo tempo também ao objetivo revolucionário. A solução que encontrou é exposta nos artigos que escreveu em 1893 para Vorwärts e que agrupou ato seguido num folheto intitulado É possível o desarmamento da Europa? O especialista militar socialista propunha “a redução gradual da duração do serviço militar obrigatório mediante um tratado internacional”/28, com o propósito declarado de transformar com o tempo os exércitos permanentes em “milícia baseada no armamento universal do povo”. Explicava suas propostas deste modo:
“Trato de demonstrar que esta transformação é possível agora mesmo, inclusive para os governos atuais e na presente situação política. (…) De momento somente proponho medidas que possam ser adotadas por todo o governo atual sem colocar em perigo a segurança nacional. Simplesmente tento deixar claro que, desde o ponto de vista puramente militar, não há absolutamente nada que impeça a abolição gradual dos exércitos permanentes; e que, se de todos os modos se mantêm esses exércitos, é por razões políticas e não militares, isto é, que os exércitos estão destinados à proteção nem tanto frente ao inimigo exterior como frente ao inimigo interior”/29.
Assim, partindo do que teria sido objetivamente possível, de ser levado a sério as intenções puramente defensivas de que anunciavam os governos, Engels demonstrava, com toda a riqueza e a garantia de sua ciência militar, que sua proposta plenamente compatível com as exigências da defesa nacional (sua alegação estava dirigida ao Reichstag). Consciente de que o desarmamento unilateral não tinha nenhuma possibilidade de ser adotado na Europa de seu tempo, Engels, sempre desejoso de não abandonar o realismo, propunha iniciar uma dinâmica de desarmamento mediante um tratado internacional, destacando o interesse da Alemanha, como vantagem moral ou psicológica, por empreender a via de uma oferta pacifista, acrescentando assim outra dimensão à atualidade de seu pensamento sobre a guerra.
Se os governos atendiam a sua proposta, teria freado a corrida de armamentos ou posto em marcha um processo de desarmamento a escala europeia, conjurando deste modo o perigo da guerra. Em contrapartida, se a rechaçavam – a hipótese mais provável, evidentemente -, teria de todos os modos de contribuir assim para a educação das massas contra o militarismo e o chauvinismo. Sob condição de, desde logo, que os partidos socialistas fizessem valer a proposta em sua agitação, coisa que não ocorreu/30.
Engels preconizava há bastante tempo o serviço militar universal (somente para os homens, dentro dos limites sexistas da época) e a evolução assintótica/31 em relação à abolição do exército permanente e sua substituição por um sistema de milícia popular. Sua principal preocupação consistia em preparar a revolução e prevenir a contrarrevolução, como explicou em 1865 em sua primeira intervenção em nome do partido operário no debate prussiano sobre o exército: “Quantos mais operários haja que saibam manejar as armas, tanto melhor. O serviço militar universal é o complemento necessário e natural do sufrágio universal; capacita aos eleitores para impor suas decisões, com as armas na mão, frente a toda tentativa de golpe de Estado”/32. Agora se acrescentava o dever de prevenir a grande guerra, de maneira que as duas preocupações de Engels convergiam num só tempo, a do exército, peça-maestra da estratégia revolucionária desenvolvida por Engels.
A estratégia revolucionária e o exército
Depois da derrota sanguinária dos operários parisienses nas mãos de Cavaignac, em junho de 1848, Engels compreendeu perfeitamente que havia se tornado uma página na história das revoluções. Como escreveu em 1852, “havia sido demonstrado que a invencibilidade de uma insurreição popular numa grande cidade era uma ilusão (…). O exército voltava a ser o poder decisivo do Estado…”/33. Esta mesma lição da história foi reiterada ainda no final de sua vida, na famosa Introdução de 1895/34 à reedição da obra de Marx sobre As lutas de classes em França, que, mutilada quando ainda estava vivo, foi tantas vezes desnaturalizada durante o século transcorrido depois de sua morte.
Portanto, Engels adquiriu já em 1848 a convicção, reforçada com a passagem dos anos, de que a sorte da revolução social virá determinada por sua capacidade de neutralizar o exército burguês. Até 1871 podia prever com otimismo, em particular em relação a Alemanha, um processo inspirado em 1793, no qual o exército teria se visto debilitado, para não dizer derrotado, no transcurso de um enfrentamento exterior, de sorte que os revolucionário teriam podido colocar-se à cabeça da “pátria em perigo”. Pelas razões já explicadas, a guerra franco-prussiana e o esmagamento sangrento da Comuna de Paris em 1871 levaram a Engels a questionar o modelo guerra-revolução, com consequências dramáticas e imprevisíveis, e a preferir de longe a estratégia de divisão do exército burguês a partir de dentro.
