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Cuba vive atualmente uma crise que só superada pelo Período Especial. Pelo menos é isso que a classe trabalhadora cubana percebe, vive e entende, quem não se preocupa com estatísticas, mas sim com o cenário diário, marcado por longas filas de longas horas e poucas mercadorias para comprar. Além disso, quando voltarmos à “normalidade”, encontraremos uma paisagem completamente diferente daquela que deixamos para trás; pior, porque mesmo antes disso havia uma crise aguda refletida na escassez de necessidades básicas.

Voltaremos à “normalidade” que será então marcada por ter, pelo menos, três meses de fronteiras fechadas. Portanto, a indústria do turismo terá perdido quase um milhão de clientes estrangeiros; se dermos um número conservador. A economia cubana desenvolveu uma dependência tão grande do turismo que este golpe vai mostrar, mais uma vez, como é perigoso estar ligado a um único setor econômico.

Quando as fronteiras forem reabertas, a economia global será mergulhada numa crise geral, só superada pela de 1929. Isso foi noticiado em jornais como The Guardian, New York Times e The Financial Times, uma imprensa não comunista. Além disso, dois dos nossos principais emissores de turista: Espanha e Itália, foram muito atingidos pela Covid-19. Portanto, se o turismo começar a voltar em outubro, normalmente na alta temporada, teremos de fato uma baixa temporada.

A este panorama devemos incluir as medidas contra Cuba lançadas por Donald Trump, que, embora pareça incrível, provavelmente ganhará as eleições presidenciais. Que a Venezuela precisa de combustível iraniano fala do fato de que não é mais o país de cujo combustível nós antes dependíamos. Em outras palavras, nossa “normalidade” futura será marcada por outra crise no transporte público.

A resposta do governo cubano a esta crise, segundo a Ministra de Finanças e Preços, é reduzir os gastos no setor que primeiro deixou de funcionar, ou seja, o setor cultural e todos aqueles setores que “não produzem”. Além disso, se chama à “liberação sem obstáculos das forças produtivas”. Os dois anúncios passaram quase despercebidos, uma combinação não muito estimulante.

Em grande parte, a maioria das pessoas não entende a seriedade do que significa “libertar as forças produtivas”, porque para a maioria das pessoas o marxismo, o leninismo e a economia política, assuntos que recebemos em todos os níveis da Educação Secundária e em todas as carreiras universitárias, geralmente caem em tédio e dogma. Marx só aparece no jornal Granma durante os aniversários de seu nascimento e morte.

Foi então esquecido que uma parte importante das forças produtivas é constituída pelos meios de produção. Ou seja, os instrumentos de produção, sejam eles tesouras, martelos ou tratores; fábricas, padarias ou hotéis, tudo o que serve para produzir, além de matéria-prima.

Também foi esquecido que, para que os meios de produção cumpram o seu objectivo, devem ser postos em marcha pela força de trabalho humana. Ou seja, por causa de nossas capacidades físicas e intelectuais: a outra parte das forças produtivas.

Portanto, só há duas maneiras de entender a libertação das forças produtivas. Ou é lançado no sentido socialista, ou, é lançado em benefício das “PMEs” [pequenas e medias empresas]; outro belo eufemismo hoje muito popular que, juntamente com o mau uso de empresários ou autônomos, são o melhor recurso para evitar dizer: burguesia.

Esses terríveis eufemismos fizeram a sociedade cubana pensar que o velho vendedor de doces é tão trabalhador quanto um dono de cafeteria. A diferença está no fato de que o trabalhador é aquele que vive da sua força de trabalho – seja vendendo-a ou usando-a para si mesmo -; e o burguês vive da mais-valia resultante de quando o trabalhador o vende – através da mão-de-obra assalariada – a força de trabalho que põe em movimento os meios de produção, de propriedade do burguês. A mais-valia, que não só satisfaz as necessidades físicas e espirituais do burguês, como também a utiliza para gerar mais mais mais-valia.

Se, para maior esclarecimento, dizemos que o trabalho acontece quando a força de trabalho é vendida, vemos que quando o dono de um refeitório compra do universitário sua capacidade física para resistir 12 horas atrás de um balcão, e também sua capacidade intelectual para poder receber o peso conversível e dar troco em moeda nacional, então é o estudante, o vendedor de sua força de trabalho, que trabalha, e não o burguês. Enquanto isso, a vendedora de amendoim trabalha apenas para ela: ou seja, ela é autônoma.

Por outro lado, se liberarmos as forças produtivas no sentido socialista, devemos liberar os meios de produção da gestão centrada no Estado, enquanto libertamos a classe trabalhadora dos burocratas que decidem por ela nas empresas. Em outras palavras: alcançar a tão desejada gestão operária.

