A luta pela educação pública: uma breve análise na América Latina

Introdução

A crise econômica do capitalismo e a reestruturação do modo de produção, esta última derivada do surgimento da quarta revolução industrial, tem um capítulo muito dramático no aspecto educacional. Desde 2015 temos advertido que um Apagão Pedagógico Global (APG) poderia ocorrer, marcado pela virtualidade como um exercício de centralidade pedagógica em escala planetária. Estas declarações foram baseadas no estudo da arquitetura financeira de grandes corporações de tecnologia, sua ênfase na produção de tecnologias e narrativas educacionais digitais, e seus crescentes vínculos com governos e ministérios da educação. Os fatos confirmaram estas análises e demonstraram a importância de estudar o curso da economia e o curso de colisão do capital tecnológico transnacional com os sistemas educacionais.

A COVID-19 foi usada para introduzir a virtualidade e a educação doméstica como paradigmas emergentes do capitalismo cognitivo. As grandes corporações tecnológicas haviam se preparado para a passagem abrupta e global à virtualidade, enquanto os Ministérios da Educação da região permaneceram prisioneiros da epistemologia capitalista da primeira e segunda revoluções industriais, acreditando que somente comprando lixo tecnológico resolveriam a lacuna que havia surgido desde a terceira revolução industrial.

Como temos insistido, desde a terceira revolução industrial e a aceleração da inovação científica que ela trouxe, ligada ao modo de produção e à sociedade, surgiu um descompasso entre o que o capitalismo cognitivo quer e o que os sistemas escolares realizam. Isto não se resolve simplesmente comprando computadores, internet e treinamento para a educação on-line. Um paradoxo está surgindo, segundo o qual o modelo escolar que serviu à reprodução cultural do sistema capitalista, na primeira e segunda revolução, não é mais útil para o modelo de reprodução exigido pelo capitalismo das plataformas no marco do surgimento da quarta revolução industrial. O que aconteceu na educação durante a pandemia da COVID-19, pode ser apenas o relâmpago que anuncia uma grande tempestade sobre a escola pública, a profissão docente e o direito humano à educação. Naturalmente, a escola emancipatória que defendemos e a educação pública ligada aos interesses da classe trabalhadora está longe de qualquer uma destas propostas.

No Fórum Mundial de Educação (2015) realizado em Incheon, Coréia, diante dos representantes educacionais de mais de 150 países, as grandes corporações de tecnologia anunciaram que estavam trabalhando por um cenário de virtualidade educacional generalizada em escala planetária, com um horizonte máximo de dez anos, algo que os governos neoliberais cúmplices ignoraram, para abrir as portas para um novo modelo de privatização e mercantilização da educação.

No início da pandemia, praticamente nenhum sistema escolar na região tinha suas próprias plataformas, arquitetura de nuvem independente, repositórios digitais no formato da quarta revolução industrial, e muito menos professores tinham sido treinados para complementar a virtualidade com ensino presencial; o dia D anunciado pelas grandes corporações tecnológicas começou com a explosão global do vírus. A situação de incerteza generalizada que atingiu os sistemas de educação criou as condições de possibilidade para o pouso suave das corporações tecnológicas na vida escolar. Portanto, quando em março de 2020 começou a quarentena preventiva radical na região, aqueles que imediatamente apareceram com suas “alternativas” foram as grandes corporações tecnológicas, impondo pela força, uma alfabetização acelerada no uso de plataformas, concebidas com uma lógica de novos estilos e orientações na reprodução do conhecimento, a castração do pensamento crítico e a aprendizagem centrada nas competências. A apropriação de algoritmos não foi democratizada, nem a compreensão e a apropriação crítica da realidade foi trabalhada, mas sim uma tentativa de apropriação de rotinas foi colocada em movimento para abrir portas para o modelo de ensino exigido pelo mundo digital concebido pelo capital. A lógica do ensino contida nas plataformas virtuais é um debate urgente na profissão docente.

Ainda estamos longe de conhecer todo o arsenal educacional construído pelas corporações do capitalismo cognitivo, para sustentar num futuro próximo sua proposta de uma sociedade educativa digital. O que testemunhamos durante a pandemia foi apenas a construção de uma hegemonia sobre uma nova orientação, sobre um horizonte estratégico. Em outro artigo vou trabalhar nos protótipos de escola, liceu e universidade que o capitalismo cognitivo está construindo com o objetivo de implementar uma nova orientação escolar que aumentará exponencialmente a exclusão educacional que conhecemos nas três primeiras revoluções industriais.

