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A senhora é autora de “Rage Becomes Her: The Power of Women’s Anger” (Atria Books, 400 páginas, sem tradução ao português). Muitos outros livros sobre o poder da raiva das mulheres são publicados ao mesmo tempo que o seu. Estamos mudando nossa visão sobre essa questão?

Na cultura ocidental, a raiva das mulheres foi sempre associada à irracionalidade, à loucura, à inaptidão em raciocinar. Para os homens, é diferente: ela é vista como uma virtude. Durante a eleição presidencial estadunidense, Donald Trump e Bernie Sanders puderam, assim, mostrar em cena e bater sobre o púlpito com o ar raivoso. Hillary Clinton, por outro lado, precisava permanecer calma, sob controle, e ela pagou o preço disso – ela foi julgada como “inautêntica”. As mulheres sabem que se elas quiserem aparecer ao mesmo tempo criveis e autoritárias, o caminho é estreito. Vimos isso durante as audições, no Senado, a respeito da nominação para a Suprema Corte do juiz Brett Kavanaugh: se sua acusadora, Christine Blasey Ford, tivesse mostrado a mesma raiva que ele, ela teria sido tida como totalmente indigna de confiança.

As mulheres só podem estar com raiva quando elas estão no “seu lugar”: a raiva da mulher que defende seus filhos ou de uma professora que se zanga é respeitável, mas a de uma mulher que se exprime nos domínios historicamente reservados aos homens, como a política ou o trabalho, é penalizante. Diz-se normalmente às feministas, como eu, que é preciso “voltar para a cozinha”: isso me faz rir, porque o campo lexical da raiva é o da cozinha! A “raiva bunda” (colère bout), a “panela de pressão explode”, essas palavras vêm todas da experiência das mulheres. Em períodos de problemas econômicos, sociais e políticos, as mulheres, contudo, tiveram sempre mais espaço para exprimir sua raiva e agir enquanto cidadãs políticas. Porém, nós vivemos uma fase de autoritarismo que se constrói ao redor de uma contestação de sentimentos negativos, de medo, de desprezo, que são muito ligados à raiva, e que gera uma raiva desesperada, um ressentimento furioso.

Como o fator racial atua na percepção da raiva?

Nos Estados Unidos, a raiva dos homens negros é imediatamente associada à criminalidade. Porque eles são muito mais expostos às violências policiais que os brancos eles sabem que a raiva é arriscada: ela é percebida como uma ameaça. Imagine se Barack Obama se mostrasse com raiva! Ele permaneceu todo o tempo calmo, postado, mesmo se estivesse furioso. Para as mulheres negras, é a mesma cosia: se elas afirmam suas opiniões com certeza demais, elas são reprimidas como sendo as “angry black women” – é o estereótipo que serve para fazê-las calarem-se. Desde a infância, a raiva de um pequeno menino branco será considerada como natural – se deduzirá que ele tem as aptidões de liderança – enquanto que as pequenas meninas negras rebeldes serão punidas e expulsas da escola mais comumente, proporcionalmente, que eles. Essa separação entre a raiva e a feminilidade desarma as mulheres. É uma pena já que a raiva é um sinal: ela mostra que um limite foi ultrapassado, que uma justiça foi cometida. Dizer “eu estou com raiva” é um primeiro passo. Diz-se, em seguida: “é preciso mudar as coisas”.

A raiva das mulheres é necessariamente progressista?

Historicamente, não: a raiva das mulheres brancas foi um fermento à opressão racial, e hoje ela faz parte integrante da “supremacia branca”. Desse modo, antes das eleições de 2016, os estudos mostravam que as mulheres brancas, em particular as conservadoras, mostravam o mais alto nível de ressentimento e de agressividade do país. Donald Trump foi eleito, as coisas então mudaram: a raiva passou do lado das mulheres progressistas. A eleição de Trump galvanizou mulheres que, até aquele momento não reclamavam de sua situação já que elas tomaram consciência que elas estavam ameaçadas. O Partido Republicano defende um sistema politico que foi construído por uma elite masculina branca. Se pegarmos como referência a participação das mulheres nos governos dos republicanos, os Estados Unidos se situam ao redor da 130ª posição no raking mundial em termos de paridade! Contudo, a raiva das mulheres não pôde impedir a nominação do juiz Kavanaugh à Corte Suprema. Sua confirmação é um golpe que as afetará ao longo de gerações.

Entrevista realizada por Valentine Faure e publicada edição de 15 de outubro do jornal Le Monde.

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