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Via CADTM

Desde segunda-feira, 17 de maio, mais de 8.000 migrantes cruzaram a fronteira entre Marrocos e o enclave espanhol de Ceuta, e quase metade deles já foram rechaçados no caos. No contexto de uma crise diplomática, esta nova tragédia é o símbolo da violência de um sistema de dependências neocoloniais imposto pelas potências européias com a conivência daqueles que governam no Marrocos.

A repressão militar contra a juventude instrumentalizada

Desde 17 de maio, milhares de jovens chegaram às praias do enclave espanhol de Ceuta, na costa africana, um afluxo inabitual de migrantes que vieram nadando. Nunca os territórios de Ceuta e Melilla tinham visto tantos homens, mulheres e crianças chegarem em tão pouco tempo. Isto nos faz lembrar os acontecimentos de 2005, quando várias centenas de migrantes, principalmente de origem subsaariana, tentaram, alguns com risco de vida, atravessar Ceuta pela força.

Em sua maioria eram cidadãos marroquinos, mas também havia centenas de migrantes subsaarianos esperando na região pela oportunidade de atravessar para o território europeu. Muitos deles são jovens que vêm de regiões marginalizadas e de bairros empobrecidos. A juventude marroquina está sendo explorada pelo regime marroquino, que há muito aceita desempenhar o papel de policial da União Européia para a readmissão de menores desacompanhados que chegaram à Espanha de forma irregular. O Estado espanhol, por sua vez, mobilizou seu exército para devolver à força esses jovens indigentes que tentam escapar da pobreza (em contravenção aos tratados internacionais sobre migração).

As artimanhas das políticas europeias: a externalização do asilo e da imigração em Ceuta

Também é essencial lembrar a terceirização dos controles migratórios para países não europeus desde o final dos anos 90. A agência europeia Frontex (oficialmente a “European Border and Coast Guard Agency”) investiu particularmente na transformação de Ceuta em uma fortaleza anti-imigração, uma cidade fronteiriça entre a África e a Europa e, como tal, um lugar de passagem para a imigração ilegal. A Frontex tem um orçamento equivalente a 460 milhões de euros em 2020, e 5,6 bilhões de euros planejados até 2027 para a gestão das operações de vigilância (não das operações de resgate) que ela conduz nas fronteiras externas da União Europeia (Push Back no Mediterrâneo). Ceuta é protegida por câmeras, torres de vigia e uma cerca dupla com arame farpado, que pode chegar a uma altura de 10 metros.

Se a União Européia tem suas fronteiras controladas por países vizinhos, a migração também está se tornando uma espécie de alavanca de negociação para alguns desses países. O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, ou o ex-líder líbio Muammar Gaddafi, em momentos diferentes, não hesitaram em jogar a arma da migração no Mediterrâneo para pressionar a Europa e obter vantagens materiais. Mas aqui, é o Marrocos que detém as chaves da migração e parece estar afrouxando os controles fronteiriços do lado marroquino e até mesmo, ao que parece, encorajando os jovens de cidades distantes como Agadir a atravessar para Ceuta para mostrar seu descontentamento com Madri. A resposta do governo espanhol para amenizar a situação também é significativa, tendo enviado 30 milhões de euros (enquanto a crise ainda estava em andamento), para que os gendarmes marroquinos retomassem a vigilância das fronteiras.

A pressão migratória agravada por uma crise econômica e social

A pressão migratória é agravada pela crise econômica e social que está atingindo as populações do Norte da África e do Oriente Médio de forma muito dura. Esta chegada maciça de migrantes também pode ser explicada pelo fechamento completo das fronteiras externas do Marrocos nos últimos quinze meses, sob o pretexto de impor um estado de emergência sanitária, deixando muitas pessoas que estavam vivendo informalmente sem recursos.

Desde o início da pandemia, o governo marroquino tem tomado medidas de austeridade sob o pretexto de combater a pandemia do Coronavírus. O governo marroquino entrou em um novo círculo de endividamento para mitigar os efeitos da crise econômica e sanitária da covid-19. Por outro lado, o orçamento médio atribuído à saúde nas leis financeiras nos últimos seis anos não excedeu 14 bilhões de dirhams por ano (1 euro = 10,8 dirhams), enquanto o serviço da dívida atingiu mais de 140 bilhões de dirhams por ano, mais de 10 vezes o orçamento da saúde.

