O povo quem dá a última palavra
O domingo que se aproxima, 11 de abril, pode mexer ainda mais no pêndulo da disputa nos rumos da América Latina, continente que tem sido palco de importantes resistências democráticas contra o neoliberalismo e o autoritarismo. Além das eleições do segundo turno do Equador e das eleições constituintes do Chile, o Peru também vai às urnas em meio à muita instabilidade política e crise do regime.
As eleições presidenciais de 2021, ocorrem depois de uma última legislatura na qual passaram 5 presidentes, uma geração de jovens que foi às ruas e quer mudanças e uma burguesia bastante dividida. Retrato disso, é que das 23 candidaturas presidenciais, 20 são de direita. Num cenário de polarização, como parte da situação mundial, entre os 6 que estão em empate técnico nas pesquisas eleitorais, 3 são identificados como fujimoristas (Rafael López Aliaga, De Soto e a própria Keiko Fujimori), por serem representação de um capitalismo feroz e autoritário, que implemente a “mano duro”, como diz Keiko, os interesses da burguesia internacional e nacional.
Na raia do pólo à esquerda, está Verónika Mendoza do Nuevo Perú, disputando pelo Juntos por el Perú e carregando uma oportunidade histórica da esquerda chegar ao segundo turno. Porém, a grande indefinição que embaralha a disputa, também se dá porque 30% dos eleitores ainda não se decidiu em quem irá votar. Além do rechaço à classe política, essa está sendo uma eleição marcada pela pandemia, com o país com altos índices de mortalidade, com seu povo morrendo sem oxigênio (ou se endividando para consegui-lo) há alguns meses, e com atraso nas vacinas – além do escândalo do Vacuna Gate, onde centenas de políticos comandados pelo ex-presidente Martín Vizcarra se vacinaram antes mesmo das vacinas chegaram para a população peruana.
O colapso na saúde é parte de uma crise também econômica, onde os trabalhadores e trabalhadoras peruanos, muitos pequenos comerciantes, pequenos camponeses, que em sua maioria (cerca de 70%) vivem no trabalho informal, se encontraram desalentados pelos governos de Vizcarra e do tampão Sagasti. A crise que foi aprofundada pela pandemia, é na verdade ponta do iceberg de uma crise que se arrasta, de um regime fujimorista que empurrou para a população um Estado carcomido por corrupção, enquanto os direitos são transformados em negócios e os recursos naturais entregues à exploração para grandes empresas imperialistas. Os governos que se alternaram nesses últimos 30 anos, mantiveram a mesma lógica de subordinação comandada pela CONFIEP, confederação de empresários.
Mas o povo peruano, sobretudo os jovens, têm respondido com radicalidade. Desde as marchas contra a Ley Pulpín que retiraria direitos trabalhistas dos jovens, passando pelo fechamento do congresso, às marchas feministas e o bloqueio dado pelas ruas de Merino assumir a presidência, que têm dado o recado às classe dominantes peruanas que a voz do povo é a última que deve ser dada. Do fechamento das estradas pelos trabalhadores transportistas às feministas que lutam contra o desaparecimento de mulheres em Tacna, a luta como método principal tem polarizado cada vez mais o país, e colocado uma grande preocupação sob os ombros da classe política.
Tanto é evidente a polarização, que figuras de grandes partidos como Júlio Guzmán do partido centrista Morado, tem tido uma campanha fracassada e figuras como Yonhy Lescano, deputado já antigo e do partido do golpista Merino, radicalizam seu discurso prometendo uma nova constituição. Assim como se fortalecem figuras de extrema direita, como Rafael López Aliaga, que tem sido chamado de “Bolsonaro peruano”. É por esse motivo que a campanha de Verónika tem sido tão atacada de todos os lados. A burguesia peruana sabe que existe um cenário favorável para as forças progressistas e para os movimentos sociais no continente, e não quer dar a oportunidade para uma nova esquerda atrapalhar os planos de seguirem fazendo dos governos, meramente o palco principal dos seus negócios.
Por isso não é pequena a responsabilidade de Veronika e do Nuevo Perú. Não à toa, uma parte significativa de jovens que foi para as ruas rechaçar Merino está mobilizada nas redes e nas ruas pela campanha de Verónika, porque nela se vê a possibilidade de transformações mais profundas para a geração do bicentenário, que sabe que mudar as peças nessa eleição não será suficiente, é necessário lutar por uma assembleia constituinte, assim como ocorre no Chile, que ponha abaixo a constituição fujimorista. Esse foi o compromisso firmado por Veronika caso ganhe as eleições, de chamar um referendo e iniciar um processo constituinte para alterar a retrógrada constituição peruana.
Ela porém, é pressionada por diferentes setores da esquerda, inclusive pelo chamado progressismo. Mas é importante compreender que o que está em jogo no Peru é seguir o continuísmo de um projeto político comandado por corruptos e pela CONFIEP que entrega os recursos naturais ao extrangeiro, ou a possibilidade de forças populares chegarem à disputa dos rumos do país apontando a necessidade de mudar a constituição. E ainda que o jogo esteja embaralhado, essa oportunidade existe e está reacendendo a esperança que barre a América Latina, também no Peru. Que domingo o povo dê a última palavra.