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PALESTINIAN-ISRAEL-CONFLICT-UAE-US-DIPLOMACY-DEMO
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FONTE: Nueva Sociedad | Agosto de 2020 | TRADUÇÃO: Charles Rosa

A linguagem empregada no comunicado do Likud – o partido governante israelense – para saudar o acordo entre Emirados Árabes Unidos e Israel com o fim de estabelecer plenas relações diplomáticas diplomáticas dizia isso: o ajustado é “paz é paz” e o “o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu segue comprometido com Eretz Israel”. A noção “paz por paz” era um tiro por elevação contra as fórmulas da Organização das Nações Unidas (ONU) e o campo da paz israelense plasmadas na resolução 242, a qual insta ao estado hebreu a abandonar os territórios conquistados durante a guerra dos Seis Dias de 1967 e, em troca de tal retirada, conseguir uma paz duradoura com seus vizinhos. Quanto a “Eretz Israel” (“Terra Prometida”), o mesmo é toda uma declaração de princípios territoriais israelense e seu partido. Significa “Terra de Israel” e se refere à atual extensão do Estado de Israel junto ao território de Cisjordânia (pelo menos).

A declaração do Likud – que dominou a cena política do estado por 32 dos últimos 43 anos – não é nova e replica sua própria plataforma eleitoral de 1999 (vigente e nunca alterada): “O governo de Israel rejeita rotundamente o estabelecimento de um estado árabe palestino a oeste do rio Jordão”, “as comunidades judias de Judeia, Samaria [o nome bíblico com o qual os judeus se referem a Cisjordânia] e Gaza são a realização dos valores sionistas” e “o assentamento é uma expressão clara do direito inexpugnável do povo judeu à ‘Terra de Israel’”.

Na quinta-feira, 13 de agosto, Israel e Emirados Árabes Unidos alcançaram um acordo negociado por Washington para normalizar as relações entre os dois países. Não é um tratado de paz como os firmados por Israel com o Egito em 1979 e com a Jordânia em 1994 – dois países com os quais os israelenses tiveram conflitos bélicos – nem tem sua significância. O acordo com o Egito pôs fim a uma disputa bélica com o exército mais poderoso e grande do mundo árabe e o assinado com a Jordânia terminou com a preocupação israelense sobre a defesa de seu limite mais extenso e poroso.

O que agora conseguiu realmente Israel com o “Acordo Abraham” é um roteiro para normalizar laços com um Estado do Golfo com o qual nunca viveu uma conflagração e com o qual já possui importantes contatos de inteligência além de um considerável comércio de armamento e produtos de segurança que ascende aos dois bilhões de dólares por ano. Em poucas palavras: ambos puseram acima da mesa o que já vinha sucedendo debaixo dela.

O argumento público esgrimido pelos emiradense para negociar com Israel é que o acordo conseguiu comprometer a este último a suspender (não cancelar) os anunciados planos de anexação de parte da Cisjordânia. O certo é que a questão da anexação (que nunca se materializou tanto pela ambivalência estadunidense como pelas próprias dúvidas de Netanyahu) é a desculpa perfeita para que o Emirados Árabes Unidos se atreva a tomar uma decisão pendente há tempos. Assim mesmo, Donald Trump anota um importante triunfo diplomático – anterior às eleições presidenciais de novembro – como não teve outro em seus quatro anos de gestão. E por último, mas não por isso menos importante, Netanyahu consegue, num complicado contexto interno, o que não conseguiu nenhum líder israelense antes que ele: reconhecimento árabe sem que a questão palestina esteja no tabuleiro de negociação (no acordo com Egito se contemplava uma “autonomia” palestina e o assinado com Jordânia vinculava diferentes artigos do tratado ao processo de paz israelense-palestino).

A verdadeira explicação do por que do acordo é preciso buscá-la na preocupação conjunta de emiradenses e israelenses ante novos polos de poder regional: o Irã e o eixo Turquia-Catar. Do Irã xiita lhes preocupa sua avanço sobre o Oriente Médio e da Turquia-Catar a ativa promoção do islamismo político junto a suas intervenções na região. É pertinente recordar que depois da Primavera Árabe de 2011 se articularam dois claros bandos como consequência dos levantes cidadãos: Turquia e Catar, que consideraram que se vinha uma mudança inexorável em relação ao islamismo que era melhor tratar de conduzir que repelir; e Emirados Árabes e a Arábia Saudita que viram esse movimento como um fato desestabilizador para a região e seus sistemas de governo. Estes últimos não somente acreditaram que o mundo árabe não estava preparado para uma democracia que pavimentaria o acesso ao poder dos islamistas, mas também reafirmaram sua ideia de que os ditadores locais (dispostos a usar todo seu poder repressivo) eram a última linha de defesa para deter o islamismo e a instabilidade na zona.