“O militarismo domina e devora a Europa. Mas este militarismo também leva em seu seio o germe de sua própria ruína. A concorrência entre os distintos Estados lhes obriga, por um lado, a gastar cada ano mais dinheiro para o Exército, a frota, os canhões, etc., e portanto a acelerar cada vez mais o colapso financeiro e, por outro lado, a ser colocado cada vez mais seriamente o serviço militar obrigatório e, afinal de contas, a familiarizar ao povo em geral com o manejo das armas, e portanto a capacitá-lo para impor num momento dado sua vontade frente ao poder de mando militar. E esse momento chegará quando a massa do povo – operários da cidade e do campo e camponeses – tenha uma vontade. Então, o exército dinástico se converte em exército popular; a máquina deixa de funcionar, o militarismo morre vítima da dialética de seu próprio desenvolvimento. (…) E isso significa a eclosão a partir de dentro do militarismo e com isso, de todos os exércitos/35.
A partir de então, quebrar o exército burguês não somente era uma tarefa inadiável da revolução proletária, como havia demonstrado a Comuna aos olhos de Marx e Engels. Era também, segundo a concepção elaborado por Engels, a condição sine qua non do triunfo da revolução, sem a qual esta abortaria num banho de sangue. Era finalmente uma tarefa realizável com meios político, na medida em que ante o proletariado se abriam de par em par as portas da ação política e da organização legal, enquanto que a osmose entre os exércitos e as populações aumentava notavelmente com a generalização de conscrição. Isto outorgava à influência dos socialistas no exército uma importância crucial e decisiva. E quanto mais crescem os exércitos, tanto mais resultava imperativo que este preceito revolucionário, recalcado sem cessar por Engels até o final de seus dias e retomado depois por Lenin e a Internacional Comunista, fosse assimilado/36.
Caso não tenha presente esta ideia-força do pensamento estratégico revolucionário de Engels, não se pode senão mal interpretar o sentido dos textos públicos que escreveu nos últimos anos de sua vida, quando não tinha mais remédio que expressar-se dentro de certos limites e frequentemente por alusão. Isso se devia, por um lado, a quem então temia que os espetaculares avanços do movimento operário alemão foram aniquilados por um golpe de Estado reacionário ou uma nova lei contra os socialistas/37, precisamente porque estes últimos ainda não estavam preparados para o enfrentamento ao não contar ainda com uma influência suficiente no exército. Por outro lado, dado que devia levar em conta, para que esses mesmos socialistas lhe publicassem, seu medo da repressão e seu culto à legalidade, que estigmatizou tão severamente quando lhe mutilaram sua Introdução de 1895 apesar de todas suas precauções semânticas/38.
Por certo, se Engels, apaixonado pela história militar (como da história a seco), costumava citar a célebre frase dos franceses em Fontenoy (1745): “Senhores ingleses, disparem vocês primeiro!”, aplicando-a aos senhores burgueses, é porque considerava que o tempo e a legalidade jogavam a favor dos socialistas e sabia perfeitamente, portanto, que pronto ou tarde a burguesia reacionária violando suas próprias leis. “Não cabe dúvidas, serão os primeiros a disparar”/39. Então os socialistas colherão o que terão semeado, isto é, a revolução. “Quantas vezes não nos intimidaram os burgueses a renunciar ao emprego de meios revolucionários, a nos mantermos dentro da legalidade (…). Desgraçadamente para eles, não é nossa intenção satisfazer aos senhores burgueses. O que não impede que momentaneamente não seja nós quem mate a legalidade. Trabalha também para nós que estaríamos loucos se nos saíssemos dela enquanto dure/40”.
Momentaneamente, o proletariado deve travar uma guerra de posições, poderia dizer Engels, cuja formulação de 1895 parece remeter diretamente à metáfora militar que retomará más tarde, depois de outros, Antonio Gramsci/41. Faz falta, escreveu, que o proletariado “progrida lentamente de posição em posição num combate duro, obstinado”. Isto é possível porque “as instituições de Estado em que se organiza a dominação da burguesia ainda oferecem novas possibilidade de utilização que permitem à classe operária combater a essas mesmas instituições de Estado”/42.
