A esquerda do Equador está de volta – e prestes a retomar ao poder
Via Jacobin Brasil
A disputa para a presidência do Equador está entrando em seus estágios finais, e o desespero tanto do governo neoliberal de Lenín Moreno quanto dos partidos de direita para evitar a vitória da Esquerda chegou em seu ponto de ebulição.
Desde o início da guinada à direita do governo de Moreno e as perseguições políticas de líderes da Revolução Cidadã – mais notoriamente Rafael Correa e Jorge Glas – inúmeras tentativas foram feitas para impedir que o próprio Correa e outros partidos políticos aliados ao seu movimento participassem das eleições.
Isso incluiu impedir o registro da Movimento Revolução Cidadã como um partido político, o banimento da Fuerza Compromiso Social (FCS), movimento eleitoral usado por eles para concorrer nas eleições locais em 2019, o banimento de Correa na disputa à vice-presidência e inúmeros ataque para impedir o registro presidencial de Andrés Arauz-Carlos Rabascall. Embora as tentativas de bloquear a ascensão da esquerda no horizonte político tenha falhado, o próprio processo eleitoral ficou ameaçado.
O desespero das elites pode ser contrastado com o desespero dos equatorianos comuns. A pandemia de Covid-19 já custou quase 15.000 vidas, o nível de desemprego atingiu os dois dígitos pela primeira vez em quase duas décadas e a austeridade sancionada pelo FMI continua a ser implementada. Neste ambiente, os trabalhadores do Equador estão mais uma vez abraçando a alternativa mais radical.
Andrés Arauz, economista e ex-ministro do governo de Rafael Correa, é visto como o favorito para vencer as eleições equatorianas, com a maioria das pesquisas do período entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021, dando a ele entre 35-42% dos votos válidos. Isso o coloca à frente do candidato da direita, Guillermo Lasso – o banqueiro corporativo mais notório do país – que está com 18-36%.
Andrés Arauz conversou com Denis Rogatyuk, da Jacobin América Latina, para discutir sua candidatura – e o que o Equador e o mundo podem esperar de sua futura presidência.
DR: Que medidas você planeja implementar para resolver a questão do desemprego e iniciar a recuperação econômica do Equador?
AA: Nossa principal prioridade, no curto prazo, é a recuperação econômica. Isso também depende da recuperação do sistema de saúde.
Podemos fazer muitas coisas, mas a atividade econômica precisa ser retomada. É por isso que consideramos a aquisição de vacinas uma prioridade. Sabemos que até a vacinação seja implementada no Equador, até que o trabalho seja gerado, até que o Estado recupere suas forças para retomar as obras públicas, precisamos oferecer uma ajuda imediata. Propusemos um programa para doar US$ 1.000 a um milhão de famílias equatorianas em nossa primeira semana de governo.
Dessa forma, impulsionamos a economia das famílias. O dinheiro pode cobrir dívidas, comprar remédios, alimentos e roupas e, se sobrar, pode até ser usado para iniciar um pequeno negócio. Com isso, reativamos toda a economia nacional: a mãe ou pai da família vai ao mercado, à loja, ao comércio, e a circulação de dinheiro aumenta.
DR: Como você planeja renegociar a dívida e os termos com o FMI?
AA: Vamos primeiro utilizar os recursos que já existem no Equador, mas que este governo permitiu serem retirados do país e armazenados no exterior, em Miami, no Panamá, na Suíça. Esse dinheiro tem que voltar ao Equador para financiar nosso desenvolvimento – não as aventuras de guerra de outros países, mas nossos interesses.
A partir daí, estabeleceremos condições dignas com nosso plano econômico soberano que busca o crescimento econômico e que busca resolver o problema do desemprego gerando trabalho e reiniciando obras e serviços públicos. Se o FMI quiser nos ajudar com esse plano equatoriano, eles serão bem-vindos – mas como o acordo com o FMI está agora, não vamos cumpri-lo.
DR: Qual será o grande projeto no Equador que ficará para a história com a marca de Andrés Arauz?