A outra visão, a que beneficiaria o setor privado, é perfeitamente descrita pela economista Camila Piñeiro Harnecker quando diz que a tendência economicista é a de “libertar as forças produtivas com um maior espaço para as empresas privadas e o mercado”. Mas isto, por que seria. Tomemos um caso concreto de uma força produtiva como um todo: um hotel e seus trabalhadores. O que significa liberar essas forças produtivas? Ter seus próprios trabalhadores, em plena igualdade, administrando o hotel, ou, permitir que o hotel – isto é, a indústria do turismo – seja liberado dos “obstáculos” necessários para que o setor privado cubano faça parte de sua administração?

A liberação das forças produtivas também pode significar que, como na China ou no Vietnã, grandes empresas privadas podem existir. Não é necessariamente para privatizar os meios de produção estatais, mas para permitir que um burguês possa construir sua própria empresa sem sofrer limites em sua expansão.

Libertar as forças da produção também poderia ser o que Fidel fez em meados dos anos 90: libertar aquele Estado obeso do fardo de ter que ser vendedor de amendoim, barbeiro e taxista. Mas isso é algo que já foi feito.

E o que há de errado com a burguesia cubana fazer parte da administração hoteleira ou construir grandes empresas e até mesmo negociar diretamente com empresas estrangeiras, como acontece no socialismo chinês e vietnamita? Em outras palavras, o que há de errado com o crescimento e expansão da burguesia, se o Estado socialista supostamente a controlará?

Se olharmos ao nosso redor, vemos que na esfera pública, geralmente há duas posições bem definidas sobre como construir o socialismo cubano. A primeira, e majoritária – embora não necessariamente bolchevique – é daqueles que entendem que o socialismo cubano será próspero e sustentável, desde que cresça uma burguesia controlada pelo Estado. A burguesia que vai gerar emprego e riqueza que um Estado efetivo saberá colocar em função da sociedade. Eles acreditam que, com isso, a burocracia também perderá o controle político e haverá um enfraquecimento significativo da censura, ao mesmo tempo em que nascerá um cenário favorável para a expansão da sociedade civil. Eles esquecem que a China é um dos melhores exemplos de censura generalizada e eficaz.

A outra postura sobre como construir o Socialismo é caracterizada por ser mais do que apenas leal ao Partido. Eles nunca o questionam diretamente, apenas apontam “certos erros”, sempre dentro do permitido e orientado. Eles entendem que, embora por enquanto a burguesia em nosso país seja um mal necessário, o caminho Deng Xiaoping-Doi Moi não é o que Cuba deve seguir – e têm razão sobre isso. Mas eles atacam a mídia que nasceu com a ascensão da burguesia, pensando que esses sites, esse jornalismo alternativo, esses blogs, são os principais inimigos da Revolução. E eles esquecem que o inimigo de classe é a burguesia. Que seu meio de expressão é apenas um produto dela, neste caso, um produto indireto do Estado socialista que deu origem à burguesia cubana. E como essa conclusão só é alcançada fazendo uma crítica direta ao Estado, acabam ficando dentro do campo da censura: desqualificando esses meios de comunicação – ainda que às vezes não tenham relação direta com a burguesia -, fazendo total silêncio quando outro caso de censura vem à tona – porque acreditam, que, por não compartilharem as idéias dos censurados, não têm nada a dizer e muito menos a defender -; e rotulando a maioria deles como sendo pagos pelo imperialismo.

Eles também pensam, e o dizem sinceramente, que fazem parte do Estado – embora às vezes o sejam, e daí seu comportamento; e pensam – embora pareça incrível! – que a sociedade civil é uma arma para dividir a classe trabalhadora.

Mas eles são – sempre que não haja algum ou alguma oportunista – defensores honestos do Socialismo cubano, algo que infelizmente é escasso e muito necessário. Mas, ao não querer fazer qualquer crítica fundamental ao Socialismo cubano, não sabem como, nem podem, criticar os principais problemas que a expansão da burguesia tem gerado: profunda desigualdade e conseqüente gentrificação, ao mesmo tempo em que tem tido um duro impacto na consciência da classe trabalhadora, já que a visão de que a nova burguesia cubana é um modelo de sucesso a ser seguido está se difundindo cada vez mais.

Em essência, esse impacto se deve ao empobrecimento crítico das políticas culturais, deixando a periferia da capital e a maioria das cidades do interior do país às custas do modelo cultural burguês, que apenas exacerba o individualismo, o lucro e a deterioração progressiva da consciência revolucionária.

É uma desigualdade onde os bens – cada vez mais escassos – que a classe trabalhadora precisa para ter uma vida honesta – acabam quase desaparecendo, porque são consumidos por empresas privadas, que obviamente necessitam de níveis mais altos de consumo; e a inflação dispara e as filas se alongam. Além disso, como maior parte da propriedade privada deste país está concentrada no setor de serviços, esta classe burguesa monopoliza produtos de alimentação e higiene para aumentar seu capital. Esse problema é exacerbado pela ausência de um mercado atacadista eficiente que atenda às necessidades dessa classe, porque neste momento Cuba não tem capacidade produtiva para assumir um mercado atacadista. Portanto, não será a expansão da propriedade privada que nos libertará da escassez.