Ao contrário dos anúncios de diferentes setores políticos, o neoliberalismo educacional ainda está vivo e agindo com a face de uma sociedade educadora, avançando em novas formas de comercialização e privatização da educação. No âmbito da pandemia, muitos sistemas escolares (Porto Rico, Panamá, Brasil, Argentina, Colômbia, entre outros) avançaram em acordos de longo alcance com corporações tecnológicas, para associar virtualidade e mercadorias digitais à prática educacional dos próximos anos; a luta pelo mínimo de 6% do PIB para a educação aparece como um despojo em disputa pelas grandes corporações tecnológicas. A folha de pagamento dos professores, que ocupa uma parte importante do orçamento educacional, está na mira do capitalismo cognitivo, razão pela qual eles estão abrindo caminho para o paradigma da educação virtual em casa, semeando-a hoje e aspirando a colher os frutos do deslocamento dos professores nos próximos anos.

Em torno dos limites, eles começaram a falar sobre o treinamento de professores para o modelo de ensino em casa, transformando o que aconteceu durante a pandemia em um ensaio do que a OCDE chamou de “sociedade da educação em rede”. Irene Rigau, seguidora de Gregorio Luri Medrano (colaboradora do Clube de Roma) e ex-ministra da Educação da Generalitat da Catalunha, disse no Congresso Mundial de Educação Kairos (2020) que “dada a situação que estamos vivendo, o futuro da escola pode ser questionado” e que as “possibilidades que a tecnologia tem”, poderia favorecer o surgimento de novos profissionais do ensino, contratados por grandes operadores do mercado, do mercado de rede, que poderão garantir visitas domiciliares, assistência telefônica, consultas em seus escritórios, nos quais a educação em casa poderia ser a tendência mais difundida com suporte tecnológico”. Rigau assinala que “havia um cenário que nos parecia muito distante, o da sociedade em rede, que agora poderia se tornar realidade, deslocando em muitos países o modelo escolar como organização de aprendizagem … no centro da comunidade”. Ele termina salientando que “a involução e o desmantelamento da escola facilitará a sua substituição por redes de aprendizagem”. As afirmações de Rigau são uma clara expressão da perspectiva dos corsários neoliberais que se preparam para tomar por assalto na pós-pandemia, o saque que representa o orçamento destinado pelos ministérios da educação para a folha de pagamento do ensino.

A pandemia tem sido marcada pela privatização brutal, estratificação e a geração da exclusão educacional. A grande maioria dos governos da América Latina abandonou a responsabilidade do Estado de garantir as condições mínimas para o desenvolvimento do processo educacional. Eles não forneceram aos professores, estudantes e famílias dispositivos, acesso à Internet, planos de dados e, em um clímax incomum do paradigma neoliberal da sociedade educativa, eles transferiram para estudantes, professores e famílias os custos da continuidade do vínculo pedagógico na pandemia. Esta nova forma de privatização da educação tem sido precariamente denunciada e ameaça tornar-se uma constante na lógica da educação como um bem comum.

Este modelo de privatização tem gerado danos colaterais de profundo impacto social global. O fenômeno da estratificação educacional surgiu entre aqueles estudantes que tinham acesso a computadores, conexão à Internet, planos de dados suficientes e uma família de acompanhamentos da emulação forçada do papel docente, com respeito àqueles que não tinham essas condições tecnológicas e/ou suporte e que tinham como alternativas modelos tecnológicos antigos (Rádio-TV) ou guias de auto-aprendizagem, enquanto estudantes de áreas de difícil acesso, indígenas e de extrema pobreza não podiam acessar nenhuma dessas opções. Esta estratificação visa construir imaginários de auto-exclusão, já que importantes setores de estudantes pobres percebem que não possuir o mínimo de equipamentos e condições tecnológicas significa que não podem continuar avançando na educação no mundo digital. Isto parece continuar na fase de saída da pandemia com os anúncios feitos pelos ministérios da educação sobre alternância ou os chamados modelos híbridos.

