FONTE: Al Jazeera | 30/07/2020 | Tradução: Charles Rosa
Nas últimas semanas, alguns países de todo o mundo conseguiram frear a propagação da COVID-19 e dentro de suas fronteiras e aliviaram com êxito suas estritas medidas de controle. Entretanto, muitos outros experimentaram uma segunda onda de infecções e ainda lutam por reduzir a quantidade de novos casos de coronavírus.
Infelizmente, os territórios palestinos ocupados estão no último grupo.
Depois de impor medidas estritas no início durante a primeira onda de infecções, Israel e os territórios palestinos ocupados pareceram conter seus surtos, e cada um reportou somente algumas poucas dezenas de casos novos por dia em maio. Mas uma redução das restrições levou a um aumento constante nos casos desde meados de junho. Isso causou pânico e confusão enquanto as autoridades se apressaram em encontrar métodos mais efetivos para controlar o vírus.
No entanto, deter a propagação do coronavírus é particularmente difícil na Palestina graças à ocupação militar do Israel e ao consequente apartheid e devastação econômica.
A forte deterioração da coordenação entre os funcionários israelenses e palestinos depois de que Israel ameaçou anexar grandes partes da Cisjordânia ocupada piorou uma situação já grave. A negativa da Autoridade Palestina a aceitar receitas fiscais de Israel devido a seus planos de anexação significava que os funcionários públicos não recebiam salários regulares desde maio, o que exerceu mais pressão sobre a economia local durante a quarentena.
A estrutura administrativa da Cisjordânia ocupada, onde a Área A é administrada exclusivamente pela AP, a Área B é administrada tanto pela AP como por Israel; e a Área C é administrada somente por Israel, impossibilitou que os líderes palestinos imponham medidas preventivas efetivas. A incapacidade da Autoridade Palestina para acessar por completo às Áreas B e C, que compreendem quase 80% da Cisjordânia, o deixou com dificuldades para seguir uma estratégia de contenção do coronavírus com tudo incluído.
O recente aumento nos casos do coronavírus nos territórios ocupados foi atribuído em grande medida à continuidade de casamentos, funerais e outras formas de reuniões massivas, assim como aos trabalhadores palestinos que trabalham em Israel. Reconhecendo que não tem poder impor oficialmente nenhuma medida de contenção de vírus em áreas sob controle israelense, a Autoridade Palestina pediu a ativistas de base, famílias influentes, líderes de clãs e tribos que ajudem a criar consciência e evitar grandes reuniões.
A situação na cidade cisjordana de Hebron, a área mais afetada pela segunda onda de infecções, proporciona uma prova adicional do impacto devastador da ocupação sobre a capacidade da Autoridade Palestina para conter o vírus. O Protocolo de Hebron de 1997 assinado entre Israel e AP dividiu a cidade em duas áreas: H1 e H2. O H1 está controlado pela AP, mas o H2 está sob controle militar israelense.
Durante a primeira onda de infecções, a AP impôs um bloqueio estrito em H1, entretanto, as autoridades israelenses não seguiram a mesma estratégia em H2. Portanto, enquanto algumas lojas e lugares foram fechados à força, outros, às vezes localizados no lado oposto da mesma rua, tiveram permissão para continuar com os negócios como de costume. Isso causou muita confusão e frustração nos moradores da cidade e exacerbou a propagação do vírus.
Além disso, em 21 de julho, num momento em que o Ministério da Saúde palestino registrava aumentos diários com uma média de 400 casos na Cisjordânia e Jerusalém Oriental, com 80% dos casos ativos registrados em Hebron, as autoridades israelenses demoliram um centro de testagens de COVID-19. Outro laboratório de testes no bairro de Silwan em Jerusalém foi invadido e fechado pelas autoridades em meados de abril.
E à medida que a população palestina foi submetida a outra quarentena estrita em julho, as forças israelenses continuaram realizando rondas noturnas nas zonas palestinas, sem levar em conta a gravidade da crise. Ramallah, Jenin, Belen e outras cidades palestinas foram invadidas várias vezes durante todo o mês, e dezenas de palestinos foram detidos arbitrariamente.
Em 18 de julho, as forças israelenses também levaram a cabo uma ronda noturna no campo de refugiados de Al-Jalazon, onde foram registrados mais de 150 casos de COVID-19 e aproximadamente 14 000 pessoas veem obrigadas a viver em lugares fechados com poucas possibilidades de distanciamento social. Os jovens e voluntários de campo estiveram trabalhando duro para controlar a propagação do vírus nas áreas rurais, mas a incursão israelense, os enfrentamentos e as detenções resultantes frustraram seus esforços.
Os palestinos em Jerusalém Oriental também ficaram vulneráveis ao vírus devido às atividades e políticas das autoridades israelenses. Num documento informativo de julho, Medical Aid for the Palestines, Al-Haq e o Centro de Ajuda Legal e Direitos Humanos de Jerusalém destacaram como “a resposta discriminatória de Israel ao COVID-19 em Jerusalém Oriental, junto com as falhas de longa data no cumprimento dos direitos humanos fundamentais, agravou a suscetibilidade dos palestinos à pandemia”.
Em seu documento conjunto, as ONGs explicaram como as políticas israelenses provocaram “longas demoras na abertura de centros de testagem para palestinos em Jerusalém Oriental, demoras na provisão de instalações de quarentena, assédios, detenções e perseguição de voluntários locais que distribuem materiais de ajuda e alimentos, encerramentos de iniciativas lideradas pela comunidade para conter COVID-19 e criar consciência sobre a pandemia, e o fracasso inicial inclusive de proporcionar dados sobre o número e a taxa de infecções nas comunidades palestinas, assim como de emitir informação e orientação para o público de língua árabe”.
A maioria dos temores que tinham os palestinos quando começou a pandemia em março se tornaram realidade nas últimas semanas. O vírus havia se propagado, sem controle, em cidades e povos muito povoados. Também havia afetado campos de refugiados vulneráveis e superpovoados em toda a Cisjordânia, onde o distanciamento social não é possível.
Os palestinos nos territórios ocupados são conscientes de que suas capacidades no setor da saúde palidecem em comparação com as das nações mais desenvolvidas que haviam sido devastadas pela pandemia. É por isso que temem que o pior “poderia estar por vir”. Eles estão enfurecidos com a AP por não protegê-los deste vírus mortal, mas também são conscientes de que a ocupação israelense está tornando quase impossível que os líderes palestinos administrem a situação.
Jalal Abukhater é mestre em Relações Internacionais e Política pela Universidade de Dundee.