Na era das mídias sociais, o silêncio se torna o som mais alto a ressoar. O dinamismo político presente nos Estados Unidos, mesmo após a vitória de Joe Biden, faz com que aumentem as dúvidas e as perguntas. India Walton nunca disse ter todas as respostas – mas ousou falar. E vencer.
India Walton, 38 anos, tem uma história que conta a de muitas mulheres: mãe aos 14 anos, largou o ensino médio e passou a morar em uma casa de acolhimento. Aos 19 anos, ficou grávida de gêmeos e se casou, num casamento onde sofria violência doméstica. Com o apoio da sua comunidade, lugar que anos depois lhe concederia a vontade de ser a primeira mulher negra prefeita de Buffalo, India persistiu. Se formou em enfermagem e dedicou a maior parte da sua vida à luta por melhores condições de vida em Buffalo.
A vida política de India começou cedo: aos doze anos já frequentava manifestações com a mãe, que fazia parte da organização Families Against Mandatory Minimums (Famílias Contra Mínimos Obrigatórios), grupo militante a favor da reforma da justiça criminal e as problemáticas leis de drogas do ex-governador de Nova York Nelson Rockefeller. Assim que se formou enfermeira, Walton se tornou militante sindical. É o seu papel de influência no sindicato que lhe garante o convite para assumir a vaga de diretora executiva do grupo The Fruit Belt Community Land Trust, organização militante que constrói moradias de baixo custo, faz projetos de construção cooperativos e formula críticas à gentrificação.
Ajudando a organizar a população, que estava sendo obrigada a se mudar para outros bairros com o aumento do preço dos aluguéis, India e a comunidade conquistam cinquenta terrenos vazios, onde constroem dezenas de moradias de baixo custo. E é aí que começa a construção da sua campanha, em torno da comunidade: a urgência da construção de moradias para a população.
E é organizando a população de Buffalo que Walton se vê a frente das marchas em protesto ao assassinato de George Floyd. Durante um dos atos, a polícia de Buffalo empurra para o chão um homem de 75 anos, Martin Gugino, levando a ferimentos graves, que o deixaram por mais de um mês hospitalizado. A resposta do então prefeito, Byron Brown, foi insuficiente.
É só em dezembro de 2020 que India oficializa sua campanha. Sua coragem de falar que vai diminuir em quase oito milhões de dólares a verba da polícia e oficializar que a polícia não mais poderá fazer apreensões em casos de pequeno porte de drogas animou a população, que já se vê há anos feita de vítima de uma guerra falsa. India Walton reconheceu que a população quer mais política, não menos. E ao falar em alto e bom som sua intenção de desfinanciar a polícia, principal slogan das marchas do Black Lives Matter, sua voz não foi só ouvida, mas seguida por muitos.
Apoiada pelo DSA (Democratic Socialists of America), a campanha de India Walton é o que vemos nas campanhas que nos animam ao redor do mundo: feita por pessoas, com um terço da verba de campanha do seu rival, por um pequeno grupo de militantes de esquerda dispostos a construir uma nova cidade. “Eu sou a India da periferia, garota pobre e negra que, estatisticamente falando, não deveria ter sido grande coisa, mas aqui estou eu”1, ela disse em entrevista ao New York Times. Quando perguntada em outra entrevista sobre o que a animava na construção dessa campanha, contou: “Ser capaz de explicar às pessoas porque o socialismo não é este monstro maléfico que o Estado quer que você acredite que é. Partes das medidas de alívio da pandemia trouxeram à tona o que a DSA tem dito: podemos ter assistência médica para todos; podemos perdoar dívidas; podemos cancelar aluguéis; podemos priorizar a saúde de nossas comunidades sobre os lucros de grandes desenvolvedores e grandes corporações.”2
A vitória de India significa a primeira prefeitura de esquerda dos Estados Unidos em mais de cinquenta anos. E não qualquer cidade: a segunda maior do Estado de Nova York, no coração da exploração capitalista industrial. Mesmo antes da pandemia, a taxa de pobreza de Buffalo era mais do que o dobro da média nacional, com os residentes de seu lado leste em grande parte negro sofrendo taxas mais altas de doenças fatais e mortalidade infantil. Quando Walton decide que grande parte de sua campanha será feita em sindicatos, faz também sua escolha política de dialogar com os trabalhadores, quem movimenta a cidade e quem mais sofre com as políticas de austeridade e gentrificação. Como disse Bernie Sanders, a vitória de India é a vitória dos trabalhadores de Buffalo.
Se os efeitos do neoliberalismo são mundiais, a cooperação também é internacionalista. India já anunciou seus planos de tornar Buffalo uma “cidade santuário”, termo usado nos Estados Unidos para cidades que não costumam cooperar com as leis nacionais de imigração, evitando as deportações de pessoas que vivem de forma ilegal nos Estados Unidos.
Quando perguntada pela Jacobin o porquê de se candidatar, Walton responde que “Somos levados a acreditar que o trabalho duro leva ao sucesso. Isso simplesmente não é verdade. Os pobres muitas vezes trabalham mais duro, mas trazem para casa o mínimo – trabalhando mais de quarenta horas sem assistência médica ou benefícios. O trabalho duro e o individualismo robusto não nos levará onde precisamos estar como uma sociedade. Somente a organização coletiva e a solidariedade nos levarão.”3
Os ventos das Américas sopram à esquerda.
1 https://www.nytimes.com/2021/06/23/nyregion/india-walton-socialist-nyc-primary-buffalo.html
2 https://www.jacobinmag.com/2021/05/india-walton-interview-buffalo-mayor-race-democratic-primary
3 https://www.jacobinmag.com/2021/05/india-walton-interview-buffalo-mayor-race-democratic-primary