Hoje, os Ministérios da Educação da região não sabem ao certo qual é a verdadeira matrícula, quem permanece em seus sistemas educacionais e quem desistiu ou foi excluído por estar na grande faixa da população sem acesso ao mundo da tecnologia 3G, 4G ou 5G. O retorno pós-pandêmico à sala de aula será marcado por um esforço titânico dos professores para trazer de volta à sala de aula aqueles que foram desconectados durante o ano de 2020.

A Covid-19 e as possibilidades de fazer avançar a unidade dos professores

Uma coisa impulsiona e quer o capitalismo cognitivo e outra coisa os professores organizados. A capacidade de resposta dos/das/des professores da região foi impressionante. Em meio a esta contingência, além das declarações e políticas dos governos, foram eles que garantiram a continuidade do vínculo pedagógico, muito além de onde suas possibilidades o impuseram. Os grandes apoiadores da educação pública na região foram os professores. A resposta dos professores de resistência à tentativa institucional de transferir mecanicamente as rotinas escolares para o mundo virtual (horários, administração curricular, avaliações, etc.) foi exemplar. Os gremios, sindicatos e correntes classistas tomaram a iniciativa com propostas pedagógicas alternativas, ao mesmo tempo em que avançaram na denúncia e articulação com diferentes atores, superando as limitações de mobilização, reuniões e encontros impostos pela quarentena preventiva. Na América Latina estamos testemunhando o surgimento de um novo ator social mobilizado: os professores; isto se deve ao fato de que estamos começando a tomar consciência de que o que aconteceu na educação durante a pandemia é apenas a ponta do iceberg de uma tentativa de destruir a escola que conhecíamos pelo capitalismo da quarta revolução industrial.

O mais importante é que o imobilismo e a atitude simplesmente defensiva estão sendo derrotados. Estamos começando a trabalhar a partir das fendas deixadas por esta tentativa de destruir a escola pública, não para sustentar a velha escola reprodutiva, mas para pensar em uma escola emancipatória no contexto da aceleração da inovação e da terceira década do século 21. A pandemia demonstrou a necessidade da escola presencial, do encontro humano, do aprendizado compartilhado, da relação escola-comunidade, mas também de pensar em alternativas tecnológicas com uma perspectiva contextual anti-capitalista.

O neoliberalismo educacional lançou uma ofensiva planetária contra as escolas cara-a-cara e a educação pública. Enfrentar esta investida exige uma articulação e unidade sem precedentes da profissão docente. Isto requer um inventário adequado de atores, situações a serem resolvidas e afirmação de potencialidades.

Inventário de atores

Neste artigo estou interessado em identificar atores que foram fundamentais na construção de resistências anti-neoliberais de diferentes sinais e intensidades durante o ano de 2020. De um lado estão os sindicatos, do outro as coalizões em defesa da educação como um direito humano e finalmente algumas instituições acadêmicas e científicas.

No caso dos grêmios e sindicatos, é muito importante localizar suas ligações com as correntes sindicais internacionais; em muitos casos, os sindicatos são ativos em vários agrupamentos internacionais, o que implica uma leitura muito mais fina, impossível de se conseguir dentro dos limites da extensão deste artigo.

Na região, há um desenvolvimento desigual dos processos de estabelecimento de correntes sindicais internacionais. A maioria dos grêmios e sindicatos não faz parte de nenhum agrupamento internacional e, em grande medida, a orientação política de cada organização desempenha um papel importante na tomada de uma decisão a este respeito. Às vezes, mudanças na orientação política da liderança sindical levam à desafiliação e/ou afiliação a uma ou outra corrente internacional.

