Fonte: Página 12 – 24/04/2018 – Tradução: Charles Rosa
A eleição de Mario Abdo Benítez é um reflexo da nova realidade político-eleitoral de um Cone Sul que, ainda em disputa, busca ser hegemonizado pelo arco conservador, no auge depois da chegada de Macri e Temer na Argentina e Brasil. “Marito”, como o chamam no Paraguai, é o filho do secretário privado do ditador Alfredo Stroessener, motivo pelo qual jamais condenou – nem sequer nos últimos anos – as ações da ditadura paraguaia, aludindo a um suposto “colocar em contexto” que pretende justificar ou aliviar os crimes de lesa humanidade cometidos. Ou seja, vem do seio profundo da direita de um país que já em 2012 teve uma quebra abrupta, que foi um divisor de águas regional: o golpe contra Fernando Lugo sob a fachada de um “julgamento político express”.
Teve uma vantagem eleitoral inegável: frente a ele não competia o bispo e ex-presidente, mas Efraín Alegre, candidato da heterogênea alianza GANAR (Partido Liberal Radical Autêntico e Frente Guasú). Abdo também teve o apoio dos meios concentrados de seu país, que em dias prévios instalaram a ideia – com base nas pesquisas que prognosticavam mais de 20% de distância – de um triunfo solvente, indiscutível a priori, do Partido Colorado. Além do desânimo eleitoral que isso pudesse provocar nos não-governistas, os mais de cem mil votos em brancos e nulos – por cima da diferença que terminou obtendo Abdo – também fizeram sua parte no desenlace que presenciamos.
Com esse contexto prévio, a eleição entre Abdo e Efraín foi a mais parelha desde o retorno à democracia – apenas 3,7% de diferença, fechando uma boa eleição para a oposição ainda apesar da derrota – e também a de menor nível de participação em relação padrão-eleitores dos últimos 25 anos, com quase 40% de abstenção. Como se vê, o candidato ganhador não encantou e apenas “salvou a roupa” dos colorados, cujo triunfo foi rapidamente saudado pelo eixo Buenos Aires-Brasília que na atualidade comandam Macri e Temer, que vêem em Abdo um sólido aliado para impulsionar o acordo Mercosul-União Europeia, e também um presidente sul-americano a mais para continuar asfixiando a UNASUL – que foi precisamente o organismo regional que tentou evitar o golpe contra Lugo–, em ambos os casos seguindo as políticas já implementadas por Horacio Cartes.
Buscará Abdo Benítez ser parte de uma “nova direita” regional que já se demonstrou errática nos Direitos Humanos e demasiado ortodoxa no econômico levando a todos nós a pensar se há algo novo ali? Ou diretamente tentará apelar ao diminutivo de berço stronista, avançando inclusive uma casa a mais no cerceamento de liberdades e direitos? A elite paraguaia o escolheu com um motivo claro: oxigenar uma direita turbulenta, caótica, que quase perde a eleição ainda com todos os recursos fáticos – mídia, empresários, justiça, consultores – a plena disposição. Poderá oxigenar esse espaço alguém que em pleno domingo de eleições visitou a tumba de um dos membros do pequeno gabinete de Stroessner, falecido em 2013 em liberdade pela inação da justiça paraguaia?
Bem poderia ensaiar uma pergunta final para este artigo, com base em dois cenários antes colocados: existe a possibilidade de surgimento de uma “nova direita” – cujos limites regionais se evidenciam sob reformas laborais e previdenciárias – sob um “stronismo 2.0” no Paraguai? Abdo Benítez, o filho do secretário privado de Stroessner, terá em suas mãos as respostas a estas interrogações. Numa América Latina onde o duas vezes presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, permanece detido e o ditador peruano Alberto Fujimori está livres, a eleição de Abdo Benítez no Paraguai depois das tropelias de seu pai é uma imagem potente – e ao mesmo tempo fatídica – do clima de época regional.