AA: O grande desafio que temos é sair da pandemia com sucesso. No momento, não podemos planejar grandes marcos, porque temos que sair da nossa crise primeiro. Para ser sincero com vocês, a grande conquista que vamos ter em nosso governo é mostrar que pode haver um governo que respeite a dignidade do povo, que não se aproveite da crise para dar mais poder aos ricos, e não se aproveite da crise para explorar o povo. Pelo contrário, vamos mostrar que pode haver um governo do povo novamente.
Quando sairmos da pandemia, talvez os primeiros dois anos, estaremos centrados em recuperar o futuro e colocar a educação na vanguarda da transformação da sociedade. Meu sonho é que possamos ter o melhor sistema educacional da América Latina. Usaremos ciência, tecnologia, inovação, conhecimento, conectividade universal e a internet para mostrar que os jovens equatorianos são os protagonistas de sua sociedade e podem realizar as mudanças que nosso país exige.
DR: Você se sente parte dos povos originários do Equador? O que você acha da ideologia Sumak Kawsay [Bem Viver em quíchua] e como aplicar seus princípios em seu futuro governo?
AA: Me sinto parte do Estado Plurinacional e Intercultural que está constitucionalmente estabelecido no Equador. Toda a nossa América Latina é plurinacional e intercultural, e é importante que aprendamos a reconhecer o que diz a Constituição. É importante reconhecermos os diversos atores que fazem parte da nossa cultura. Temos que sair da lógica colonial ou neocolonial e começar a reconhecer nossa diversidade como nossa principal fonte de riqueza.
Estou próximo dos povos indígenas, mas também das comunidades afro – o povo Montubio do Equador – porque precisamos fazer um chamado à unidade agora. Este país não aguenta mais lutas entre políticos, não aguenta mais conviver com as políticas repressivas que causaram tanto sofrimento e danos à nossa sociedade, como em outubro de 2019.
Precisamos nos reconciliar como país com base em um projeto de futuro como a Constituição do Bem Viver. Essa utopia que deve marcar o campo para todo o Equador, independentemente da etnia ou nacionalidade a que pertencemos. Precisamos construir essa unidade.
DR: Como você vê a futura relação com a Confederação das Nações Indígenas do Equador (CONAIE) e outros movimentos indígenas?
AA: Vejo excelentes oportunidades para construir e implementar o Estado Plurinacional e Intercultural, com a CONAIE, mas também com cada um dos povos indígenas e nacionalidades de nosso país, com as bases das organizações indígenas e com as comunidades que estão em cada um dos territórios equatorianos. Temos que avançar em termos de irrigação, projetos produtivos, crédito, apoio na poupança e crédito para as cooperativas indígenas de nosso país, no sentido de podermos ter um sistema educacional da mais alta qualidade que preserva nossas línguas ancestrais.
Vamos declarar as línguas ancestrais em estado de emergência já no primeiro dia de nosso governo, o que ajuda a preservar um sistema de justiça indígena – não só para atos políticos, mas também para auxiliar no trâmite administrativo em nossas comunidades, para que as pessoas não precisem viajar para a capital para resolver seus problemas.
A implementação do Estado Plurinacional e Intercultural será administrada por uma equipe Plurinacional e Intercultural.
DR: Você acha que a sabotagem eleitoral contra sua candidatura enfraqueceu sua campanha? Se sim, de que maneira?
AA: Eles tentaram enfraquecer a força de nossa campanha entre o povo equatoriano, mas não funcionou. O povo equatoriano tem imensa solidariedade e simpatia por nossas propostas, que o representam em sua maioria. Nossa identidade é primeiro patriótica, depois democrática e depois progressista – então aqueles que tentaram armar essas armadilhas não fizeram nada além de nos projetar ainda mais nos corações dos equatorianos.
DR: Mas o povo equatoriano também tem um coração rebelde.
AA: Claro, e é uma rebelião justificada depois de séculos de opressão e anos de um governo nefasto que nos maltratou. Quero agradecer ao governo Moreno por uma coisa – ele despertou aquela energia, aquela indignação juvenil que estava oculta por vários anos e que ressurgiu em outubro do ano passado. Agora existe uma consciência muito mais crítica do papel da política na nossa sociedade, e isso nos permitirá, junto com a juventude, junto com o povo, junto com as mulheres de nosso país, e junto com os trabalhadores, recuperar o futuro com dignidade.
