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FONTE: Al Jazeera | 04/08/2020 | TRADUÇÃO: Charles Rosa

Quando o estudante universitário e o ativista John Cerna Zuniga foi detido em 28 de fevereiro e depois sentenciado a 12 anos de prisão por tráfico de drogas, o surto de coronavírus estava apenas começando a ser notícia mundial.

Cinco meses depois, e o estudante de engenharia de 24 anos está definhando numa cela superlotada em La Modelo, uma das prisões mais duras da Nicarágua, aterrorizada pelo vírus que já matou mais de 200 000 pessoas somente na América Latina e 690 000 em todo o mundo.

Sua história é ilustrativa de um padrão trágico de encarceramento de pessoas de mentalidade opositora na Nicarágua que as organizações de direitos humanos tem documentado desde os protestos massivos de 2018. Há mais de 90 ativistas encarcerados por acusações falsas.

A administração de Daniel Ortega é acusada de utilizar o poder judicial para castigar as pessoas que se atreveram a criticar suas políticas e suas práticas.

Em 2018, quando milhares em todo o país saíram às ruas para exigir liberdade e respeito por seus direitos humanos, mais de 300 pessoas foram assassinadas, a maioria pelas mãos das forças de segurança e grupos armados pró-governamentais. Milhares de pessoas resultaram feridas, dezenas arbitrariamente detidas e dezenas de milhares forçadas ao exílio, onde ainda muitos permanecem. Foi o começo de uma onda de protestos que continua até hoje.

Desde então, as autoridades nicaraguenses atacaram implacavelmente a qualquer um que se atreva a participar de qualquer forma de protesto ou crítica ao governo. Os ativistas, e inclusive os médicos que tentam combater uma pandemia minimizada pelo governo de Ortega foram castigados com perseguição e inclusive demissões.

Os líderes estudantis como Cerna se encontra entre as vítimas da “temporada aberta” contra aqueles que se negam a se alinham.

Elton Ortega Zuniga, uma advogado que representa alguns dos estudantes e ativistas, nos disse que o governo costumava acusar os ativistas de delitos complexos, como terrorismo e crime organizado, mas agora se centram em delitos comuns, como a suposta posse de drogas, como parte de uma estratégia para desacreditar os ativistas.

O desmoronado sistema penitenciário da Nicarágua, que está abarrotado e carece de água potável, alimentos e atenção médica adequada, parece ser um castigo apropriado por defender os direitos humanos.

Cerna disse recentemente a seu companheiro, uma das pessoas que costumam visitá-lo e trazer-lhe alimentos e produtos de limpeza a cada duas semanas, que está compartilhando uma cela de vinte cinco metros quadrados com outras 22 pessoas. Frequentemente ele dorme numa rede improvisada com lençóis. Os prisioneiros dormem, cozinham, comem em suas celas e passam somente uma hora do lado de fora.

Desde o final de março, a pandemia converteu uma situação desesperadora em uma potencialmente catastrófica. As pautas básicas de segurança e de distanciamento físico são impossíveis de seguir nas celas abarrotadas, onde a água é apenas suficiente para beber, e muito menos para se limpar.

Numa aparente tentativa de demonstrar que estão sendo tomadas medidas, as autoridades nicaraguenses libertaram 4515 pessoas entre abril e maio, e outras 1605 em julho. Cerna, o qual, segundo sua família, sofre de uma enfermidade pulmonar, epilepsia e tem uma costela quebrada, não foi um dos afortunados. Tampouco foi contemplada a maioria dos outros ativistas detidos por acusações falsas.

Em meados de julho, as autoridades liberaram quatro ativistas, um movimento bem-vindo, mas algo que não chega suficientemente longe como para proteger a vida das pessoas que nunca deveriam ter sido encarceradas em primeiro lugar.

Em abril, Rupert Colville, porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, instou aos estados a libertar “todas as pessoas detidas sem base jurídica suficiente, inclusive os presos políticos, e os detidos por opiniões críticas e dissidentes”. Mas as ações das autoridades nicaraguenses mostram que há dois tipos de prisioneiros no país centro-americano: aqueles cujas detenções têm motivações políticas e o restante.

Nas últimas semanas, familiares de prisioneiros que permanecem encarcerados nos contaram histórias de horror sobre o barulho de tosses, as febres e as dores corporais que se espalham dentro dos muros da prisão.

Os médicos advertem que as consequências de não se tratar a enfermidade causada pelo vírus podem levar a severos impactos para a saúde a longo prazo. Entretanto, segundo os advogados com os quais falamos, em vez de ser examinados, os prisioneiros na Nicarágua frequentemente ouvem que têm “apenas um resfriados” e são acusados de mentir. “Dizem a eles que os sintomas são psicológicos”, nos contaram os advogados de um preso.

O surto de COVID-19 piorou a crise de direitos humanos na Nicarágua e agora ameaça a vida de dezenas de ativistas.

Astrid Valencia é pesquisadora sobre a América Central na Anistia Internacional.

Josefina Salomon é uma jornalista da Cidade do México que informa sobre temas de direitos humanos em todo o continente americano.

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