Triunfo pela água no Equador: uma vitória com história
Via Insurgência
luta histórica pela defesa da água na província de Azuay, no Equador, repercutiu nas urnas no domingo, 7 de fevereiro. Disputas, confrontos, presos e feridos marcam os eventos no processo histórico de defesa da água, materializado em um retumbante não da população para as atividades de extração mineira em áreas de recarga hídricas, durante as recentes eleições.
As atividades extrativistas nos páramos de Azuay acontecem há anos, ameaçando a área protegida do Macizo del Cajas, declarada Reserva da Biosfera pela UNESCO, e do páramo de Quimsacocha. O extrativismo colonial é liderado por mineradoras canadenses – como a IamGold no passado e a INVMetals hoje – apoiadas pelo Estado, que em conjunto assumem a exploração mineira como atividade estratégica para o crescimento, o desenvolvimento econômico e a modernização.
Diante da tentativa do Estado e das empresas de posicionar a mineração como uma atividade econômica essencial, em detrimento dos impactos ambientais e sociais através do oximoro da “mineração sustentável” ou aludindo à frase “Não podemos ser mendigos sentados em um saco de ouro”, surgiu a resistência. A luta nasceu principalmente com populações rurais, como as de Tarqui, Victoria del Porte e Girón, e se espalhou para para coletivos e organizações civis da área urbana da cidade de Cuenca, a terceira maior do Equador, para defender a água e o páramo e destacar o possível corolário da atividade mineira sobre as fontes de água.
A retumbante rejeição aos projetos de mineração expressa no referendo deste mês reflete esse processo histórico de resistência, a luta constante para defender a vida e os bens comuns contra as empresas e o Estado, no qual diversas concepções de compreensão da natureza e da vida se confrontam.
No campo em tensão, em que diferentes atores têm visões diferentes sobre sua posição em relação às atividades de mineração, dois esquemas de avaliação estão amplamente marcados. De um lado, a visão modernizante-desenvolvimentista e crematística das mineradoras e do Estado; de outro, uma subjetividade alternativa que concebe a natureza como fonte de riqueza coletiva que permite a vida.
Enquanto o Estado e as mineradoras assumem o papel de Rei Midas de tentar transformar a natureza em ouro, a oposição defende a natureza como um bem comum que permite a satisfação de necessidades materiais e simbólicas configuradas por um processo histórico de conexão com a água.
Na disputa das subjetividades no contexto contencioso da exploração mineira, a expansão da subjetividade subalterna liderada pelos defensores da água e do páramo, principalmente mulheres, disseminou o argumento na zona urbana, entrelaçando um benefício coletivo e fortalecendo a luta. A preservação da água – que corre pelos rios da montanha ao redor dos espaços rurais e pela cidade de Cuenca – representa um triunfo para a vida.
Nesta vitória, é essencial extrapolar o resultado para além do exercício da constante luta pela defesa da água e contra as atividades de mineração. Diversos atores sociais lutam há anos pela defesa da água, não apenas com esquemas de resistência e contenção, mas também com propostas para a construção de alternativas e a preservação de formas de gestão comunitária que promovam outras práticas sócio-metabólicas contra a lógica da reprodução mercantil do capital.
As pequenas vitórias também representam grandes sucessos contra aqueles que tentam perpetuar o domínio colonial da natureza, a imposição hegemônica de um esquema de reprodução social baseado na mercantilização da vida. Diante da lógica imperial de controlar tudo, a disputa contra o capital oferece pequenas vitórias que negam o suposto e desejado desenvolvimento civilizatório, homogêneo, insustentável e subordinante a outras formas de vida.
Embora a não no referendo seja uma pequena grande vitória que pode ser ofuscada pelo grande desafio de eliminar as relações subjacentes do capitalismo e seu braço extrativista, ela representa um incentivo às lutas que resistem às práticas de destruição em massa da natureza e da expropriação de territórios pelo capital. Além disso, mostra a necessidade de construir práticas locais, autônomas e diversificadas de romper o modo de vida hegemônico e construir – a partir de sua invenção criativa – um horizonte diferente.
Neste sentido, a vitória do SIM à natureza e NÃO à mineração em áreas de recarga hídrica implica uma vitória de anos de luta em defesa da água, assim como a proteção de outras formas de gestão da vida em torno da qualidade natural e social da água e do páramo em contraste – e de forma disruptiva – com a reprodução do capital.
Diante do avanço acelerado do extrativismo na América Latina, a vitória da água nos obriga a ir mais fundo – sem resistências – na construção de alternativas rumo a um horizonte pós-extrativista e não ofuscar a luta popular nos territórios e seus atores como elementos subjacentes nas pequenas batalhas vitoriosas contra o modelo extrativista.