Via Esquerda Online
Hoje as forças imperialistas de ocupação foram derrotadas no Afeganistão, mas desta derrota não surgiu uma alternativa para os povos. Estamos preocupadas com a ascensão do Talibã ao governo afegão por causa dos perigos que o regime da sharia representa para a vida das mulheres, dissidentes, minorias étnicas e religiosas, crianças, porém também sabemos que a ordem patriarcal e neoliberal não conhece fronteiras e que este modo de organizar a vida, de subordinar os direitos de uns para perpetuar os privilégios de outros, não é patrimônio exclusivo do fundamentalismo islâmico.
Hoje, os representantes das mesmas forças de ocupação que foram derrotadas no Afeganistão dão o alarme a nível internacional, forças que têm sistematicamente violado os direitos humanos, abusado sexualmente e violado a população. Não existem ocupações pacíficas ou ocupações humanitárias. Nós, como feministas transfronteiriças, dizemos NÃO à hipocrisia dos governos invasores e não nos resignamos a ter que nos posicionar entre duas alternativas de horror.
Hoje, os representantes das mesmas forças de ocupação que reivindicam o direito dos povos, minorias étnicas e religiosas, mulheres e crianças, dissidentes sexuais e de gênero à autodeterminação estão dando o alarme em nível internacional. Nenhuma intervenção estrangeira no Afeganistão! Uma alternativa emancipatória para os povos do Afeganistão só pode surgir do exercício indelegável desse direito, para o qual é necessário um Estado laico, democrático e popular que garanta os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais em sua forma mais ampla para todos/as aqueles que foram historicamente excluídos/as e subordinados/as. É a autodeterminação dos povos e não o neocolonialismo militar que levará à libertação dos territórios do sul global, aí está a nossa luta e aí está a nossa solidariedade.
A ofensiva imperialista não estará em nosso nome
Acreditamos no feminismo do povo e não em posições que justifiquem o colonialismo, o machismo, o racismo e a islamofobia. Não aceitamos que a opressão às mulheres seja usada como pretexto para justificar projetos imperialistas que buscam minar ou eliminar as culturas dos povos colonizados, especialmente quando as/os camaradas afegãos se organizaram com dignidade durante anos para deter o avanço imperialista e para construir uma vida que valha a pena ser vivida.
Exigimos que a comunidade internacional coloque à disposição de nossas camaradas todas as ferramentas para que seus direitos não sejam violados e suas vidas salvaguardadas, sem intervenção militar, sem mais massacres. Diante do regime de fronteiras, exigimos liberdade de movimento incondicional: não aceitamos a abertura de corredores migratórios apenas para explorar a mão-de-obra migrante ou de forma diferenciada por sexo, gênero e classe. Queremos fronteiras abertas e autorizações de residência incondicional para todos aqueles que atualmente desejam deixar o Afeganistão, sem distinções ou privilégios por terem colaborado com instituições ou organizações internacionais durante o processo de ocupação liderado pelos Estados Unidos e pela OTAN.
No entanto, o movimento feminista e transfeminista global nunca confiou a luta aos governos, mas, através de processo de greve feminista global, tem tentado construir as condições para que as mulheres e as subjetividades livres afirmem sua voz coletiva e em massa e sua força, atacando um dos pilares fundamentais da reprodução do neoliberalismo global. Hoje, mais do que nunca, é necessária essa comunicação e ativação feminista e transfeminista global, capaz de conectar os planos, lutas e discursos que norteiam nossa iniciativa.
Saudamos as mobilizações que as mulheres afegãs já lideram, assumindo em suas mãos a luta e a necessária auto-organização contra o obscurantismo talibã. Suas lutas são parte de nossa luta diária contra as fronteiras e nossa luta transnacional pela liberdade de movimento e contra o patriarcado e a exploração. Abraçamos os povos do Afeganistão, abraçamos fortemente as mulheres, dissidentes sexuais e de gênero, minorias étnicas e religiosas que enfrentam a extrema violência e a precariedade de vida provocadas pela ocupação militar imperialista de seus territórios há duas décadas. E nos recusamos que assim seja a nova ordem para as meninas e meninos, exigimos que sejam tomadas medidas para garantir seu futuro em paz e com o objetivo de colocar sua dignidade e sua vida em primeiro lugar. Para ela e eles, que atualmente vivem uma onda de terror maior, nossa solidariedade e apoio irrestrito. E para todas as organizações democráticas e coletivas feministas em todo o mundo, o chamado para ir às ruas, para mobilizar e cercar com solidariedade a luta pela independência e liberdade do povo afegão.