A International de Educação para a América America (IEAL) reúne sindicatos muito numerosos e diversos em termos de sua composição política, perspectiva de independência de classe e cultura de mobilização unitária. Estes incluem a Confederação de Trabalhadores da Educação da Argentina (CTERA), a Federação Colombiana de Trabalhadores da Educação (FECODE), o Sindicato Único de Trabalhadores da Educação (SUTEP) do Peru, o Sindicato Nacional de Educadores do Equador (UNE), o Sindicato Nacional de Trabalhadores da Educação (SNTE) do México, o Colégio de Professores do Chile, e muitos outros sindicatos muito menores. Em alguns casos, seus métodos de trabalho os colocam em uma ampla perspectiva transformadora, enquanto em outros experimentam tensões profundas dentro de si mesmos; no caso do México, o SNTE, questionado por suas ligações com o PRI e os governos burgueses, mesmo antes da liderança de Elba Esther Gordillo, tem, desde o final de 1978, uma corrente consciente classista e antiburocrática dentro dele, a Coordenadora Nacional de Trabalhadores da Educação (CNTE), que agrupou as forças que lutaram durante a pandemia para defender o sindicato dos professores contra o modelo de neo-privatização da educação. Algo semelhante acontece no Colégio de Professores do Chile, com o Movimento pela Unidade Docente (MUD) e outras correntes de classe que estão em tensão a favor da gestão democrática e de classe da união, enquanto no Equador, Colômbia e Peru foram a UNE, FECODE e SUTEP como um todo, que lideraram o trabalho de resistência contra a ofensiva do capital em 2020. O caso da Argentina é muito particular, dada a multiplicação dos sindicatos de base de diferentes orientações e as diferenças táticas mantidas pelas grandes centrais sindicais. É incorreto caracterizar o IEAL como se fosse uma única expressão no campo da luta de classes, cada organização que faz parte dele deve ser avaliada em seu desempenho no contexto nacional e isto leva a uma caracterização dinâmica do IEAL.

Outro ator regional é a Confederação de Educadores Americanos (CEA), composta por uma série de diversos sindicatos, entre os quais estão a Confederação Nacional de Trabalhadores de Estabelecimentos de Ensino (CNTE) do Brasil, a SNTE do México, a Federação de Profissionais de Ensino Superior da Nicarágua (FEPDES), a Agremiação Federal de Funcionários da Universidade da República (AFFUR) do Uruguai, a Federação de Docentes das Universidades (FEDUN) da Argentina, a Confederação de Trabalhadores Urbanos (CTU) da Bolívia, a Frente Reformista de Educadores Panamenhos (FREP), a Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-Administrativos de Instituções Públicas de Educação Superior do Brasil (FASUBRA). Para dizer a verdade, sua capacidade de influência regional era mínima na situação da COVID-19, embora algumas de suas organizações, como a FASUBRA, fossem muito ativas no âmbito nacional.

Por outro lado, existe a Confederação Sindical das Américas (CSA) ligada à AFL-CIO dos Estados Unidos e a Confederação Sindical Internacional (CSI), da qual a Central dos e das Trabalhadores Argentinos (CTA-A) é membro, à qual está afiliada a Federação Nacional de Professores, Pesquisadores e Criadores Universitários – Histórica (CONADU-H), uma das organizações de professores que foi muito ativa na unidade internacional na luta contra o neoliberalismo educacional e combativa em nível nacional, dentro da estrutura da pandemia.

Como resultado de uma cisão da CSA em 2017, foi fundada a Alternativa Democrática Sindical (ADS), da qual faz parte a Central Geral de Trabalhadores de Panamá (CGTP), que esteve muito presente na resistência anti-neoliberal na educação durante o ano de 2020.

Além disso, a Federação Latino-Americana de Trabalhadores em Educação e Cultura (FLATEC) é outra das centrais sindicais regionais. Inclui organizações que foram muito ativas em resistir durante a ofensiva neoliberal durante a pandemia, especialmente a Associação de Educadores Veraguenses (AEVE) no Panamá e a Associação de Professores de Segunda Ensino (APSE) na Costa Rica. Como nas outras organizações, o movimento é desigual, algumas organizações são muito ativas, enquanto outras não acabam aparecendo no palco da luta anti-capitalista.

A Federação Sindical Mundial (FSM) não costuma atuar como uma etapa de coordenação da luta dos professores, embora alguns de seus sindicatos pertençam ao campo da educação, entre eles o Sindicato Unitario Força Magisterial (SINAFUM) da Venezuela. Seu impacto sobre os professores e a atividade sindical dos professores no contexto da pandemia foi muito fraco. O presidente da FSM foi convidado para o Congresso Mundial de Educação em defesa da educação pública e contra o neoliberalismo educacional.

