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FONTE: Sputnik News | 20/08/2020 | TRADUÇÃO: Charles Rosa

Na terça-feira, 18 de agosto, deixou um novo saldo trágico na Colômbia. Três comuneros indígenas do povo Awá foram assassinados no município Ricaurte, do departamento de Nariño, enquanto dois jovens foram torturados e assassinados em El Patía, departamento do Cauca, e além disso foi assassinado um líder social, Jaime Monge, em Villacarmelo, zona rural de Cali.

Tais mortes foram notícia poucos dias depois de outras que comoveram ao país. No sábado, 15 de agosto, oito jovens foram baleados no município de Samanaiego, Nariño; na quinta-feira, 13 de agosto, foram assassinados dois indígenas Nasa em Corinto, Cauca; em 11 de agosto, cinco adolescentes resultaram assassinados em Llano Verde, ao sudoeste de Cali, enquanto um líder social afrocolombiano foi assassinado no Chocó; e em 8 de agosto, no município Leiva, Nariño, dois estudantes que se dirigiam a seu colégio foram assassinados.

A onda de massacres se tornou inocultável na Colômbia. Segundo Nações Unidas, até o dia 16 de agosto, haviam sido documentadas 33 massacres e sete restavam por documentar. Um total de 40 às quais devem se somar as de terça-feira, 18 de agosto, chegando assim a 42.

“O tema é sistemático e a nível geral, não há uma região onde se concentre este tipo de ações, mas que se estendem em qualquer parte do território nacional”, aponta ao Sputnik Fabián Laverde, integrante da Comissão de Direitos Humanos da Cúpula Agrária, Camponesa, Étnica e Popular.

Os massacres se deram em várias partes do país: Nariño, Cauca, Antioquia, Norte de Santander. Nesse último departamento ocorreram neste ano, segundo Wilfredo Cañizales, membro da Fundación Progresar; cinco massacres com 29 pessoas assassinadas, das quais 17 o foram na zona metropolitana de Cúcuta, cidade fronteiriça com a Venezuela.

Modus operandi


Os relatos, imagens, vídeos, dão conta de cenografias do horror: esquartejamentos, decapitações, fuzilamentos.

Diferentemente de outras épocas, não há uma reivindicação pública de quem são os autores. “Já não são grandes grupos os que atacam as populações, ainda que se saiba que são grandes grupos os que têm controle territorial, mas três ou quatro pessoas que cometem os atos de sicariato, matanças, tem a ver com a camuflagem, sair rápido, mudar as versões”, conta Laverde.

As operações se dão em combinação de armas longas e curtas, quem chega pode fazer isso vestido de civil, “buscam despistar”. Assim o Estado e a Força Militar afirmam que são “casos isolados, situações que repentinamente se produzem”. Contudo, segundo Laverde, “está claro que é uma situação sistemática”.

Segundo o Governo, quando se reconhece a existência de um massacre, como no caso de Samaniego, sempre são os mesmos autores e razões: narcotráfico, dissidências das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia e o Exército de Libertação Nacional (ELN).

Não aparece, no discurso oficial, a existência do paramilitarismo: “Existe uma negação por parte do Estado colombiano, e essa negação se converte em oportunidade, não existe um inimigo declarado publicamente com essas características, quase tudo se atribui a dissidências e insurgências”.

No entanto, o paramilitarismo existe. No caso do Norte de Santander, Cañizares denunciou publicamente que os três últimos massacres foram obra do grupo Los Rastrojos, composto por cerca de 150-200 homens.

O grupo armado se encontra em processo de expansão e reagrupamento do lado colombiano, depois de ter sido expulso da Venezuela pelas forças de segurança do Estado. Em fevereiro de 2019, foram justamente os responsáveis por fazerem cruzar Juan Guaidó da Venezuela para a Colômbia, feito que ficou registrado em fotografias.

Razões

O acordo de paz entre as FARC e o Governo colombiano foi assinado em 2016. “No pouco que restou consignado foi descumprido por parte do governo nacional”, explica Laverde. Assim, por exemplo, mais de 200 ex-combatentes assinantes do acordo de paz foram assassinados em condição de desamparo.

A assinatura não significou no final do conflito: “Acreditamos que há uma reconfiguração dos atores no conflito, dos grupos armados, por mais que o Governo diga que não existe um conflito armado”.

Parte dessa reconfiguração se expressa em que vários dos massacres “ocorrem em zonas onde houve presença das FARC, há um aproveitamento da ausência deste grupo armado no território”.

