Uma conversa com a deputada equatoriana Jahiren Noriega

Em 11 de abril, o povo equatoriano vai às urnas pela segunda vez em 2021. O primeiro foi em 7 de fevereiro, ocasião em que foi realizado o primeiro turno das eleições presidenciais e das eleições parlamentares para a assembléia nacional. Na primeira rodada, Andrés Arauz, 37 anos, representante do Correismo e Guillermo Lasso, representante dos banqueiros, foram os vencedores. Este último em uma intensa disputa com Yaku Perez do movimento Pachakutik. Veremos abaixo como a da revolta indígena de outubro de 2019 teve um impacto surpreendente sobre os resultados do primeiro turno, inclusive nas eleições parlamentares. Para analisar o panorama político do Equador, o observatório internacional do Psol – Partido Socialismo e Libertade, entrevistou a deputada Jahiren Noriega Donoso, recentemente eleita para a Assembleia Nacional, pelo partido Revolução Cidadã, pela província de Pichincha, em Quito. Jahiren Noriega tem 23 anos, é ativista feminista, foi líder estudantil no ensino secundária e hoje estuda Sociologia na Universidade Central do Equador onde foi líder estudantil e esteve na vanguarda das mobilizações contra os cortes orçamentários impostos pelo governo de Lenin Moreno em saúde, educação e serviços sociais. Em sua opinião, Lenin Moreno traiu o projeto político do novo progressismo da Revolução Cidadã liderado por Rafael Correa. Jahiren Noriega fez parte das mobilizações da Universidade Central do Equador em outubro de 2019, quando das revoltas indígenas.

Como você vê o cenário antes dos resultados das eleições, uma vez que o primeiro turno foi bastante polarizado?

Apesar de nós, a Revolução Cidadã, de fato de não termos vencido, em primeiro turno, as eleições não significa que o país não tenha vencido quando rejeitou amplamente uma proposta neoliberal. Se somarmos a porcentagem dos votos que a União pela Esperança teve, que é a candidatura da Revolução Cidadã, com Andrés Arauz; mais os resultados que a Esquerda Democrática obteve; mais os resultados dos Pachakutik, que é o partido do movimento indígena do país. Se somarmos estas três forças juntas, obtemos uma maioria que é em grande parte anti-neoliberal. A votação realizada em 7 de fevereiro é um voto de rejeição ao péssimo tratamento da crise sanitária. O governo equatoriano e as elites priorizaram o pagamento dos juros da dívida externa em detrimento da alocação de recursos adicionais para o sistema de saúde em meio à pior crise sanitária que este país já experimentou. Mas foi também um voto de rejeição à um neoliberalismo que tem um corte profundamente autoritário – as mobilizações de 2019 foram duramente reprimidas e tivemos um saldo de 11 mortes promovidas pelas forças do Estado.

No segundo turno, como espera que se comportar os candidatos de Pachakutik e Esquerda Democrática?

O nosso objetivo é cativar os eleitores de ambos, já que são eleitores de projetos políticos progressistas e por isso acreditamos que os eleitores de Pachakutik e os eleitores da Esquerda Democratica não votarão em Guillermo Lasso. Mas neste primeiro turno, além do presidente e vice-presidente, foram eleitos os membros da assembléia nacional, e conseguimos estabelecer uma maioria com um bloco importante de membros da Assembléia Nacional , assim como a Esquerda Democrática e Pachakutik. Em outras palavras, se somamos os deputados da União pela Esperança, com os da Esquerda Democrática, mais os deputados de Pachakutik, podemos conseguir alianças para aprovar leis a favor do povo, as leis econômicas e sociais que precisamos nestes momentos de reestruturação econômica.

Como você vê a posição do Equador na situação da América Latina e como a possível vitória da Arauz pode influenciar nesse sentido?


A Revolução Cidadã como um projeto político é um projeto que também é pensado em termos de solidariedade internacional. Estamos convencidos de iniciativas importantes como a UNASUR. Nossa política internacional em caso de vitória será uma política de unidade regional, pois sabemos que atuando como um bloco em um mundo dividido entre centro e periferia, sabemos que negociamos em uma situação não muito favorável em relação a outros blocos. Penso que é muito importante, com a vitória de Luis Arce na Bolívia, com o Presidente Alberto Fernandez na Argentina e certamente no Brasil e com os camaradas que estão no Chile. Acredito que com os esforços de integração podemos sair desta crise juntos, que não é apenas econômica e de saúde, mas em países como o Equador, tornou-se uma crise humanitária.