Em geral, vemos que hoje na esfera pública geralmente existem dois tipos de posições: por um lado, aqueles que querem menos presença do Estado na economia, mais sociedade civil e mais propriedade privada; por outro: aqueles que querem mais controle estatal, menos sociedade civil e menos propriedade privada.

Marx nos ensinou que a história da humanidade é a história da luta de classes e que essa luta é dada pelo confronto da classe trabalhadora contra a burguesia. Portanto, Marx é a base de todo o nosso pensamento. Lenin nos trouxe a idéia de que, enquanto o Estado existir, não seremos livres e que seremos livres quando não houver Estado; Alexandra Kollantai: a emancipação da classe trabalhadora implica a emancipação da mulher; Rosa Luxemburgo: devemos impedir que a ditadura do proletariado se torne ditadura do Partido; Trotsky: que o partido no poder em um Estado socialista pode trair se tornando uma burguesia; Gramsci: O socialismo também é construído – e se torna necessário – com a sociedade civil; Che Guevara: o dever de todo revolucionário é fazer com que a Revolução a espalhe pelo mundo; Fidel: O marxismo não pode ser concebido nem como igreja, nem como doutrina religiosa, nem como dogma; e, ao mesmo tempo, mostrou-nos que a libertação completa do ser humano passa por uma transformação completa da cultura.

Mas tudo isso não implica que somos seguidores únicos de apenas uma dessas figuras revolucionárias: somos exclusivamente comunistas. Também não afirmamos que somos os verdadeiros herdeiros da ideologia comunista.

Embora, mesmo e explicando essa nossa posição, sabemos que sempre haverá mentalidades fechadas, que devido às próprias limitações impostas pelo dogma, só serão capazes de nos ver como trotskistas, castristas, neo-revolucionários ou neoleninistas. Mas nenhuma dessas classificações nos ofende.

Nosso inimigo de classe não é uma organização política marxista, como muitos discursos mostram insistentemente que apenas provocam a desunião, repetidamente, da classe trabalhadora. Discursos baseados em disputas arqueológicas, que muitas vezes a militância não entende o porquê e se repete acriticamente. O inimigo de classe é a burguesia. Apesar de todos os erros que cometeram, as organizações marxistas revolucionárias têm em comum sua luta contra o capitalismo e o comunismo. Nesse caso, estamos com elas: com todas elas.

A unidade da classe trabalhadora, sempre respeitando a democracia dos trabalhadores, é a principal ferramenta para o triunfo de uma revolução em todo o mundo. Lamentamos informar algumas organizações que hoje é impossível para uma única organização, acima de todas as outras, fazer o comunismo triunfar. Tentar impor uma organização acima da outra na construção do poder revolucionário só levará à repetição de erros terríveis. Somente a unidade plural da Revolução terá sucesso em fazer a Revolução triunfar.

Nascemos no meio de um cenário único. Quando essas palavras são escritas, pela primeira vez, a economia global é paralisada por uma pandemia; a tal ponto que experimentaremos a maior recessão após a Segunda Guerra Mundial. Enquanto isso, nos Estados Unidos, as ruas pegam fogo e Cuba volta a uma crise apenas em comparação com a crise da década de 90 do século passado; ao mesmo tempo tentam liberar as forças produtivas, mas não exatamente no sentido de socializá-las.

Por isso nasceu o blog Comunistas. Porque queremos ser uma plataforma de expressão e encontro para as vozes que entendem que, hoje, para a construção do socialismo cubano, é necessário:

Mais apoio do Estado aos setores de assistência social, educação, cultura, campo e saúde; maior controle da classe trabalhadora sobre os meios de produção, menos propriedade privada, menor presença do Estado nas liberdades de expressão e criação e maior desenvolvimento da sociedade civil.

Nossa luta também será contra o heteropatriarcado e todos os tipos de discriminação racial, étnica, geracional, econômica, física e política.

Mas o fato de sermos uma plataforma para essas idéias não implica que somos reprodutores de uma única ideia. Portanto, focados em estimular o debate necessário e urgente para o enriquecimento de nossa sociedade, aceitaremos todo tipo de colaboração, de Cuba ou do exterior. Enquanto elas estiverem no amplo campo à esquerda, esse é o nosso único condicionamento: nós os receberemos e publicaremos. No belo e desejável caso de termos critérios divergentes, que certamente serão na maioria dos casos, não apenas tornaremos evidentes na nota típica que o Conselho Editorial não compartilha necessariamente as opiniões deste artigo, mas as seguintes a publicação será nossa resposta e o início de duas, três e muitas discussões.

Finalmente, já no meio da produção deste blog, recebemos as notícias da grande rebelião que eclodiu nos Estados Unidos da América. Para aqueles que estão nas barricadas, estendemos nosso mais profundo apoio e admiração internacionalista.

Esta será a nossa linha editorial.

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