|
china-flag
image_pdfimage_print

Poucas coisas dividem mais opiniões hoje em dia ao se debater a conjuntura internacional do que a China. O país que é utilizado frequentemente de forma demonizada na retórica de extrema-direita, em especial do bolsonarismo, também tem diversos admiradores pelo Brasil. Eles vão desde João Dória, que constantemente elogia os chineses e os vê como aliados, em especial no processo de privatização das estatais paulistas, até as correntes políticas a esquerda mais próximas das concepções stalinistas – como o PCB e sua juventude UJC – que veem na China e no atual Partido Comunista da China um modelo a ser seguido. Portanto, aos 100 anos do PC Chinês, nunca foi tão importante entender a China e seu papel no mundo – entremos, então, nesse debate.

Para compreender a China, a primeira perguntar a ser respondida é qual modelo econômico que o país atualmente segue? Au Loong Yu, escritor e ativista baseado em Hong Kong, em seus diversos trabalhos sobre o país, dá a resposta: a China se trata de um capitalismo burocrático. O país que viveu uma revolução dirigida por um Partido Comunista em 1949, passou por um processo de completa reorganização econômica a partir do final da década de 70, para implementar o que o então líder do Partido Comunista Chinês, Deng Xiaoping, chamava de “socialismo com características chinesas”. Esse modelo econômico seria marcado por uma abertura cada vez maior da China ao mercado externo, por privatizações das empresas estatais e por organizar as empresas controladas pelo Estado de forma competitiva dentro do mercado.

Essas reformas, que vão se ampliando com uma onda importante de privatizações na segunda metade dos anos noventa, vão criando uma situação peculiar na China: enquanto a maior parte das experiências do socialismo real iam deixando de existir no mundo e, com elas, os partidos comunistas saiam do poder, na China essa ruptura não acontece da mesma forma. A economia chinesa, portanto, foi entrando gradualmente no terreno capitalista sem que o PCC saísse do poder. Isso faz com que os dirigentes do estado se beneficiassem diretamente dessa transição, fazendo com que se confundisse a classe capitalista chinesa com a burocracia estatal.

Nas empresas que foram privatizadas, por exemplo, em 95,6% os novos donos ou principais investidores eram os próprios antigos diretores (Wang Lianli, 2007). A desigualdade nos últimos vinte anos, portanto, dobrou: Em 1995, o 1% mais afortunado entre os chineses tinha 15% da renda nacional, essa parcela saltou para 30% em 2015 (Piketty). Esses 1%, em boa parte, são os próprios quadros do Partido Comunista Chinês ou empresários diretamente ligados a ele – atualmente o parlamento chinês tem, entre seus membros cerca de 100 bilionários.

Do outro lado da moeda, a exploração dos trabalhadores aumentou. As condições de vida da classe trabalhadora são bem explicitadas pelo estudo feito por Jenny Chan sobre as fábricas de Foxconn City, relacionada à Apple. Os empregados, boa parte que migrantes do campo em busca de melhores condições, chegam a ter que trabalhar cerca de 12 horas. O suicídio no local de trabalho é comum – em 2010 em uma das fábricas, por exemplo, foram 18 casos de tentativas entre os empregados migrantes. A situação piora pela impossibilidade de sindicatos independentes – a ACTFU, central sindical do Governo, que é marcada por geralmente ter quadros dirigentes diretamente ligados aos CEOs das empresas, impede que existam outras formas oficiais de organização dos trabalhadores.

Isso não quer dizer que não haja resistência política na China. O Massacre da Praça da Paz Celestial, em 1989, que acabou com um movimento amplo de contestação ao Partido Comunista Chinês, pelas reformas políticas e econômicas que vinham piorando as condições de vida dos trabalhadores, não significou o fim da contestação política no país. Greves e mobilizações nas fábricas, especialmente contra as privatizações, tem sido um marco importante que tem crescido nas últimas décadas.

Por fim, vale destacar o papel que a China tem tido no cenário internacional a partir dos anos 70. Ainda mesmo durante a parte final a era de Mao Tsé-Tung, líder da revolução chinesa, a China começa a um processo de afastamento da União Soviética em busca de ampliar as relações políticas com o bloco capitalista. As reuniões de Mao com Nixon e Kissinger foram emblemáticas nesse sentido e dão início a um processo de ruptura entre os Estados operários protagonizada por uma burocracia que, buscando defender seus interesses próprios, acena em busca de uma conciliação com o capitalismo internacional. Essas relações e perspectivas se ampliam com Den Xiaoping e suas reformas.

Atualmente, o crescimento da sua economia em marcos capitalistas tem permitido cada vez mais que o país entre numa disputa entre imperialismos com os EUA. A construção de relações de dependência econômica é evidente em vários locais do mundo – com destaque para a África, onde a China substituí a França como potência dominante, buscando acordos benéficos com as castas políticas que permitam, em especial, a exploração de Petróleo. Naturalmente, o mesmo ocorre na América Latina e no Brasil – é só lembrarmos da participação das estatais chinesas como únicas de uma potência estrangeira no Leilão de Pré-Sal de Bolsonaro e dos própria relação, já citada, entre o Governo de São Paulo, sua política de privatização e o capital chinês.

O investimento da China na exploração de recursos estrangeiros é, portanto, essencial para o fortalecimento das políticas neoliberais no mundo inteiro. Sem precisar fazer intervenções político-militares diretas, a China soube encontrar uma forma de se impor economicamente. Aproveitou o crescimento dos últimos anos que era marcado pelo seu papel na produção facilitado pela mão de obra barata para expandir seu capital e disputar internacionalmente, incentivando a lógica de privatizações onde investia, o que vem permitindo um salto no seu próprio crescimento econômico.

Os dados que ressaltam os avanços que a China teve no último período, como a diminuição da pobreza extrema do país, não podem ser vistos e compreendidos sozinhos. Eles precisam ser analisados junto a um contexto histórico, político, social e internacional. As opções política que o Partido Comunista Chinês tomou levaram a China para a rota do capitalismo internacional – não atoa seus os quadros dirigentes da China aconselham honestamente os países africanos a não seguir o modelo socialista e buscar por todos os meios o crescimento econômico (Yu Au Loong). O papel da China no mundo é fortalecer o capital em seu país e no mundo – como parte da burguesia brasileira já entende tão bem. Cair no erro da exaltação chinesa, como faz parte do stalinismo brasileiro, é perder de vista a própria luta contra o capitalismo e a defesa de um modelo de sociedade socialista – é perder nosso projeto, isso não podemos fazer.

Veja também