Nos últimos anos, a China consolidou sua posição como potência hegemônica mundial através de um processo no qual a América Latina tem desempenhado um papel fundamental. Esta região não significa apenas contato com um grande bloco de países, mas também a abertura de mercados de bens comuns, rotas geoestratégicas e, não menos importante, ação em uma região historicamente influenciada pelos Estados Unidos. A sub-região centro-americana aderiu a essa aproximação desde 2007, deixando de lado o legado da Guerra Fria e abrindo novas rotas que acrescentam complexidades geopolíticas à região.
América Central a partir da geopolítica
Duas são as condições geopolíticas que fazem da América Central um espaço de disputa geopolítica. A primeira refere-se à ponte entre duas grandes massas territoriais e a segunda à istimicidade que permite uma conexão rápida entre os oceanos Atlântico e Pacífico. Este último ganhou importância nos tempos coloniais, quando as rotas marítimas eram fundamentais para a presença dos invasores estrangeiros.
Sobre isso, ideólogos americanos destacaram estes atributos. Alfred Mahan, por exemplo, chama o Mar do Caribe de Mare Nostrum, enquanto Nicholas Spykma chama a região centro-americana de América Mediterrânica, reconhecendo as rotas estratégicas da região e a necessidade de controle dos EUA sobre ela para melhorar sua implantação hegemônica. Neste sentido, disputar o controlo desta região seria um desafio direto ao poder dos EUA. [i]
Reconhecimento em avanço: China na América Central
O âmbito comercial tem sido uma prioridade para a região centro-americana, a qual conta com uma participação significativa dos Estados Unidos, mas decrescente: mais de 10 pontos percentuais desde 1998 (CEPAL 2018). Desde 2012, a China tornou-se o terceiro maior parceiro comercial da região, substituindo parte das importações dos EUA. As relações comerciais, em geral, são de pouco valor agregado e tecnológicas -com exceção da Costa Rica-, [iii] com uma taxa de crescimento de 13,1% (CEPAL 2018).
Em comparação com o resto da região, a América Central não exporta matérias-primas tão grandes como a Argentina ou o Brasil, por exemplo; no entanto, um dos principais interesses da China é a incursão na energia hidrelétrica. No caso de Honduras, por exemplo, a China está vinculada ao Projeto Hidrelétrico do Rio Patuca com a empresa Sinohydro. [iv] Este interesse refere-se à necessidade de a China obter bens comuns para sustentar o seu modelo econômico e o modo de vida da sua população.
No caso da Costa Rica, depois de estabelecer relações diplomáticas em 2007, a China desenvolveu a construção do Estádio Nacional, fundou um Instituto Confúcio na Universidade da Costa Rica e, posteriormente, construiu o Chinatown no Paseo de los Estudiantes em San José. Todos esses projetos são fundamentais para o compromisso da China continental com a diplomacia cultural e o declínio da penetração cultural dos EUA na região. Soma-se a isso a concessão de títulos não reembolsáveis de 30.000.000 de dólares ao Governo da Costa Rica (Memorando de Entendimento entre a República Popular da China e a Costa Rica, 2007) e uma série de projetos de cooperação. [v]
Em 2010, a Costa Rica e a China assinaram um Tratado de Livre Comércio que foi considerado pelo Ministro das Relações Exteriores Bruno Stagno como um instrumento que geraria um “equilíbrio ideológico” entre os Estados Unidos e a China. [vi] Posteriormente, a República Popular da China tentou construir uma refinaria no Caribe costarriquenho com o objetivo de refinar petróleo da Venezuela (Aguilar 2014); este ponto também é resgatado no Memorando de Entendimento que oficializou as Relações Diplomáticas entre ambas as partes, chamando-a de Refinaria Mesoamericana. [vii]
O projeto da refinaria não foi concluído devido a várias queixas apresentadas contra ela por falta de processo justo, bem como conflitos de interesse relacionados ao estudo de impacto ambiental. Embora todos sejam questões ilegais na Costa Rica, foram fundamentais para a incursão da China em outros países, tais como: a criação de empresas binacionais -como a Sinohydro em El Salvador e a Sinovensa na Venezuela- para a realização de projetos de infraestrutura, a monopolização de todos os processos de infraestrutura -desde insumos até os estudos necessários- (Richmond 2010). viii] A importância da Refinaria Mesoamericana para a China, devido aos menores custos do petróleo, deixa em aberto a possibilidade de ser construída em outros países da região.
