Colômbia Rebelde e a continuidade da revolta latino-americana
A vanguarda das lutas latino-americanas do último mês teve uma importante inspiração da revolta colombiana, que tem sido referência internacional. Seguir acompanhando essa luta é fundamental.
A célebre frase “se um povo vai à rua é porque o Governo é pior do que o vírus” tem sido utilizada nas manifestações do Brasil desde que a retomada das ruas fez com que a luta presencial retornasse a ser o principal campo de enfrentamento dos antibolsonaristas. A expressão casou perfeitamente com o sentimento nacional de “basta” pelas centenas milhares de mortes e a necessidade de uma mobilização real do próprio povo contra os absurdos que vêm acontecendo no país.
Essa frase, porém, é um traço das conexões internacionais da luta latino-americana. Vinda diretamente da Colômbia, um país que entrou em revolta meses atrás e que segue em uma situação de mobilização permanente até hoje, chamando atenção de todo continente. Seguir acompanhando, portanto, o que se passa na luta colombiana é fundamental para entender a dinâmica de nossa região como um todo. Esse texto pretende ajudar nisso.
A Colômbia tem sido um dos principais centros das mobilizações sociais sul-americanas que vêm ocorrendo durante a pandemia. O continente que tem visto processos ricos de lutas sociais por todos os cantos – como no Paraguai no inicío do ano e mais recentemente a luta peruana contra qualquer tentativa de golpe do fujimorismo contra a eleição de Castillo, sem falar no caso brasileiro – tem encontrado neste país e em especial em Cali, cidade centro da revolta nacional, um exemplo importante de um verdadeiro levante popular.
As manifestações que se iniciaram como uma jornada contra a reforma tributária proposta pelo governo se tornaram um processo de contestação muito mais amplo contra o próprio governo e o sistema político colombiano após a derrota dessa proposta. Ivan Duque, o atual presidente, é o governante mais reacionário da América Latina, com exceção de Bolsonaro, e tem atuado diretamente para construir uma política de repressão sistemática das manifestações – são pelo menos mais de 100 pessoas desaparecidas durante as mobilizações.
Essa indignação generalizada, não atoa, vinha se desenvolvendo e ameaçando o governo, conseguindo apoio massivo da população. A luta que tinha iniciado como uma movimentação defensiva contra uma proposta de retrocesso foi tomando ares de ofensiva, com paralisações, bloqueios e manifestações quase diárias.
A situação chegou a tal ponto que o Duque optou pela linha de intervenções militares nas cidades mais centrais na revolta. No dia 28 de maio a cidade de Cali foi militarizada com milhares de oficiais de todo país como forma de tentar conter os manifestantes. Em seu discurso, os portas vozes governamentais vinham falando que estavam aptos a dialogar, ao mesmo tempo que seguia a criminalização dos bloqueios de estrada feitos pelo país e a política de repressão e assassinatos sistemáticos.
Essa violência é um marco importante para entender a revolta colombiana: a resposta repressiva do Governo tem mostrado outro grau de qualidade do que outros países latino americanos tem enfrentado situações de contestação. Isso também tem resultado em um processo de resistência com um combate mais direto e radicalizado, os bloqueios de estradas pelo país são exemplos de como esse processo de enfrentamento tem se desenrolado.
A luta política porém também passa por uma disputa de estratégia importante dentro dos da oposição e daqueles que ocupam as ruas. Enquanto alguns setores, como a prefeita de Bogotá Claudia López e parte do próprio Comitê de Paralisação (órgão que tem tido papel mais próximo de direção das manifestações até então), apostarem em uma saída mais negociada do impasse atual, a maior parte do povo mostra disposição de ir até o fim com as manifestações – buscando a saída do Governo. O maior exemplo disso é que mesmo o Comitê tendo anunciado semana passada uma
trégua nas mobilizações, estas não pararam – mesmo menores nas últimas semanas, seguiram existindo manifestações relevantes pelo país.
Diferente do caso do Brasil, onde nas próprias mobilizações se misturam a vontade de derrubada do Presidente com ainda uma expectativa perante uma tática mais eleitoral, o ânimo da massa que ocupa ainda as ruas na Colômbia, mesmo com desgastes, tem menos expectativas colocadas no processo eleitoral, vendo sua luta como mais imediata. O quanto esse espírito aguentará com o tempo e a repressão não está dado, mas é importante notar que ainda existe
disposição, mesmo depois de meses de mobilizações.
A fundação de um monumento que marca a resistência colombiana em Cali, feito por diversos artistas voluntariamente durante três semanas, foi uma marca dessa continuidade e espírito de ruas e trouxe milhares de manifestantes nas ruas em uma ação de grande peso e simbologia. Segue também a repressão, com participação do ESMAD (Esquadrão Móvel AntiDisturbios), enfrentando brutalmente os manifestantes, inclusive deixando mais um morto, Juan David Muñoz, de 22 anos, nos desmontes dos bloqueios nos últimos dias.
A queda de braço entre o governo e o povo segue. Os desenvolvimentos da Colômbia são fundamentais de serem seguidos porque incidem de alguma forma sobre o resto da América Latina e mostram um impasse muito grande entre a população e um projeto reacionário e, inclusive, aliado de Bolsonaro. Com o nível de repressão e desparecimentos chegados ao país e a força da revolta, o desenrolar dos protestos acaba afetando a América Latina toda, que tem diversos países passando por seus processos de luta, como Peru e Brasil.
A Colômbia rebelde já é uma inspiração – direta ou indireta – na luta político-social brasileira e continental, por isso seguir em uma solidariedade permanente será fundamental para apoiar aqueles que seguem nas ruas mesmo com todas dificuldades. É tarefa da esquerda internacionalista brasileira seguir criando pontes e apoiando dentro do possível – como na participação das mobilizações de comunidades colombianas fora do país e na divulgação do que se passa para a vanguarda dos atuais processos de luta no Brasil. Ivan Duque e Bolsonaro são inimigos de todo povo latino-americano!