Entre a imensa maioría dos “não-alinhados” com nenhum dos agrupamentos internacionais e que tiveram um protagonismo especial no ano 2020, destacam-se a United Teachers Los Angeles (UTLA) e o Chicago Teachers Union (CTU) de Chicago, ambos dos EUA, a Associação de Professores da República do Panamá (ASOPROF), o Sindicato Nacional de Docentes de Ensino Superior (ANDES) e o SINASEFE, do Brasil, a Associação Porto-riquenha de Professores Universitários (APPU), a Confederação de Professores Rurais da Bolívia (CONMERB), o CNSUESIC de professores universitários do México, a FERC-CGT da França, assim como vários sindicatos locais como o SUTEBA El Tigre, Ademis de Buenos Aires, Amsafe e COAD de Rosário, a SUTE de Mendoza, Argentina, a Intersindical de Valência, a USTEC-STEs da Catalunha, Espanha, SITRAIEMS-CDMX do México, a Intergremial de Formación Docente do Uruguai. A Associação de Professores Universitários (APU) da Colômbia, o SINDEU da Costa Rica.

É importante mencionar outros atores regionais não sindicais que trabalham em defesa da educação pública. O primeiro é o Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO), formado por mais de 600 centros de pesquisa, 99 instituições associadas e 82 redes temáticas. Clacso é a mais importante rede de pesquisadores sociais da região, com vínculos nos cinco continentes; possui cinco grupos de trabalho sobre educação que enfatizam o direito humano à educação. O desafio de Clacso continua sendo o de uma maior articulação com o movimento social e sindical na educação.

A segunda é a Campanha Latino-americana pelo Direito à Educação (CLADE), que reúne dezoito fóruns e coalizões nacionais pelo direito à educação, nove redes regionais e cinco organizações nacionais. A CLADE tem um enorme potencial como uma ampla rede de redes de movimentos sociais organizados.

O terceiro é o Conselho de Educação Popular na América Latina (CEAAL), formado por cerca de uma centena de coletivos nacionais e locais de educação popular, voltados principalmente para o trabalho de educação comunitária.

Um quarto ator é o Centro Internacional de Pesquisas Otras Voces en Educación (CII-OVE), que se tornou um fator de articulação e trabalho unitário entre os diferentes atores do movimento social em defesa da educação pública. Sua capacidade de trabalho em rede, diálogo e organização foi fundamental para a realização do Primeiro Congresso Mundial em Defesa da Educação Pública e contra o Neoliberalismo Educacional, realizado em setembro de 2020. A aliança de Otras Voces en Educación com a Cooperativa de Educadores, Pesquisadores e Pesquisadores Populares Históricos (CEIP-H) tem fortalecido e diversificado o trabalho que eles vêm realizando.

Finalmente, há um enxame de coletivos e movimentos de base, muitos dos quais não estão associados a nenhum movimento nacional ou internacional, mas que trabalham de forma sustentada e combativa em defesa do direito à educação em todos os níveis. Elas representam em si mesmas uma impressionante capacidade de ação com a qual devemos trabalhar em direção a maiores níveis de articulação e unidade na ação.

O Fórum Mundial de Educação (FME) do Fórum Social Mundial (FSM), que teve uma presença muito forte no início do século 21, embora tenha perdido o ímpeto, continua sendo um importante ponto de referência para o trabalho em favor da inclusão e em defesa da educação pública.

Infelizmente, durante a pandemia, a universidade pública foi muito lentamente. O cerco da privatização, o desinvestimento e o desmantelamento dos programas de pesquisa e extensão pesou muito sobre ela. Isto não é novidade, refletiu-se claramente na precariedade das propostas e na falta de debates substantivos atualizados que vimos na Conferência Regional de Educação Superior (CRES) de 2018. O setor mais dinâmico das universidades de hoje parece ser seus grêmios e sindicatos.

Situações a levar em conta

No contexto de uma ofensiva global e regional de capital na educação pública, há uma série de situações que é importante abordar a fim de construir uma correlação de forças favorável não só para a defesa do direito humano à educação, mas também para a construção de uma escola transformadora e de uma ampla agenda anti-capitalista.

A primeira delas é a fragmentação das forças gremiais e sindicais. Não considero que, a curto ou médio prazo, a promoção de processos de integração não esteja na agenda, mas que a prioridade é a unidade de ação. Esta unidade é construída através do diálogo, do reconhecimento da diversidade e da superação de auto-referências morais, de superioridade ideológica ou de qualquer outro tipo. É evidente que todos os grêmios e sindicatos fizeram conquistas importantes na batalha contra a comercialização e privatização da educação, mas certamente erros, fracassos e inconsistências também foram cometidos ao longo do caminho. É uma questão de enfatizar o potencial de luta e a importância da unidade de ação com base na independência de classe. Portanto, o tremendo significado do que aconteceu no Congresso Mundial contra o neoliberalismo educacional, fundamentalmente ao expressar a confluência de sindicatos e corporações, que de diferentes lugares de militância sindical convergiram para a unidade de ação.

