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Sempre que há uma crise econômica – e no capitalismo há sempre crises cíclicas cada vez mais agudas – o status quo aperta as cavilhas para manter os seus lucros. Quando já não é possível apertar os países do Sul – mesmo com guerras, como a que estão a preparar na Venezuela -, a natureza e as gerações futuras – através da dívida -, a exploração regressa à velha Europa que mal suportou meio século precisamente exportando os problemas para o exterior, para o futuro ou para a natureza. E especialmente, como sempre os grandes pagadores, as mulheres, que sustentam a vida e seus cuidados a um preço incalculável para as grandes empresas, quando não servem como mão-de-obra barata, flexível e silenciosa.

A democracia liberal, baseada em uma economia orientada pelo lucro e articulada pelo mercado, sempre implementa quatro tipos de estratégias em crises, classificando-as de acordo com o perigo representado pela alternativa. Cada um tem o seu momento, mas há geralmente características de todos eles em cada situação histórica específica. A primeira é convencer que não há outra saída. Prêmios Nobel e acadêmicos são muito úteis nesta fase. Em segundo lugar, articular uma grande coligação entre os dois grandes partidos e os seus satélites -que é outra forma de dizer que não há alternativa-, para que as lógicas de “centro-esquerda” e “centro-direita” se juntem num remix carregado de gorduras saturadas. É o momento dos jornalistas do estabelecimento e dos beneficiados pelo sistema, também, é claro, da universidade. O terceiro é procurar um populista de direita -Trump, Rivera, Le Pen-, que abalará os excessos do sistema, mas nunca mudará o sistema (há 100 dias de vazio de Trump), e que oferecerá identidade e mais identidade para que as pessoas possam satisfazer a fome real que têm e continuarão a ter. Este é o momento do jornalismo de chinelos e do lixo televisivo. O quarto, quando outros fracassam, é o autoritarismo, a repressão policial ou militar, o estado de exceção ou as gangues fascistas, neonazis ou paramilitares toleradas pelo poder. Em todos eles, as maiorias pagarão pelos pratos partidos das minorias.

Le Pen é a fase do populismo de direita. Muito evidente. Macron é a fase da grande coligação, que é sempre uma mentira oculta. O neoliberalismo ainda não foi desmascarado. E foi por isso que chegamos a becos sem saída como este domingo em França. Quando um fascista dá uma surra, nega o Holocausto ou despreza os imigrantes, é muito fácil identificar o ato de força. Quando Macron afirma, como lembra Olga Rodríguez, que “é preciso deixar de proteger aqueles que não podem e não vão conseguir”, gera e justifica muito mais dor do que as gangues fascistas, mas é mais difícil identificá-la.

Le Pen teve que ser interrompida, porque sua entrada no governo é a naturalização do fascismo. Foi para deitar fora meio século de luta contra a desumanidade dos campos de concentração, o colaboracionismo, o extermínio e o genocídio. Mas este gesto de tantos homens e mulheres franceses que foram votar em Macron com uma alma quebrada deve servir para desmascarar este novo inimigo do povo. Porque Macron são as privatizações, os cortes, a pobreza e a angústia dos idosos, a venda de armas aos países em conflito, o apoio às guerras na Síria ou no Iraque, o apoio às ditaduras na África, o incentivo à guerra civil na Venezuela, o banlieu das grandes cidades francesas onde o Estado já não existe, o fim das universidades públicas, o reino inquestionável do capital financeiro e a manutenção de uma Europa a serviço dos comerciantes. Os patrões franceses têm Macron para continuar a sustentar o novo contrato social sem direitos, e continuam a ter o plano B de Le Pen. Os patrões franceses têm Macron para continuar a sustentar o novo contrato social sem direitos, e continuam a ter o plano B de Le Pen. É por isso que, a partir desta segunda-feira, é altura de desmascarar o Macron. Porque, caso contrário, o Plano B será ativado o mais rapidamente possível e apanhará a França democrática desprevenida. Colocá-los no mesmo saco é inaceitável para muitas pessoas. E a aposta meridiana de Le Pen no ódio racial faz dela, inquestionavelmente, inimiga de qualquer democrata. Já acertamos as contas com Le Pen. Agora, para que ela não continue recebendo apoio, vamos acertar as contas de Macron e sua defesa do neoliberalismo. Vamos acertar contas com isso, nas palavras de Boaventura de Sousa Santos, “fascismo social” que envolto em roupas democráticas prepara o caminho para a violência, a exclusão e a guerra.

A direita corrupta votou em Macron e Le Pen. Alguns amigos da esquerda, sem dúvida cheios de dignidade, abstiveram-se ou votaram em branco. É compreensível. A esquerda do Partido Socialista e metade da Insumise France decidiu acabar com o fascismo votando em Macron. Terá certamente custado muito esforço. Mas aí estão as forças para começar de novo.

Original: Publico.es

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