DR: O atual Ministro da Saúde tomou a vacina antes mesmo dos médicos na linha de frente da pandemia. O que você acha disso?
AA: É ultrajante – não só que eles compraram apenas 8 mil doses, que são 40 mil vacinas, mas que não priorizaram o pessoal da linha de frente. Em vez disso, o governo o passou para seus amigos e parentes, enganando o povo equatoriano. Isso é imperdoável. Acredito que enfrentarão duras consequências por enganar o povo equatoriano, e para o Ministro da Saúde, por ter violado seu próprio juramento como médico.
Mas acho que precisamos avançar muito na questão das vacinas. Nossa prioridade é que o povo equatoriano receba a vacina primeiro – nosso pessoal de saúde, nossos soldados, nossos policiais e nossos professores – para que os jovens, as crianças, possam voltar à escola. Em sociedades como a nossa, também precisamos reequilibrar os papéis de homens e mulheres. As mulheres, principalmente as mães, foram as mais atingidas pelos efeitos da pandemia, pois tiveram que se tornar professoras, enfermeiras, cuidadoras, reitoras, zeladoras e administradoras, além de seu trabalho profissional e doméstico.
Portanto, a vacina é essencial. Precisamos diversificar o fornecimento da vacina, e temos feito esforços iniciais com a vacina Oxford, produzida na Argentina, para que possa atingir todo o território equatoriano.
DR: Como você vê o futuro do Equador na América Latina e no mundo multipolar? Que tipo de relacionamento você espera construir com a China e o novo governo dos Estados Unidos?
AA: Queremos continuar construindo relacionamentos diversificados com todos os países do mundo. Queremos construir intercâmbios em termos de experiências educacionais, em termos de ciência e tecnologia, em termos de inovações, a fim de contribuir para o desenvolvimento equatoriano. Nossos princípios serão paz, democracia e desenvolvimento. Esses são os mesmos princípios sobre os quais as Nações Unidas foram construídas.
Acreditamos no multilateralismo. Somos contra o mundo multipolar. Precisamos nos afastar da hegemonia de um único país, especialmente no Hemisfério Ocidental. Continuaremos construindo um relacionamentos com nossos amigos na China e na Ásia em geral. Queremos ter boas relações com todos os países do mundo – com os EUA, Europa, Canadá, países da Eurásia e Rússia também.
Nossa prioridade, porém, é a integração latino-americana. Precisamos de nosso próprio bloco de países – o bloco latino-americano. Estarei pessoalmente encarregado de reconstituir a integração regional em nosso continente.
DR: Durante o governo de Rafael Correa, o Equador foi considerada a capital da América do Sul, por sediar a União das Nações Sul-Americanas (UNASUL).
AA: Lenin Moreno decidiu renunciar essa posição do Equador como capital da América do Sul – algo imperdoável. Esperamos voltar à UNASUL. Esperamos melhorá-la também, para que não seja apenas um projeto de integração entre governos ou políticos, mas também de integração entre as pessoas. Isso significa fazer um esforço para incluir um programa de intercâmbio educacional, como o programa europeu Erasmus, onde estudantes de países latino-americanos podem estudar um semestre no exterior em qualquer outro país da região. Isso ajudará a construir relacionamentos entre os latino-americanos que durarão décadas.
DR: Uma das principais críticas que ouvimos da oposição é que você é um clone de Rafael Correa. O que você acha dessas comparações?
AA: O Rafael é amigo, colega, co-líder. Ele e eu concordamos politicamente com as necessidades de nosso país, mas uma versão com mais fôlego. Eu sou de uma nova geração. Temos aquele princípio de renovação geracional: vamos injetar energia, juventude, inovação, criatividade e contemporaneidade na proposta política da Revolução Cidadã.
DR: Se eleito, quem governará – você ou Correa?
AA: No dia 24 de maio, quando for jurar a Constituição do Equador, cumprirei o que diz a Constituição, ou seja, quem toma as decisões é o Presidente da República. O Presidente da República serei eu; Rafael será um dos meus principais conselheiros.