“O tempo dos golpes de mão, de ondas revolucionárias executadas por pequenas minorias à cabeça das massas inconscientes, pertence ao passado. Quando se trata de uma transformação completa da organização da sociedade, é preciso que na tarefa cooperem as próprias massas, que estas tenham compreendido de que se trata, o motivo de sua intervenção (com seu corpo e com sua vida). […] Mas para que as massas compreendam o que é preciso fazer, é necessário um esforço prolongado e perseverante […]. Em todas as partes se imitou o exemplo alemão de utilização do direito de voto, da conquista de todos os postos aos que podemos aceder, em todas as partes o início do ataque sem preparação passa a um segundo plano. Manter sem cessar este crescimento até que por si mesmo seja mais forte que o sistema governamental no poder, não utilizar nos combates de vanguarda essas tropas de choque que se reforçam dia a dia, senão conservá-las intacatas até o momento decisivo, esta é nossa tarefa principal”.
Porque em caso de “sangria’ como a de 1871 em Paris, “as tropas de choque talvez não estejam disponíveis no momento crítico, o combate decisivo seria atrasado, se alongaria e viria acompanhado de maiores sacrifícios/43. Assim, a guerra de posições não era para Engels outra coisa que uma longa e paciente preparação da melhor correlação de forças, com vistas ao “momento crítico” em que la guerra de movimiento volverá a un primer plano de cara al “combate decisivo”.
A arte da insurreição
“Quer dizer isso que no futuro o combate de rua já não desempenhará papel algum? Em absoluto. Quer dizer simplesmente que desde 1848 as condições se tornaram muito menos favoráveis para os combatentes civis e muito mais favoráveis para as tropas. Um combate de rua, portanto, somente poderá ser vitorioso no futuro se esta inferioridade se veja compensada por outros fatores. De modo que se produzirá mais raramente ao começo de uma grande revolução que no transcurso do desenvolvimento desta, já que fará falta empreendê-lo com o grosso das forças”/44.
Por outros fatores suscetíveis de compensar a inferioridade dos civis nos combates de rua, Engels entendia, sem lugar de dúvidas, a influência dos socialistas no seio do exército, graças a seu esforço político anterior. Quando em 1891 descreveu, em francês, com uma grande liberdade de expressão, o avanço espetacular dos resultados eleitorais de seus camaradas alemães, precisou ato seguinte que “os votos dos eleitores estão longe de constituir a força principal do socialismo alemão”, esta, explicou, está constituída pelos soldados, pelo fato de que “o exército alemão está cada vez más contagiado de socialismo”/45.
Significa isso que Engels propunha ganhar tempo até que os socialistas se tivessem feito com o exército? Apresenta sua estratégia revolucionária, neste ponto, uma importante lacuna? Isto é o que parece crer Martin Berger, que apesar de situar bem o lugar do exército na estratégia de Engels, a chama “Teoria do exército evanescente” (Theory of the Vanishing Army) e a qualifica de “doutrina essencialmente passiva”/46. Segundo a interpretação de Berger, a doutrina de Engels consistia em esperar a que, num processo natural, tivesse “o número necessário de socialistas” no exército para que este “desaparecesse” por si só/47. A luta pela conquista do exército preconizada por Lenin parece, segundo Berger, “alheia à visão de Engels”.