O mapa dos massacres indica que se trata de zonas, muitas vezes, marcadas pela dinâmica das plantações de cultivos ilícitos, mas é também mais do que isso: “rotas estratégicas, mineração ilegal, megaprojetos, posição geoestratégica das regiões”.

Os massacres podem suceder por duas razões principais. Em primeiro lugar, por enfrentamentos entre grupos armados que disputam o controle dos territórios. Em segundo lugar, como implementação de uma estratégia para aterrorizar as populações e controlar territórios.

O mapa de massacres se articula com o dos assassinatos de líderes sociais, indígenas, camponeses, defensores de direitos humanos. “Buscam exterminar as expressões do movimento social”, ou seja, entre outras coisas, as pessoas que aparecem como um obstáculo para o desenvolvimento dos interesses econômicos do narcotráfico, a mineração, entre outros negócios.

Por isso, os assassinatos não são de pessoas ao azar: “Têm algum nível de relevância no marco das relações organizativas, políticas, caso de organizações sociais, integrantes de cabildos indígenas, zonas de reservas indígenas, atrás do perfil por muito baixo que seja deste cidadão há uma afetação que está dirigida a um coletivo específico que se converte num inimigo do ator armado”.

Desde a assinatura dos acordos, em 2016, até a data, já foram assassinados quase 1 000 líderes sociais.

E o Estado?

Laverde destaca um elemento central: “As regiões onde mais estiveram dando estas situações é onde existe maior presença militar, seja com presença do exército nacional ou qualquer dos componentes armados institucionais”.

Não se trata então, de como se poderia supor, de zonas necessariamente abandonadas pelo Estado, ao menos em termos armados. A ausência é, sim, em temas sociais: “O Estado não tem uma incapacidade frente ao controle territorial, todo o tempo o manteve, mas pela via militar, não por investimento social, programas de desenvolvimento, fortalecimento dos processos organizativos, centros de saúde, escolas”.

A resposta do Estado ante os massacres é a mesma: maior militarização. E as Forças Militares da Colômbia, em vez de aparecer como transparentes, estão na mira de várias investigações. Assim, por exemplo, foram acusadas nos últimos meses por escutas ilegais – denominadas “chuzadas” -, a violação de uma menina indígenas de 13 anos por parte de sete soldados do Exército, e o assassinato dos dois indígenas Nasa em 13 de agosto.

Se existe uma grande presença militar nos país, como pode explicar-se que se aumentem os massacres desta maneira, sendo assassinados sempre os mais pobres? Laverde explica que, por exemplo, no caso dos cultivos ilícitos, trata-se de “uma cadeia produtiva em função de alguns poucos, esses poucos são os poderosos, os que traficam, tiram, intercambiam, fazem negócios com mercenários”.

Os que plantam, em contrapartida, são camponeses, “que não têm outra opção pois o Estado não respalda projetos sérios ou que lhes signifique excedentes”. Ataca-se assim a quem planta coca, mas “não acontece o mesmo com o narco que a centraliza e exporta”.

Esses poucos e poderosos são conhecidos: “o Estado colombiano através das Forças Militares sabe em seus territórios quem exerce controle”. Existe, portanto, segundo a análise de muitos, uma cumplicidade ou aliança entre organizações paramilitares e as estruturas do Estado.

O novo plano “Gran Colômbia”?

Esta lógica militarista não é nova, “vem desde o Plano Colômbia”, assinado entre Estados Unidos e Colômbia em 1999 que trouxe, entre outras coisas, o aumento do paramilitarismo e dos massacres. E tudo indica que isso será reforçado, já que, enquanto se sucediam os massacres, em 17 de agosto, Duque assinou com Robert O’Brien, assessor presidencial de Segurança Nacional dos EUA, o Plano Colômbia Cresce, que foi definido pelo presidente como “uma nova fase do Plano Colômbia”, uma estratégia “para que o país, junto aos Estados Unidos, possamos seguir trabalhando”.

“Está clara a intencionalidade de retomar acordos e ativá-los de maneira muito acelerada com o governo estadunidense, o que se gera é uma escusa para sustentar o discurso e assim justificar a intervenção militarista e a ingerência. É o desenvolvimento de políticas norte-americanas com o discurso de narcotráfico”.

A espiral de massacres e assassinatos mostra outra vez o rosto de um país atravessado por um conflito armado que se reconfigura, onde as vítimas são camponeses, jovens, indígenas, defensores de direitos humanos. O Estado novamente, e neste caso o Governo de Iván Duque, voltar a estar sob o manto de suspeita por não por um freio à situação e por sua possível cumplicidade, por ação ou omissão.

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