Segundo, a dispersão de iniciativas que atomizam os esforços. Certamente, os grêmios e os sindicatos têm que lidar pragmaticamente com a ação cotidiana das demandas, mas isto não pode ser desligado da luta contra iniciativas nacionais, regionais e globais lançadas pelo neoliberalismo. Por exemplo, o capitalismo cognitivo lançou uma iniciativa global chamada Grande Reinício que contém as chaves para uma mudança de 180 graus na educação e isto está sendo precariamente discutido e confrontado pelos sindicatos.

O impacto das disputas partidárias sobre os sindicatos continua sendo uma questão a ser abordada. Do meu ponto de vista, isto pode ser resolvido democratizando as estruturas e os processos decisórios, dada a pluralidade de militância que compõe os sindicatos e a vocação unitária que prevalece a partir de baixo.

Mas talvez a questão que mais afeta é a ideia anti-sindical que o neoliberalismo vem semeando desde os anos oitenta do século XX, alimentada pelo funcionamento burocrático e pela claudicação de algumas lideranças sindicais. Há uma necessidade urgente de uma cruzada unida que coloque o gremialismo e o sindicalismo de professores em primeiro plano como uma ferramenta para o trabalho e a luta dos trabalhadores da educação. Isto envolve repensar muitas dinâmicas e práticas dos sindicatos de professores para promover a horizontalidade tanto quanto possível, o controle coletivo do trabalho sindical e a rotação de posições que rompa com o caudilhismo; para privilegiar a força do coletivo no sindicato.

No caso das organizações do movimento social associadas à promoção e defesa do direito humano à educação, o maior problema decorre do papel que elas dão ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) número quatro ou ODS4. O ODS4 é a agenda global do capitalismo na educação. Embora sua construção tenha reunido diferentes atores sociais e tenha sido apresentada como resultado de um consenso global sobre a educação, na realidade ela expressa o consenso das classes dominantes. O ODS4 tem um caráter desmobilizador e postula uma rota de padronização que acaba sendo funcional para a mercantilização, privatização e reconversão da escola de acordo com os parâmetros do capitalismo cognitivo.

Possibilidades

O Congresso Mundial em Defesa da Educação Pública e Contra o Neoliberalismo Educacional, realizado virtualmente em 25, 26 e 27 de setembro de 2020, no qual falaram mais de 100 sindicatos e pedagogos críticos de quatro continentes e que contou com a presença de 11.800 pessoas, foi a materialização de um esforço unido sem precedentes para denunciar e articular ações contra a ofensiva neoliberal no contexto da pandemia. Neste evento, participaram grêmios e sindicatos dos diferentes agrupamentos internacionais de professores e de todas as correntes políticas transformadoras, assim como importantes referentes da educação popular, demonstrando que é possível construir uma agenda de ação conjunta.

A Coordenação Internacional de Trabalhadores da Educação surge como uma possibilidade de manter este espaço e de avançar em novas formas de trabalho compartilhado. O apelo por uma marcha global pelo direito à educação no ano 2021 ou 2022 pode ser um esforço que contribui neste sentido.

Por experiência sabemos que o movimento social e as convergências são como marés, o importante é saber captar seu potencial radicalmente transformador e agir sobre elas. O convite é para continuar acompanhando e ajudando a produzir novas marés anti-capitalistas.

Referências bibliográficas

Bonilla-Molina, L (2017) Apagón Pedagógico Global, Las reformas educativas en clave de resistencia. Viento Sur. Disponible en: https://vientosur.info/wp-content/uploads/spip/pdf/vs147_l_bonilla_molina_apagon_padagogico_global_apg_las_reformas_educativas_en_clave_de_resistencias.pdf

Hernández N., Luis (2015) La larga marcha de la CNTE. Revista el Cotidiano. Disponible en https://www.redalyc.org/pdf/325/32548630003.pdf