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Via Sin Permiso

Muitas vezes associamos corretamente o termo hegemonia a Antonio Gramsci. Mas ele escreveu seus Cadernos do Cárcere no período entre guerras; isto é, uma época em que a revolução estava estabelecendo a agenda para o movimento operário. Assim, Gramsci pensa e escreve sobre estratégia revolucionária; isto é, sobre como a classe trabalhadora pode chegar ao poder. No entanto, a recepção de seu trabalho ocorre em uma época muito diferente. Uma época marcada pelo pacto social do pós-guerra.

A ideia de hegemonia, ao contrário do que muitos pensam, vem de muito longe, de séculos atrás, mas se torna interessante e anima o debate, no movimento operário, de meados e fins do século XIX, nas organizações russas. Antes, a revolução de 1848, a Comuna de Paris, dará origem e enriquecerá os debates sobre as estratégias para chegar ao poder, a classe trabalhadora. Depois veio a revolução de 17, a revolução alemã e todas as revoluções ocorridas durante o século 20, as vitórias e derrotas desses processos revolucionários.

Portanto, nestes debates, a noção de hegemonia tem sido um elemento chave, pois se refere à estratégia que o proletariado deve seguir para mudar o sistema. O conceito de hegemonia não tem nada a ver com uma simples expansão da democracia parlamentar ou uma longa marcha através das instituições.

O conceito de hegemonia do capital é definido, então e agora, como o consenso através do qual as elites econômicas e políticas exercem o poder na direção da sociedade. Este consenso torna viável o domínio de classe sem violência como o único dispositivo.

Se olharmos para diferentes países, podemos ver que existem ideias dominantes nas sociedades atuais sobre política econômica, setor público, democracia e suas instituições, saúde, educação, luta contra a pobreza e a desigualdade, papel do setor público, parcerias público-privadas e assim por diante. Essas ideias, de alguma forma, têm o consentimento de quase todos (intelectuais, escritores, diferentes organizações sociais e políticas, mídia,…) e têm seu espaço e lugar.

Pelo contrário, aqueles que defendem uma posição crítica em relação à sociedade capitalista e defendem a necessidade de uma mudança profunda do sistema têm pouco espaço em todos os aspectos. Este é o caso dos grupos dominados ou subalternos quando eles mesmos se constituem politicamente.

A hegemonia é constituída como algo como assim como uma regra não escrita, que define os limites do possível para que as ações que os diferentes coletivos e organizações desenvolvem sejam consideradas sensatas e confiáveis, mesmo que esse reconhecimento venha dos adversários. Esta regra não escrita também passou a ser chamada de senso comum dos tempos. Com isto não estamos dizendo nada de novo, uma vez que Marx já apontava que as ideias dominantes em uma sociedade não são outra coisa senão as das classes dominantes.

Falar sobre a ideia de hegemonia hoje é importante, após anos de políticas de austeridade, privatizações, cortes e o crescimento brutal das desigualdades. A pandemia expôs o fracasso da globalização capitalista neoliberal e o modelo econômico produtivo e ambiental que ela gerou.

As políticas neoliberais continuam a existir, mesmo que tenham sido suspensas temporariamente, e as elites não renunciaram a elas. Para eles a nova normalidade é a política pré-crise, eles não querem aceitar que estamos diante de uma mudança profunda de escopo global, como não se sabia antes. Muitas coisas vão mudar, para o melhor e para o pior. Se a mudança será favorável à maioria social dependerá de muitos fatores, mas acima de tudo da correlação de forças que o mundo do trabalho sabe construir, propondo alternativas e reposicionando prioridades que beneficiam a maioria da sociedade.

Hoje é uma ilusão mudar o poder sem uma conquista prévia de hegemonia, ou seja, sem a afirmação do papel de trabalhadores conscientes, capazes não só de defender os interesses corporativos de um determinado setor, mas de contribuir com uma proposta global para uma crise global, que serviria para mudar verdadeiramente o sistema social atual.

A construção da hegemonia exige uma política de alianças sociais, acentuando o perfil sócio-político e gerando consciência de que o conflito entre capital e trabalho vai além do local de trabalho e do setor. Isto requer a articulação de relações com uma infinidade de movimentos e organizações sociais muito diversos, a fim de introduzir a perspectiva de mudança social emancipatória.

Como Gramsci escreveu, o conceito de hegemonia é um princípio de reunião de forças na luta de classes, que não implica a hierarquização ou mesmo a subordinação dos movimentos sociais à centralidade proletária. Trata-se de conceber a unidade dentro da pluralidade.

Estamos diante de uma oportunidade histórica para construir outro modelo econômico, produtivo, inclusivo, sustentável e cooperativo. Um modelo diferente daquele lavado, de cara verde e digital, que expressa a nova normalidade e encarna as elites econômicas e políticas.

A construção de um novo país, em uma nova Europa, dependerá da geração de uma hegemonia favorável às forças do trabalho com nossa ação sindical global.

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