Em 1998 o diretor da General Electric, Jack Welch, fez uma declaração reveladora. O ideal, disse, seria que tivéssemos cada planta num barco e que a pudéssemos mover seguindo os movimentos das divisas e as mudanças econômicas. Eram os anos em que centenas de empresas optavam por se instalar em países como a China ou México para aproveitar as mudanças econômicas, eufemismo que significava mão de obra barata.
O sonho de ter plantas industriais em barcos para escolher o espaço mais rentável para atravar tinha um paralelo com o mundo da especulação financeira. Neste âmbito, os fluxos de capitais podem decidir entre distintos destinos em função das disparidades de taxas de inflação, tipo de câmbio e taxas de juros, e migrar de um lugar para outro sem maiores problemas. Mas a fantasia da economia dos barcos pode-se fazer realidade mediante os acordos comerciais que deram estabilidade para erigir plantas industriais nos países com mão de obra barata.
Passados escassos 20 anos, um narcisista diretor de negócios imobiliários e produtor de um reality show teve o instinto de ler as emoções dos principais afetados pela globalização neoliberal. Donald Trump pôde interpretar os sentimentos de parte importante do eleitorado estadunidense, que tinha se sentido traída pela economia dos barcos e acreditava que a história havia os deixado para trás. A retórica vulgar e populista de Donald fez o restante e assim chegou à Casa Branca.
Hoje, Trump enfrenta o período mais obscuro de sua presidência: está rodeado de sérios problemas legais, com seus mais próximos colaboradores condenados, acusados ou sob investigação. Nas eleições legislativas de novembro se joga tudo: se o Partido Democrata recupera o controle da Câmara de Representantes (e talvez até o Senado), poderia iniciar um processo que culminaria na destituição do presidente. Para sobreviver, Trump necessita um golpe de propaganda para suas bases.
No final de agosto apresentou a oportunidade: a Casa Branca deu a conhecer o novo acordo com o México para reformar o TLCAN. Trump aproveitou de imediato para insistir em que o novo pacto já não se chamaria NAFTA e que de agora em diante falar-se-ia do acordo comercial México-Estados Unidos. Nos próximos dias e semanas veremos este personagem alardear em todos os foros possíveis que cumpriu sua promessa de campanha, que essencialmente consistia em renovar ou destruir o TLCAN. A demagogia vai estar desatada e seus aliados na Fox News já falam de uma vitória histórica.
Há vários componentes do acordo, mas o mais importante se relaciona com a indústria automotriz e modifica as regras de origem: o componente regional para gozar das vantagens do acordo aumenta de 62 para 75%. Além disso, entre 40-45% do conteúdo dos veículos deve ser manufaturado por trabalhadores que ganhem ao menos 16 dólares por hora.
A realidade é que o novo acordo mudará pouco as coisas em termos do déficit estadunidense e em matéria de emprego. Para começar, as indústrias têm até primeiro de janeiro de 2023 para se adaptar às novas condições. Por outro lado, as regras de origem são enganosas, pois muitos componentes contabilizados como nacionais têm, por sua vez, um alto conteúdo importado, de tal maneira que o novo patamar de 75% pode, na realidade, ser significativamente menor. Será difícil determinar se um veículo que pesa quase três toneladas e é composto por mais de 30 mil peças cumpre ou não as novas regras de origem. Nos próximos anos veremos um exército de consultores e lobistas lutando com as autoridades estadunidenses sobre este ponto. Mas isso é o de menos: pelo momento o que importa a Trump é poder sair frente a seu público, em cada rally da campanha até as legislativas de novembro, e pregar que ele sim cumpre suas promessas de velar pelo povo que foi abandonado pela economia de barcos.
No caso do México, o novo acordo tampouco mudará muito as coisas. Como instrumento para promover o aumento de salários na economia mexicana, o tratado de livre comércio fracassou rotundamente ao longo de seus 24 anos de vida.
Para Trump a operação de relações públicas não servirá de muito nos tribunais, sobretudo quando começar a declarar o senhor Allen Weisselberg, seu executivo de finanças de 20 anos e alguém que sabe onde estão escondidos todos os cadáveres financeiros. Weisselberg recebeu imunidade num pacto com as autoridades federais para divulgar tudo o que sabe, e isso sim deve ter preocupado Trump. Até a Fundação Trump, supostamente dedicada à filantropia, está sendo indagada por haver servido de frente para todo tipo de artimanhas. Enfim, se a demagogia sobre a morte do NAFTA serve para distrair a atenção, suponho que isso seja melhor que desatar uma guerra com o Irã.
Original: La Jornada