Esta interpretação é melhor que aquela alheia à visão de Engels. Lenin em 1906, no artigo citado por Berger, Os ensinamentos da insurreição de Moscou, não fez mais que sublinhar a ideia, afinal de contas, segundo a qual o uso da força por parte dos insurgentes e sua determinação podem conseguir que as tropas troquem de lado. Engels não disse nada distinto a este respeito, em sua Introdução de 1895:
“Não tenhamos ilusões a respeito: uma verdadeira vitória da insurreição sobre as tropas no combate de rua, uma vitória como na batalha entre dois exércitos, é uma coisa das mais raras. Por certo que também é raro que os insurgentes tenham a proposto. Para eles não se tratava mais do que abrandar às torpas influenciando nelas moralmente (…). Se conseguissem isso, a tropa se nega sair mobilizada ou rodam as cabeças dos chefes, a insurreição triunfou. Se não conseguem isso, então – inclusive com tropas inferiores em número– leva-as a ganhar a superioridade do equipamento e da instrução, da direção única, do emprego sistemático das forças armadas e da disciplina. O máximo que pode esperar a insurreição numa insurreição numa ação verdadeiramente tática, é a construção correta e a defesa de uma barricada isolada. (…) A resistência passiva é, consequentemente, a forma de luta predominante; a ofensiva, juntando as forças, realizará – quando se brinde a ocasião, mas de maneira puramente excepcional – avanços e ataques pelo flanco, mas em geral se limitará à ocupação das posições abandonadas pelas tropas que se batem em retirada. (…)
Inclusive na época clássica de combates de rua, a barricada portanto um efeito mais moral que material. Era um meio para quebrar a firmeza dos soldados. Se resistia até que esta última enfraquecesse, a vitória era fato consumado; do contrário, havíamos perdido. Este é o aspecto principal que igualmente é preciso ter em mente no futuro quando examinada a possibilidade de eventuais combates de rua”/49.
No entanto, no futuro, quando as forças da revolução tenham conseguido ganhar anteriormente a simpatia de grande parte dos soldados, podendo compensar assim sua inferioridade militar, e quando tenham que empreender um combate de rua, no começo da revolução ou no transcurso da mesma, “preferirão sem dúvida alguma o ataque aberto que não a tática passiva da barricada”/50. O velho Engels enlaçava assim com as célebres linhas que, 43 anos antes e captando já perfeitamente os aspectos militares da mudança de época revolucionária, havia escrito sobre a arte da insurreição, essas mesmas linhas em que se apoiava Lenin e que tanto costumava citar. Que melhor demonstração da notável continuidade de um pensamento estratégico dedicado plenamente à revolução, como foi a própria vida dos dois compadres barbudos cujo fantasma não deixa de percorrer o mundo?
“Em primeiro lugar, vocês não jogam nunca com a insurreição caso vocês não estejam absolutamente decididos a afrontar todas as consequências deste jogo. A insurreição é um cálculo de magnitudes indeterminadas, cujo valor pode variar todos os dias; as forças do adversário têm todas as vantagens da organização, da disciplina e do hábito da autoridade; se vocês não podem opôr-lhes forças muito superiores, vocês serão derrotados, a derrota é certa. Em segundo lugar, uma vez iniciado o ato insurrecional, é preciso atuar com a máxima determinação e de maneira ofensiva. A defensiva é a morte de todo levante armado; está perdido antes de ter-se medido com seus inimigos. Ataquem seus inimigos por surpresa, enquanto suas forças estão dispersas, preparem novos êxitos, por pequenos que eles sejam, mas cotidianos; mantenham a moral alta dada pelo primeiro levante vitorioso; ponham assim do seu lado os elementos vacilantes que sempre seguem a impulsão forte e tratam sempre de colocar-se do lado mais seguro; forcem seus inimigos a bater em retirada antes de que possam reunir suas forças contra vocês, dizendo junto com Danton, o maior mestre de política revolucionária conhecido até hoje: Audácia, audácia e mais audácia”/51.
Notas
1/ Penser la guerre, Clausewitz, Gallimard, París, 1976. A citação figura no tomo I, L’âge européen, pp. 32-33.
2/ Engels, Die deutsche Reichsverfassungskampagne, 1850, em MEW (Marx Engels Werke), t. 7, p. 185.
3/ “Friedrich Engels” (1897), em Souvenirs sur Marx et Engels, Editorial Progreso, Moscou, 1982, p. 151.
4/ Para favorecer a causa revolucionária comum, Engels fervorosamente apoiado por Marx, havia tentado influenciar os militares austríacos e prussianos, rejeitando o princípio das fronteiras naturais com um enfoque militar-político e desde o ponto de vista do interesse nacional alemão. Demonstrou que a Alemanha não tinha nenhuma necessidade de invadir o território italiano para se defender, tratando de estabelecer a convergência de interesses entre os movimentos de unificação de ambas as nações. Demonstrou assim mesmo a natureza ofensiva reacionária dos propósitos expansionistas de Napoleão III e formulou considerações militares sobre uma eventual guerra franco-alemã que se viram confirmadas duas vezes no transcurso do século XX.
5/ O subtítulo do Capital é: Crítica da economia política.