Esta crise diplomática e migratória, na qual a responsabilidade histórica e atual da Europa deve ser denunciada, está ocorrendo em um contexto de exacerbação dos problemas sociais que são consequência direta da aplicação de políticas neoliberais de reforma econômica. Como tal, a crise atual não pode ser resolvida apenas bilateralmente. Estes eventos, como os de 2005, destacaram a forma desumana e covarde com que a União Européia delega a gestão de sua política de asilo e imigração. O Pacto Europeu sobre Migrações apresentado em setembro de 2020 pela Comissão Européia não pode funcionar no âmbito das relações de dependência impostas aos países da margem sul do Mediterrâneo através dos acordos de livre comércio e confiando no sistema de dívida.

Com este comunicado de imprensa, queremos expressar nossa solidariedade com os migrantes subsaarianos e marroquinos que há tantos anos sofrem as consequências de uma política migratória europeia assassina que agora está atingindo seu clímax.

Alternativas propostas pelo CADTM

A criminalização dos migrantes não eliminará a imigração ilegal. Pelo contrário, estas abordagens levam à exacerbação da imigração ilegal e às mortes catastróficas que a acompanham. Os jovens africanos, fugindo da morte, da pobreza e da miséria, continuarão de correr o risco de deixar seus países.

O CADTM considera que é necessário:

  • Fechar os centros de internação para migrantes, que são verdadeiros presídios.
  • Pôr fim à criminalização e às leis que categorizam os migrantes como “ilegais”; pôr fim às distinções moralistas entre bons migrantes (aqueles que têm acesso a asilo, aqueles que têm acesso ao mercado de trabalho) e maus migrantes (“ilegais”).
  • Estabelecer instalações genuínas de recepção para migrantes, que garantam o acesso aos serviços públicos.
  • Estabelecer canais seguros (tanto físicos quanto legais) para que as pessoas migrem. Isto incluiria também fazer pleno uso das instalações consulares e diplomáticas dos países em questão e abandonar o sistema de gerenciamento terceirizado de “vistos Schengen”.
  • Defender a livre circulação dentro e fora do espaço Schengen.
  • Nos países que estão localizados nas fronteiras da Europa, acabar com dispositivos militares como muros e cercas, sistemas de vigilância, etc.
  • Não aplicar o Regulamento de Dublin, e deixar os migrantes que desejarem solicitar asilo em um país diferente daquele em que entraram na União Européia.

E necessário abrandar as estruturas legais e administrativas necessárias para garantir a circulação segura de pessoas, para que possamos fazer da migração uma escolha, não uma necessidade mortal. Nem as políticas de imigração nem a ajuda ao desenvolvimento serão capazes de compensar as populações africanas por séculos de pilhagem de seus recursos naturais e humanos, uma pilhagem que resultou em uma enorme dívida ecológica, e que as mergulhou no subdesenvolvimento e na violência, o que, por sua vez, leva ao deslocamento forçado e à busca de asilo. A riqueza natural e humana que o continente possui hoje é capaz de garantir aos povos da África um verdadeiro desenvolvimento e uma vida segura que não os forçará a se deslocar, se esses povos puderem exercer sua soberania sobre a riqueza de seus países. A garantia de uma vida digna e segura para os povos do continente está ligada ao seu controle sobre a tomada de decisões, que deve escapar das políticas neoliberais e dos mecanismos neocoloniais (Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, Organização Mundial do Comércio). Essas alternativas estarão necessariamente ligadas ao estabelecimento de regimes democráticos, bem como ao fortalecimento da auto-organização desses povos contra seus regimes atuais e por sua soberania. A migração terá que ser uma prioridade em sua luta, já que suas causas estão ligadas às políticas neoliberais.

Além disso, deve haver uma política de reparações pela pilhagem e exploração da riqueza operados pelas classes dominantes e pelas grandes corporações durante séculos.

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