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Em 28 de junho foram publicadas as conclusões do Conselho Europeu, integrado pelos chefes de Estado e de governo da União, cujo ponto máximo se centrou na situação do asilo e imigração na Europa. Tão somente 48 horas depois, passou-se do papel à crueza da realidade: no sábado, dia 30, ardia uma embarcação e morriam mais de 100 pessoas afogadas perto da Líbia. As ONGs, que trabalham resgatando refugiados num Meditarrâneo, que já engoliu mais de 1000 seres humanos somente neste ano, denunciaram que não foram avisadas para cobrir o resgate.

As imagens de bebês mortos nos braços dos guarda-costas líbios e de refugiados descalços correndo entre as rochas da costa próxima a Trípoli mostram que o acordado dois dias antes não assegura nem a vida das pessoas que fogem da guerra, nem seus direitos. Tampouco serve para ordenar o fluxo de refugiados no continente e menos ainda para certificar a segurança almejada.

Muitos eram os temas que deveria tratar a cúpula, mas nada de novo e distinto acabou resolvendo-se: regulamento de Dublin, movimentos de refugiados dentro da UE, política comum de asilo, chegadas de balsas e situação no Mediterrâneo. Os chefes de Estado e de governo que subscreveram o acordo do Conselho conhecem e reconhecem também, como demonstrou o tom de suas declarações posteriores, que o firmado só aprofunda e avança na já reconhecida crise na UE. De fato, e desde algumas décadas, o denominado “controle dos fluxos migratórios”, o qual rege os passos dos diferentes governos da UE independentemente da cor política que possuam, obteve uma clamorosa falta de êxito.

O documento final da Cúpula e os dados recolhidos poderiam, aparentemente, contradizer essa percepção de fracasso ao assinalar que o fluxo de chegadas ao território UE se reduziu em 95% em relação a 2015. Dizemos “poderiam”, porque o texto menciona por outro lado que nos encontramos ante um novo recorde das cifas. Conseguir durante três anos uma redução de solicitações de proteção e chegadas somente significou transformar o Mediterrâneo numa enorme fossa comum para mais de 33 mil pessoas, além de converter a fronteira sul europeia na mais perigosa do mundo.

Do anterior se conclui que a única forma que “encontraram” nestes anos os governos da UE para minimizar temporalmente as chegadas foi: driblar leis, provocar mortes e estabelecer acordos com outros países, como Turquia, ou com os senhores da guerra da Líbia. Não existe balanço no texto da cúpula sobre o preço pago e a realidade mortal profundamente antidemocrática que foi gerada. Ao contrário, esta via brutal de exercer o controle fronteiriço se mantém, ao mesmo tempo ratifica-se no documento final que estabelece a liberação de novos envios de dinheiro (3 bilhões de euros) para a África. O documento afirma que é necessário acelerar os retornos daquelas pessoas que não possam solicitar proteção internacional, tachados de “imigrantes ilegais”, como se os solicitantes suscetíveis de proteção internacional pudessem sair “legal e tranquilamente” de seus países.

A estas alturas, resulta conhecido que as devoluções são, muitas vezes, simplesmente inaplicáveis. Por um lado, porque os Estados que, supostamente, devem acolher de volta aos retornados não desejam reconhecê-los como próprios; por outro lado, porque no seio da UE não funcionam os traslados. E finalmente, porque existe resistência dos afetados. Apesar de tudo, a União destina mais fundos dentro das partidas para o asilo e o refúgio à devolução de pessoas e ao controle de fronteiras que à acolhida como tal. Por exemplo, entre 2007 e 2014, o Reino da Espanha destinou 9 vezes mais dinheiro ao retorno que às chegadas. Em 2015, a própria UE, no momento máximo recente de chegadas pela Grécia e Itália, recebeu um milhão e meio de pessoas, o que lhe impediu, ao mesmo tempo, ditar mais de meio milhão de ordens de expulsão. Sem ir mais longe, tal como assegura Christine Petre, porta-voz da OIM na Líbia, perto de 10.200 imigrantes foram levados de regresso à Líbia somente neste ano, mais de 2000, na semana passada.

A devolução representa um mecanismo perverso, muito caro e que não funciona. Ante a incapacidade de efetuá-la em mais de 50% dos casos, milhares de pessoas se veem abandonadas no mais absoluto limbo legal e, em consequência, ficam em mãos das redes ilegais, que, cinicamente, se afirma querer combater. A pessoa afetada por estas ordens se encontra sem papéis e, em consequência, sem possibilidade de obter o mínimo para sua sobrevivência, nem casa, nem trabalho, nem saúde, nem um simples telefone celular pode ser por ele usado, se antes para isso não recorre a meios alheios à lei para consegui-lo.

A União, que como há tempos nem sequer aplica em estritco senso o regulamento de Dublin, vai estudar o estabelecimento de plataformas regionais de desembarque de pessoas imigrantes. Em outras palavras, isso implica a criação de novos centros de internato nos quais se impedirá a mobilidade das pessoas solicitantes. Construam-se onde se construam, e pague-os quem os pague, vozes autorizadas já sustentam que tais centros podem se encontrar em aberta contradição com a própria convenção de direitos de pessoas refugiadas.

A declaração final da cúpula também assegura que serão colocados meios “para desbaratar os incentivos que impulsionam as pessoas a embarcar”. À luz do decidido, somente podemos concluir que tal afirmação não é certa. Resolver os problemas que implica a migração massiva de pessoas em todo o planeta, incluída a Europa, não passa por vulnerabilizar os direitos que impeçam sua circulação, senão aprofundá-los, ou seja por tocar elementos cruciais de uma globalização capitalista que agrava as desigualdades e estende a violência em todas as suas facetas. Hoje esse movimento populacional, consubstancial e estruturalmente unido ao capitalismo, não passa sobretudo pela Europa e pelos EUA, mas pelos países empobrecidos que suportam mais de 86% dos cerca de 70 milhões de pessoas refugiadas que existem no mundo.

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