6/ Carta a Becker de 15 de outubro de 1884 (MEW, t. 36, p. 218).
7/ Op. cit., p. 152.
8/ Carta a Bebel de 12 de dezembro de 1884 (MEW, t. 36, p. 253).
9/ Makers of Modern Strategy, Princeton University Press, 1943. Tradução francesa: Les Maîtres de la stratégie, Flammarion, París, 1987.
10/ “Engels et Marx: concepts militaires des socialistes révolutionnaires”, em Les Maîtres…, op. cit., t. 1, pp. 179-198.
11/ Anthologie mondiale de la stratégie, Robert Laffont, París, 1990. Esta obra comete, de todos os modos, a proeza de acumular três erros em doze linhas de apresentação de Engels (p. 937): começa por qualificá-lo de “judeu alemão” (Engels já conheceu este epíteto estando em vida, cf. Über den Antisemitismus, 1890, MEW, t. 22, p. 51), o situa “em Londres até 1870” e o converte em animador da Primeira Internacional “depois da morte de Marx”.
12/ Kriegstheorien: Ihre Entwicklung im 19. und 20. Jahrhundert, Bernard & Graefe, Francfort, 1972. O mesmo autor já havia consagrado uma obra inteira ao pensamento militar de Engels: Die Kriegslehre von Friedrich Engels, Europäische Verlagsanstalt, Fráncfort, 1968.
13/ Kriegstheorien, op. cit., pp. 253-254. Este balanço aparece pormenorizado na obra anterior do autor. Em Kriegstheorien se interessa exclusivamente pelo “conceito de guerra revolucionária” em Engels.
14/ Este era o preceito do autor de Vom Kriege: “Não se deve deixar crescer demasiadamente as folhas e as flores teóricas das artes práticas, mas aproximá-las à experiência, que é seu terreno natural” (Carl von Clausewitz, Da guerra).
15/ Engels, Anti-Dühring.
16/ Do que antecede não se depreende que a análise realizada por Lenin a partir de 1914 não se ajustasse aos critérios marxianos. Ao contrário, ela mesma se baseava fundamentalmente numa apreciação do lugar e o significado históricos da fase imperialista na evolução do modo de produção capitalista. Para fundamentar sua posição “derrotista revolucionária”, o dirigente bolchevique não se fixou tanto na diplomacia dos beligerantes (o sentido principal da fórmula de Clausewitz, como reconhece Raymond Aron rebatendo a Ludendorff [Penser la guerre, op. cit., t. II, p. 59]), como na estrutura e na dinâmica de suas economias. Qualificou a guerra de 1914 de fenômeno sobredeterminado, inexorável, independentemente da intenção primária de seus protagonistas.
17/ Primeiro manifesto.
18/ Segundo manifesto.
19/ W. B. Gallie, Philosophers of Peace and War, Cambridge University Press, Cambridge, 1978, p. 92. Entretanto, o autor não oculta sua simpatia pela pessoa de Engels, a quem considera que, graças em especial a seus últimos escritos sobre a guerra, “um dia será reabilitado [sic] pelos futuros historiadores do marxismo” (p. 81).
20/ Einleitung [zu Borkheims „Zur Erinnerung für die deutschen Mordspatrioten“], MEW, t. 21, pp. 350-351. “Friedrich Engels disse um dia: ‘A sociedade burguesa se encontra ante um dilema: ou passa ao socialismo ou recai na barbárie”. […] Até agora lemos estas palavras sem refletir sobre elas e as temos repetido sem pressentir sua terrível gravidade. Olhemos ao redor neste mesmo momento [1915] e compreenderemos o que significa uma recaída da sociedade burguesa na barbárie. […] É exatamente o que previu Friedrich Engels uma geração antes da nossa, há quarenta anos” Rosa Luxemburgo, A crise da social-democracia.
21/ Carta a Bebel de 13 de setembro de 1886 (MEW, t. 36, pp. 525-526). É o próprio Engels quem ressalta nada mais e certeza. Alguns anos antes, em 1882, havia manifestado seu pessimismo em relação à atitude dos socialistas alemães em caso de guerra de um modo ainda mais categórico: “Nosso partido na Alemanha se veria inundado durante um tempo e paralisado pela maré ascendente do chauvinismo, e o mesmo ocorreria na França” (carta a Bebel de 22 de dezembro de 1882, MEW, t. 35, p. 416).