O importante apoio emiradense ao golpe de estado no Egito em 2013 contra o governo democrático da Fraternidade Muçulmana foi a primeira ação de uma disputa que se estende até hoje e que incluiu tanto a intervenção no Iêmen em 2015 como o bloqueio contra o Catar em 2017. Um claro exemplo desta disputa pode ser observado quando na sexta-feira passada o presidente turco Recep Tayyip Erdoğan anunciou que estava considerando retirar seu embaixador dos Emirados Árabes Unidos pelo acordo com Israel. O que pareceu não recordar o mandachuva da Turquia – apesar de que os contatos com os israelenses vêm deteriorando-se desde a guerra em Gaza de 2009 e o incidente naval com o Navi Narmara um ano depois – é que seu país foi o primeiro da região em reconhecer ao estado judeu e que ainda hoje conserva com ele relações comerciais e diplomáticas.

Por trás de toda a jogada nos Emirados Árabes Unidos está a mente do príncipe herdeiro de Abu Dhabi, Mohammed Bin Zayed, que gera todas as fileiras na atual confederação dos antigos Estados da Trégua. Os numerosos oficiais estadunidenses que cultivaram uma importante relação de confiança com MBZ (como é conhecido Bin Zayed) consideram isso o verdadeiro estrategista atrás do bloco das monarquias árabes do Golfo que integra junto ao príncipe herdeiro saudita, o midiático Mohammed Bin Salman.

MBZ é também o responsável por ter reformado radicalmente as forças armadas dos Emirados Árabes Unidos, que contam com uma poderosíssima força aérea. Inclusive MBZ se atreveu a dar uma demonstração de sua audácia quando rompeu o embargo armamentístico da ONU sobre Líbia para começar a armar militarmente ao general Khalifa Haftar (um mini Gadafi em processo) em sua cruzada contra o governo islamista reconhecido pela comunidade internacional. Por sua vez, também fartas mostras de sua independência ao desestimar todos os pedidos estadunidenses de finalizar seu conflito com o Catar, território onde se encontra a mais importante base aérea dos Estados Unidos na zona.

Enquanto “Bibi” Netanyahu consegue escapar de uma anexação da qual nunca esteve muito convencido – a qual podia prejudicar Israel mais do que beneficiá-lo – e Abu Dabi logra conformar um bloco de poder frente a uma possível mudança na administração estadunidense, os que voltaram a ser olvidados são os palestinos. Em nenhuma parte do ajuste figura qualquer referência ao estabelecimento de um Estado palestino ou à não construção de assentamentos em território no marco de uma ocupação questionada pela ampla maioria da comunidade internacional.

Os Emirados Árabes Unidos simplesmente premiou e normalizou o status quo israelense. Precisamente, o status quo sempre foi a opção preferida pelas forças políticas de Israel. Suas vantagens sempre estiveram claras: não é necessário retirar-se ou anexar a Cisjordânia mas manter a situação atual sob a qual uma população judia privilegiada vive entre uma maioria palestina sem direitos civis.

Neste marco, sustentar o status quo é provavelmente a opção mais racional para os israelenses: os que sofrem como resultado da ocupação são os palestinos (e até são eles mesmos os que realizam a maior parte do trabalho policial na Cisjordânia, ao mesmo tempo que diversos países estrangeiros assumem a carga econômica da ocupação). Assim mesmo, ano a ano, Israel melhora sua posição no mundo e a região sem necessidade de lograr uma solução ao conflito territorial com os palestinos ou realizar concessões: em 2017, Trump premiou os israelenses com o estabelecimento da embaixada dos EUA na disputada Jerusalém e hoje um rico país do Golfo estabelece relações com eles somente por abster-se temporalmente de cometer outra violação ao direito internacional.

Muito se escreveu nestes dias argumentando que ao “mundo árabe” já não lhe importa o futuro dos palestinos, mas esta subestimação contém um erro de raiz: o “mundo árabe” não se compõe somente dos ditadores que o controlam a base de mão dura e repressão. A única solução a longo prazo para que Israel reclame seu lugar num Oriente Médio sempre convulsionado – que seguro nos trará mais de uma surpresa no futuro – é conseguir a aceitação das populações locais. Um propósito impossível se os palestinos não conseguem sua autodeterminação.

Ezequiel Kopel é jornalista no Oriente Médio, correspondente de diversos órgãos de imprensa da Argentina.

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