Liberation – 11/04
O professor de relações internacionais e política Gilbert Achcar teme as transições difíceis no Sudão e na Argélia em vista de experiências passadas, na Líbia ou no Egito em particular.
Originário do Líbano, Gilbert Achcar é professor de relações internacionais e política na School of Oriental and African Studies em Londres. Ele é autor de le Peuple veut (Actes Sud, 2013) e Symptômes morbides (Actes Sud, 2017).
Podemos falar de uma nova primavera árabe?
De fato, há um novo impulso revolucionário na Argélia e no Sudão. Não se deve esquecer que desde o ano passado houve episódios de revolta social na Tunísia, Marrocos e Jordânia. Assim vemos os sinais de um novo ascenso revolucionário. Porém, desde 2013, também estamos numa fase contrarrevolucionária. A situação na Líbia não está melhorando com a ofensiva de Khalifa Haftar contra Tripoli, que marca em certo sentido o regresso do antigo regime. Tampouco melhora na Síria e Iêmen, que estão em guerra civil, e no Egito. Estamos num momento contraditório. Há elementos de uma nova primavera, mas é mais uma fase de transição.
Quais são os pontos em comum entre os levantamentos argelino e sudanês?
Há duas categorias principais de países no mundo árabe. O primeiro reúne os estados que podem ser descritos como patrimoniais, com as famílias governantes que possuem o aparato estatal. Consideram o estado como sua propriedade privada. Este é o caso das oito monarquias do mundo árabe, onde o soberano é o rei, não o povo, mas também as repúblicas, como a Síria, ou o Iraque de Saddam Hussein, onde as famílias se apossaram do Estado. Nestes casos, não se pode imaginar uma remoção da família governante por parte das forças armadas. E se por casualidade alguns deles se unem ao levantamento, como na Síria ou na Líbia, então uma guerra civil se torna quase inevitável. A outra categoria de estados é neopatrimonial, cujas instituições têm relativa autonomia dos líderes. Este é o caso da Argélia e do Egito. O Exército é a principal instituição e tem o controle direto sobre o poder político que emana dele. Ele é quem faz e desfaz presidentes. O Sudão está numa categoria intermediária. Omar al-Bashir, que tomou o poder com um golpe militar tratou de mudar a forma do exército para controla-lo diretamente, igual fez Hafez al-Assad na Síria ou Muammar al-Gaddafi na Líbia. Sem finalmente poder fazê-lo totalmente. O exército foi capaz de derrota-lo.
Você teme que sejam transições difíceis?
Sim, certamente. Quando o povo quer derrubar um regime, o que quer mudar é na realidade toda a forma de funcionamento do estado, não só o seu presidente. Bouteflika e El-Bashir são somente a ponta do iceberg, por assim dizer, a grande massa permanece debaixo da superfície. Seus dois regimes se baseiam no Egito de Abdel Fatah al-Sisi e querem apresentar o exército como salvador da nação e ficar um pouco mais no poder. Também deve se recordar que o que eclodiu em 2011 é um processo revolucionário histórico que durará por décadas. Enfrenta-se bloco cultural, social e econômico que produz as taxas de desemprego mais altas do mundo, especialmente entre os jovens. Para consegui-lo, são necessárias mudanças radicais nas políticas econômicas que não veem em nenhuma parte, inclusive na Tunísia, onde a política econômica é uma continuidade do antigo regime. E seguimos com as receitas do FMI, suas políticas de austeridade e retirada de investimentos econômicos que são absurdos. A ideia de que o investimento privado se converterá num motor é ilusória. Nesta parte do mundo onde reinam a arbitrariedade, a instabilidade e o nepotismo, os fundos privados se convertem em dinheiro fácil e em especulação com a terra.
Você prevê outras revoltas?
Excetuando o Catar e os Emirados Árabes Unidos, onde cerca de 90% da população é estrangeira, nenhum país está imune a uma explosão, inclusive aqueles da primavera de 2011. A situação econômica é insuportável no Egito. O povo não vai às ruas, porque está assustado pelos resultados obtidos desde 2011. Voltaram à estaca zero ou pior. Mas quando veem o que está ocorrendo a seguir, no Sudão ou na Argélia, lhes dão valor. Cedo ou tarde, o movimento começará de novo. A indignação é geral.