22/ Carta a Paul Lafargue de 25 de março de 1889 (Engels, Paul et Laura Lafargue, Correspondance, t. 2, Éditions sociales, París, 1956, p. 226).
23/ Engels, Armies and Revolution, Archon Books, Hamden (Connecticut), 1977, p. 129. A obra de Martin Berger constitui provavelmente a melhor resenha das ideias de Engels sobre a relação entre guerra e revolução. A este respeito, entretanto, seu principal defeito é não ter captado suficientemente, ou de não sublinhar, a coerência teórica do enfoque de Engels desejava na década de 1850, pelo bem da revolução, uma guerra “terrível”, inclusive um “holocausto” (p.99), é utilizar termos anacrônicos que não permitem compreender bem a aversão do companheiro de Marx no transcurso dos últimos 24 anos de sua existência.
24/ Carta a Bernstein de 22 de fevereiro de 1882 (MEW, t. 35, pp. 279-280, tradução francesa publicada em Haupt, Löwy, Weill, Les Marxistes et la question nationale, Maspero, París, 1974, p. 102). No registro profético, Engels continua na mesma carta: “Os sérvios estão divididos em três religiões […]. Mas para eles, a religião conta mais que a nacionalidade e cada confissão quer dominar. Assim, uma Grande Sérvia não comportará mais que uma guerra civil enquanto não tenha ali um progresso cultural que faça possível ao menos a tolerância.”
25/ Engels pensava manifestamente na Comuna de Paris, aplastada por las tropas de Versalles, sob o olhar do ocupante alemão.
26/ Os internacionalistas revolucionários de 1914 denunciaram a adulteração social-patriótica do artigo de Engels: Rosa Luxemburgo, em seu célebre folheto de 1915, assinado Junius (A crise…, op. cit., pp. 188-189) e Grigori Zinoviev, em 1916, em seu folheto A IIª Internacional e o problema da guerra, restabeleceram o sentido do artigo do companheiro de Marx tal como se expôs mais acima, sublinhando assim mesmo que a mutação imperialista que culminou depois da morte de Engels falseava toda extrapolação de sua análise de 1891 sobre a guerra mundial desencadeada quase um quarto de século depois.
27/Ele teria gostado que fossem os franceses os que se encarregaram de explicar por que seria preciso combater a eventualidade de uma guerra de seu governo contra a Alemanha, em aliança com a Rússia (carta a Bebel de 29 de setembro de 1891, MEW, t. 38, p. 161). Quando publicou seu artigo em alemão, alguns meses mais tarde, Engels procurou criticá-lo, explicando longa e extensamente que, devido aos reveses do império czarista, a ameaça russa que pesava sobre a Alemanha já não era atual, coisa que destruía a única justificativa do defensismo revolucionário que lhe havia parecido necessário em tal caso. Em outubro de 1892, explicou ao socialista francês Charles Bonnier que se sobre-entendia que em caso de uma nova guerra de conquista do kaiser contra a França teria que investir os papéis dos socialistas dos dois países (ibid., p. 498). E em junho de 1893, Engels reprovou a Paul Lafargue que se apresentava como patriota: “Esta palavra tem um sentido tão estreito – ou melhor tão indeterminado, segundo- que eu não me atreveria jamais a qualificar-me assim. Me dirigi aos não alemães como alemão, do mesmo modo que me dirijo aos alemães como simples internacional” (Engels, Paul et Laura Lafargue, Correspondance, t. 3, Éditions sociales, Paris, 1959, p. 292).
28/ Engels propunha uma duração máxima de dois anos, acrescentando que “dentro de alguns anos poderia ser possível optar por uma duração muito mais curta”. Preconizava um serviço limitado à formação militar essencial e racional, sem o cerimonial supérfluo e outras “necessidades”, como o passo de ganos, do que costumava mofar-se.
29/ Kann Europa abrüsten?, MEW, t. 22, p. 371.
30/ Jean Jaurès foi o único, entre os tenores do socialismo europeu, que defendeu o ponto de vista de Engels sobre a transformação dos exércitos como meio para prevenir a guerra. Seu pacifismo radical lhe valeu o ódio mortal dos nacionalistas franceses.
31/ Carta a Marx de 16 de janeiro de 1868 (MEW, t. 32, p. 21).