Como você vê o papel da mulher no Equador no momento?

Eu acho que é muito importante. O país fez grandes avanços em termos de diferentes leis de paridade; nossa assembleia é formada por quase 50% de mulheres no bloco da Revolução Cidadã, mais de 50% de nós somos mulheres e isso é uma grande conquista! E isto é um reflexo dos novos momentos que o Equador, a região e o mundo estão vivendo. É um momento em que estamos dizendo que não queremos um mundo que se constitua sem nós, quando somos praticamente 50% e não conseguimos fazer parte, de forma paritária, da tomada de decisões dos Estados. Ter um bloco, na Revolução Cidadã, formado por uma maioria de mulheres é um passo importante. Mas o fato de ter mulheres no poder não significa necessariamente avanços em nossos direitos e em nossas agendas de exigências históricas. No momento, temos uma mulher na vice-presidência do país que não responde aos interesses das mulheres nem aos do povo equatoriano. O mesmo pode ser dito da ex-ministra do governo que se autodenominava feminista, mas era a mulher que estava encarregada da repressão de outubro de 2019. Isto é, não basta que as mulheres cheguem ao poder, mas é importante que essas mulheres tenham uma lente feminista que lhes permita legislar com uma perspectiva de gênero ou desenvolver políticas públicas com uma perspectiva de gênero e agora, mais do que em qualquer outro momento, governar com uma perspectiva de gênero, uma vez que as mulheres pandêmicas são as mais afetadas entre os desempregados, as mulheres sofrem mais com o desemprego, os índices de vulnerabilidade são mais altos entre as mulheres. Portanto, hoje mais do que nunca precisamos de uma política progressista e feminista!

E como você vê o processo das lutas indígenas?

Creio que os povos indígenas desempenharam um papel importante no Equador, assim como os mineiros na Bolívia e os jovens no Chile. As mobilizações nas ruas, além de denunciar os golpes de Estado e exigir mudanças, produziram importantes vitórias eleitorais. Como você vê o papel desempenhado pela mobilização indígena de 2019 em relação a estas eleições no Equador?

Na verdade, desde que o governo começou a bater o povo em favor das câmaras de comércio deste país. Digamos que quando diferentes cortes de mobilizações sociais estavam acontecendo, não apenas de indígenas, mas também de estudantes, mulheres e trabalhadores, isso dava como um espaço para o que era outubro de 2019. Várias mobilizações aconteceram antes de outubro de 2019 e a partir disso conseguimos impedir que uma lei econômica que teria sido desastrosa para o país entrasse na assembléia nacional. E é a partir destas mobilizações que agora o movimento indígena tem esta grande recepção em nível eleitoral. Minha hipótese é que sem os eventos de outubro, Pachakutik não teria o voto que historicamente teve, o que tem sido uma votação reduzida porque infelizmente continuamos a ser um país racista. Mas, no entanto, hoje eles são uma força política muito importante que esteve muito perto de chegar ao segundo turno e que mostra que o povo deste país valoriza aqueles que fizeram parte das mobilizações de 2019.

Que mensagem você tem para os brasileiros, considerando o governo que temos?

Penso que o Sr. Bolsonaro é um ataque ao mundo, não só ao Brasil, com uma política que faz fronteira com o fascismo e penso que, neste sentido, não nos resta mais nada senão não perder a esperança. Se desistirmos, se cedermos, se normalizarmos esta forma de fazer política e se normalizarmos estas lideranças na política, não faria sentido para nós estarmos aqui, não faria nem mesmo sentido para nós estarmos tendo esta conversa. Mas nós o temos porque temos esperança, temos porque há grandes líderes no Brasil e acho que também é hora de as novas gerações enfrentarem políticos como Bolsonaro. Estou certo de que no Brasil existe a qualidade de políticos e jovens para combater projetos fascistas como o do Sr. Bolsonaro e eles sempre saberão que têm o Equador como aliado!