No Panamá, a China concordou em investir US$ 200.000.000 em infraestrutura – um valor econômico mais do que suficiente para expandir o canal. Além disso, concordou em assinar um TLC, apoiar o fortalecimento de zonas de livre comércio, a construção de armazéns, um terminal de carga, um trem até a fronteira com a Costa Rica, entre outros. Além disso, o Panamá aderiu ao projeto da Faixa e da Rota, que visa revitalizar a Rota da Seda e estendê-la à América Latina. Isso não só expõe os interesses da China nas diferentes rotas comerciais da região centro-americana, mas também na construção de um pólo chinês na região, ou seja, no centro de operações comerciais e transporte de mercadorias chinesas, segundo Gandásegui (2018). [ix] Da mesma forma, em abril deste ano, a Costa Rica também se juntou à Faixa e à Rota. [x]
Foi em agosto passado que o Presidente Sánchez Cerén decidiu abraçar o princípio de uma única China, anunciando, ao mesmo tempo, o seu empenho na construção de Zonas Econômicas Especiais, dado o know-how de Pequim na matéria. Este primeiro anúncio gerou críticas por parte da Associação Nacional de Empresas Privadas (ANEP), que denunciou o tratamento preferencial dado às empresas chinesas. [xi] . Nem seria surpreendente se os movimentos sociais também se pronunciassem contra o ZEDES, devido à experiência hondurenha e ao ataque contra a população garífuna. [xii] Outro dos pontos acordados pelo governo cessante da FMLN é aderir à Faixa e à Rota, em busca de desenvolvimento. [xiii]
No entanto, as relações entre a China e El Salvador continuam ainda em fase morna. O presidente eleito Nayib Bukele deixou bem clara sua desconfiança em relação à China durante as eleições e em suas reuniões nos Estados Unidos como presidente eleito; de fato, John Bolton disse que Bukele concorda em “combater as práticas predatórias com a China”. [xiv] Esta posição de Nayib refere-se a uma espécie de discurso nacionalista e pró-americano que procura posicionar a dignidade de El Salvador contra potências hegemônicas.
(In)conclusões
A influência da China na região da América Central é cada vez mais forte. Esta presença está relacionada com a possibilidade de aproveitar as rotas geoestratégicas para o transporte de bens comuns provenientes da América do Sul, bem como o benefício da energia hidreléctrica na região. Tudo indica que a aposta de Pequim na América Central tem a ver com a construção de infra-estruturas que permitam a criação de um centro logístico que aproveite a istimicidade regional, aspecto já explorado pelos Estados Unidos. Este país, por outro lado, com a chegada da China a El Salvador, iniciou uma retórica mais forte contra ele em defesa de sua área de influência histórica, chave em sua conformação hegemônica, como já identificam Mahan e Spykman.
Além disso, permanece o impacto produzido pela construção da Faixa e da Rota, um projeto de grande magnitude que poderia sobrecarregar ainda mais a hegemonia dos Estados Unidos, não só sobre a América Central, mas sobre toda a América Latina.
Notas:
[i] González, B. 2013. La reconfiguración de Mesoamérica. Una aproximación teórica. Documento de estudio, N. 8. Heredia; EUNA.
[ii] https://www.cepal.org/es/publicaciones/44200-comercio-inversiones-la-relacion-centroamerica-china-relacion-estrategica-largo
[iii] Costa Rica exporta chips integrados producidos por la transnacional Intel, por lo que las ganancias finales tampoco quedan en el país centroamericano.
[iv] https://www.nacion.com/economia/negocios/hidroelectrica-en-honduras-afianza-presencia-de/6SMORTAQXBGYNK4TY4I6POTPIU/story/
[v] https://www.rree.go.cr/?sec=politica%20internacional&cat=politica%20bilateral&cont=522&pais=CN
[vi] Segundo o ex-ministro das Relações Exteriores Bruno Stagno, que negociou a abertura das relações diplomáticas entre a China e a Costa Rica, nessas negociações a assinatura de um Tratado de Livre Comércio foi um dos pontos mais sensíveis do diálogo entre as elites políticas e econômicas de ambas as partes. (Stagno, 2013).
[vii] https://www.rree.go.cr/?sec=politica%20internacional&cat=politica%20bilateral&cont=522&pais=CN
[viii] Richmond, J. 2010. Consumo de energía en China: implicaciones para el futuro a escala regional y global. Anuario Asia Pacífico, Setratfor. Sétima Edición: 271-280.
[ix] https://www.alainet.org/es/articulo/189399. Recuperado el 8/06/2018 y https://www.alainet.org/es/articulo/189558 . Recuperado el 8/06/2018
[x] https://www.nacion.com/opinion/foros/foro-costa-rica-ya-es-parte-de-la-franja-y-la/BJR7I5RVRREJRF7J77VBTQKUWQ/story/
[xi] https://www.elsalvador.com/noticias/negocios/es-la-ley-de-zona-economica-especial-una-camisa-hecha-a-la-medida-para-china/509141/2018/
[xii] https://ofraneh.wordpress.com/2018/01/17/disrrumpiendo-la-democracia-en-honduras-las-zede-de-los-libertarios-y-amenazas-de-desalojo-en-el-golfo-de-fonseca/
[xiii] http://www.presidencia.gob.sv/el-salvador-y-china-firman-13-acuerdos-de-cooperacion-para-proyectos-de-desarrollo-social/
[xiv] https://www.elperiodico.com/es/internacional/20190315/nayib-bukele-respeto-el-salvador-china-eeuu-7355545
Original: CELAG