32/ Die preußische Militärfrage und die deutsche Arbeiterpartei, MEW, t. 16, p. 66.
33/ Revolución y contrarrevolución en Alemania.
34/ Ibid., pp. 194-212.
35/ Anti-Dühring, op. cit., p. 203 (texto ressaltado pelo próprio Engels).
36/ “O dever de propagar as ideias comunistas implica a necessidade absoluta de levar a cabo uma propaganda e agitação sistemáticas e perseverantes entre as tropas”, estipulava a 4ª das 21 condições de admissão dos Partidos na Internacional Comunista (Teses, manifestos e resoluções adotados pelos quatro primeiros congressos da Internacional Comunista (1919-1923).
37/ “[Minha introdução] sofreu um pouco pelo desejo excessivo, a meu juízo, que sentem nossos amigos de Berlim de não dizer nada que possa ser utilizado como pretexto para que o Reichstag aprove o Umsturzvorlage [o projeto de lei contra as atividades subversivas]. Dadas as circunstâncias, teve que ceder.” Carta a Laura Lafargue de 28 de março de 1895 (Engels, Lafargue, Correspondance, t. 3, op. cit., pp. 400-401).
38/ “Não posso crer que vocês tenham a intenção de dedicá-los em corpo e alma à legalidade absoluta, a legalidade independentemente das condições, a legalidade inclusive ante a leis que violam seus próprios autores, em suma, a política que consiste em mostrar a bochecha esquerda quando te golpeiam na bochecha direita.” Carta a Fischer del 8 de marzo de 1895 (MEW, t. 39, p. 424).
39/ Le Socialisme en Allemagne, op. cit., p. 133.
40/ Ibid. Umas das frases tachadas da Introdução de 1895, para grande enfado de Engels, dizia dirigindo-se ao governo alemão: “Se portanto vocês rompem a Constituição imperial, a social-democracia será livre, para fazer o que quiser em relação a vocês. Mas o que fará a seguir, isso se cuidará muito de não ser dito agora” (op. cit., p. 211; ressalto aqui, e adiante, as passagens da Introdução censuradas pelos editores socialistas de Engels).
41/ Para uma análise crítica das reflexões de Gramsci em seus Cadernos do cárcere, e uma visão global dos debates estratégicos marxistas posteriores a Engels, ver o estudo magistral de Perry Anderson, As antinomias de Antonio Gramsci. No entanto, nem Gramsci, nem Anderson se remontam a Engels, apesar que este se situe na origem da problemática.
42/ Engels, Introducción, op. cit. O enfoque do parlamentarismo que reflete este texto se encontra nas antípodas do “cretinismo parlamentar” que Marx e ele sempre fustigaram. Se assemelha melhor ao que vai expor Lenin em O esquerdismo, enfermidade infantil do comunismo que não ao dos social-democratas europeus, inclusive antes de 1914. Além disso, quando Engels descreve mais adiante, com satisfação, os progressos realizados pelos socialistas no Parlamento nos demais países europeus, ele se apressa em acrescentar: “É evidente que nossos camaradas estrangeiros não renunciam para isso, de nenhum modo, a seu direito à revolução. O direito à revolução é, depois de tudo, o único ‘direito histórico’ real, o único sobre o qual descansam os Estados modernos sem exceção…” (op. cit.).
Longe de revisar as opções revolucionárias de sua juventude, Engels se manteve fiel ao que havia escrito em sua primeira declaração de princípios, em 1847: “É possível a supressão da propriedade privada pela via pacífica? Seria desejável que assim fosse, e os comunistas, sem dúvida, seriam os últimos em se queixar. […] Mas também veem que o desenvolvimento do proletariado se choca em quase todos os países com uma repressão brutal, e que deste modos os adversários dos comunistas trabalham por sua vez com todas as suas forças a favor da revolução.” Princípios do comunismo, em Marx Engels, Obras escolhidas, op. cit.
43/ Ibid. A edição de Moscou traduz Gewalthaufen por “grupo de choque”, expressão substituída aqui por “tropas de choque”, correção que se justifica porque a primeira fórmula tem uma conotação de comando, quando para Engels se trata de uma massa considerável de partidários do socialismo na Alemanha, “tropas de choque decisivas do exército proletário internacional” (Ibid.; MEW, t. 22, pp. 524-525).
