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Fonte: La Jornada | 11/07/2020 | Tradução: Antônio Neto

Estamos nos aproximando das eleições presidenciais na Bolívia. Uma data que se repete em menos de um ano, na qual absolutamente tudo aconteceu: uma nova presidente sem votos, resultado de um golpe de Estado; grande convulsão política e social, Evo Morales no exílio, mudanças no Órgão Eleitoral, muitas decisões substanciais em assuntos econômicos e internacionais, novas eleições com muitas caras novas e, ainda por cima, uma pandemia de grandes dimensões.

Como tanta densidade de acontecimentos notáveis em tão curto espaço de tempo, torna-se realmente complicado caracterizar o atual cenário eleitoral. Quase nenhum acontecimento ainda teve tempo suficiente para deixar sua própria marca. Os acontecimentos têm se sobreposto, um após o outro, o que significa que estamos diante de um momento altamente incerto, um tempo de disputa cheia de contradições, algumas criativas e outras destrutivas, sem saber qual será o sentido da reordenação político e eleitoral resultante deste magma boliviano.

A última pesquisa CELAG, somada a outras quatro realizadas neste último ano, nos ajudam, em parte, a dispor de algumas pistas e descobertas para decifrar o complexo quebra-cabeça político-eleitoral na Bolívia. Eis aqui alguns eixos-chave:

  1. A Presidente interina Áñez foi fagocitada por sua própria gestão. Sua imagem positiva está decaindo (26,6%), enquanto aumentam o descontentamento com a gestão da economia (65%) e da pandemia (60%). Some-se a isto o sentimento majoritário de que tratasse de um governo corrupto. Tudo indica que Áñez já acabou, e a grande dúvida é se ela chegará ao final de seu governo ou se entregara o cargo antes. Isto dependerá de como ela queira e possa negociar, e com quem.
  2. A população boliviana segue empobrecendo sem que ninguém o impeça. Em muito pouco tempo, houve uma reclassificação econômica negativa. 38% deixaram de receber a totalidade de sua renda e 52% deixaram de receber parte dela. Há uma maioria (64%) que considera que as ajudas econômicas do atual governo atual foram insuficientes.
  3. Apesar de tantos altos e baixos, persiste uma matriz de opinião progressista. 70% são contra a privatização de serviços básicos e setores estratégicos; o papel do Estado na economia é valorizado (74%); há um desejo de expandir o sistema único de saúde pública (90%); uma grande maioria é favorável à suspensão do pagamento da dívida e à renegociação (62%), e até mesmo à suspensão do pagamento e à exigência de perdão (21%); e um grande apoio para um imposto que afete os super-ricos (64%).
  4. Nem o golpe de Estado, nem a repressão, nem a perseguição judicial e midiática conseguem fazer desaparecer a principal força política do país. Até hoje, o candidato do MAS, Luis Arce, conta com uma intenção de votos de 41,9%. Seu principal adversário, Carlos Mesa, está muito atrás, com 26,8%.
  5. O voto útil será novamente o grande ator nas próximas eleições. Para qual direção se decantaram? Para qual direção irá este “voto contra todos”? Tudo depende do eixo plebiscitário que se imponha nesta reta final de campanha. Certamente, com os números nas mãos, Arce precisa de muito menos para vencer no primeiro turno do que Mesa precisa forçar um segundo. Arce ainda poderia conseguir convencer um setor que não tem uma opinião definida sobre ele, e também poderia atrair os eleitores do candidato Chi Hyun Chung, devido à sua proximidade em termos de algumas ideias e propostas. Ele tem a seu favor o voto útil para que um modelo econômico empobrecedor não prevaleça. Do outro lado estará Mesa, que tentará chamar o voto útil para que o MAS não vença. Nas eleições de outubro do ano passado, funcionou para ele para crescer, mas não o suficiente para forçar um segundo turno. Ele ficou 10,3 pontos atrás. Agora uma situação semelhante pode se repetir, com a particularidade de que existe Camacho, o candidato de ultradireita de Santa Cruz, que poderia ganhar parte dos votos perdidos por Áñez e que, além disso, é muito mais beligerante contra qualquer proposta que venha do oeste do país, mesmo as que venham de Mesa.

Resta pouco tempo na campanha eleitoral. Entretanto, dado o ritmo dos acontecimentos na Bolívia, podemos dizer que ainda há um longo caminho a percorrer. Ainda há muito a ser visto. O que é claro é que a economia, no sentido mais cotidiano do termo, será central. E também é certo que aqueles que foram – ativa ou passivamente – responsáveis pelo golpe de Estado não terão remado tanto para deixar que MAS ganhe novamente tão facilmente. Esperemos que as eleições sejam limpas e sem qualquer tipo de proscrição. Veremos.

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