Engels relativizou notavelmente, pouco depois, este texto, qualificado abusivamente por certa posteridade de “testamento político” seu: “Liebknecht acaba de empurrá-la para mim. Tomou de minha introdução […]tudo o que pode lhe servir para sustentar sua tática pacífica e antiviolenta a qualquer preço que lhe compraz predicar há algum tempo, sobretudo neste momento em que se preparam leis repressivas em Berlim. No entanto, esta tática eu somente a preconizo para a Alemanha de hoje e com muitas reservas. Na França, Bélgica, Itália e Áustria será impossível seguir esta tática em seu conjunto e na Alemanha pode ser que resulte inaplicável no dia de amanha.” Carta a Paul Lafargue de 3 de abril de 1895 (Engels, Lafargue, Correspondance, t. 3, op. cit., pp. 404, texto destacado por Engels).
Segundo Liebknecht, foi Eduard Bernstein quem utilizou este documento desnaturalizado para fundamentar seus fundamentos “revisionistas”, contribuindo assim para forjar o mito de uma mudança de postura de Engels ao final de sua vida. Desde então, numerosos autores, de Karl Kautsky a Lucio Colletti, acreditaram necessário contradizer a Engels dando crédito a esta mutação.De todos os modos, a partir da publicação do texto integral da Introdução de 1895 por obra de Riazanov, em 1930, muitos se aplicaram a restituir seu sentido original, apoiando-se na correspondência de Engels.
44/ Ibid., p. 208.
45/ O socialismo…, op. cit., pp. 132-133 (texto destacado por mim). “E se ganhamos as circunscrições rurais das seis províncias orientais da Prússia, onde predominam o latifundismo e os grandes cultivos, o exército alemão será nosso”, escreveu Engels a Paul Lafargue nesse mesmo ano(Engels, Lafargue, Correspondance, t. 3, op. cit., p. 89, texto destacado por Engels).
Como explica Ernst Wangermann em sua breve, mas excelente, introdução à primeira edição inglesa de Engels de O papel da violência na história, o autor “preconizava políticas encaminhadas a solapar o espírito de submissão absoluta da tropa nos regimentos prussianos, que ainda eram recrutados em grande medida entre as massas oprimidas de trabalhadores rurais” (The Role of Force in History, Lawrence & Wishart, Londres, 1968, p. 23). Falta espaço aqui para explicar a maneira como o programa agrário defendido por Engels, e rejeitado pelos socialistas alemães, se articulava com sua estratégia revolucionária. Também era possível mostrar como o enfoque programático de Engels, tanto no âmbito agrário como no tocante ao exército, prefigurava o das “reivindicações transitórias” que adotou a Internacional Comunista em tempos de Lenin.
À luz de todas as críticas, dispersas porém agudas, formuladas por Engels aos socialistas alemães, em particular, não seria exagerado afirmar que o companheiro de Marx foi o primeiro marxista que pressentiu a futura evolução da social-democracia (ele será seguido por Rosa Luxemburgo, enquanto teve que se produzir a traição de 1914 para que Lenin se convencesse).
46/ Engels, Armies…, op. cit., p. 169.
47/ Berger tem isso difícil para conciliar sua interpretação com o testemunho do socialista britânico Ernest Belfort Bax sobre Engels: “Ainda que saiba calibrar devidamente, em todas as circunstâncias, as exigências práticas do momento, este velho companheiro de Marx, que lhe havia sobrevivido, esteve convencido até o final de que a revolução social só podia começar com uma insurreição armada, sobretudo na Alemanha. Escutei-lhe dizer mais de uma vez que se os dirigentes do partido podiam contar com um soldado de cada três, isto é, com um terço do exército alemão, deveriam passar imediatamente à ação revolucionária.” (“Rencontres avec Engels”, en Souvenirs sur Marx et Engels, op. cit., pp. 332-333).
48/ Em Obras completas, Editorial Progreso, Moscou, 1966, t. 11. “Nos dedicamos e seguiremos nos dedicando com mais tenacidade a ‘trabalhar’ ideologicamente ao exército. Mas não seríamos mais que patéticos pedantes se esquecêssemos que no momento da insurreição também é preciso empregar a força para ganhar o exército”.
49/ Op. cit., pp. 205-206.
50/ Ibid., p. 208.
51/ Revolução e contrarrevolução…, op. cit., p. 392 (texto destacado por mim, salvo a citação de Danton, reproduzida por Engels em francês).