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Via Esquerda.Net

Não se fala dele explicitamente, mas há um Emirado Islâmico do Afeganistão declarado pelos Taliban aquando da tomada do poder na década de 1990. Após perderem o poder em 2001, os Taliban continuaram a referir-se ao Emirado Islâmico do Afeganistão nos documentos oficiais que publicam. E é esse Emirado Islâmico do Afeganistão que se prepara para ressurgir em todo o território, onde passará certamente a vigorar a Sharia. Não há motivo – nem sinal – para pensar que os pilares ideológicos e religiosos dos Taliban tenham mudado.

Parece ser este o epílogo das duas décadas de guerra que se seguiram aos atentados de 11 de Setembro de 2001. Desde Setembro de 2020 que os Estados Unidos, e os Taliban têm tido sucessivas rondas de negociações em Doha, no Qatar, mas o objetivo de uma retirada norte-americana e, em simultâneo, conseguir uma paz duradoura, não foi alcançado.

Até final de Agosto, os Estados Unidos vão fazer uma retirada total (é bom não esquecer que esteve prometida para Maio). A excepção vai ser a presença de 650 militares que vão proteger a embaixada dos Estados Unidos em Cabul e vão dar apoio aos militares turcos da NATO que têm a responsabilidade de proteger o aeroporto da capital afegã.

O que parece evidente é que se os Estados Unidos pretendiam estabilizar o Afeganistão, evitando que volte a tornar-se “refúgio para grupos terroristas que representem uma ameaça para o território norte-americano”, falharam rotundamente. Falharam os Estados Unidos e os respectivos aliados. O Afeganistão tem tudo, menos paz, estabilidade e qualquer sinal de desenvolvimento. A nitidez da imagem desse falhanço (e dessa derrota) fica expressa na forma como as tropas norte-americanas saíram da mítica base de Bagram, a maior do país. Descreve o jornal Le Fígaro que os militares afegãos descobriram na sexta-feira de manhã que a base estava deserta: os norte-americanos tinham partido durante a noite.

O Ministro afegão do Interior, citado pela AFP, disse por estes dias que o governo tem uma força aérea poderosa e prometeu usar todos os meios para defender as cidades afegãs. É essa a linha vermelha: os Taliban podem controlar as zonas rurais, mas não as cidades. Mesmo que o Governo afegão prometa lutar e resistir, o avanço Taliban é inequívoco: as zonas totalmente controladas pelo Governo são apenas a oeste da capital e a própria Cabul. Uma nova guerra civil está já a decorrer, mas a partir de agora sem interferência directa dos Estaddos Unidos.

Parece também evidente que com um Governo frágil (sempre actor secundário nas negociações no Qatar), forças armadas mal-preparadas, apesar da muita formação que os países da coligação internacional dizem ter dado aos militares afegãos, os Taliban estão às portas do poder.

Mais de um milhar de soldados governamentais afegãos fugiram este domingo para o Tajiquistão, juntando-se a largas centenas que já tinham fugido anteriormente, e é o próprio governo Tajiq que reconhece o controlo da fronteira comum (910 km) por parte dos Taliban. Este ano, a habitual ofensiva da Primavera começou mais tarde devido às negociações no Qatar, mas desde Maio que a ofensiva Taliban que tem conquistado terreno de uma forma consecutiva.

Os Estados Unidos são a terceira grande potência a ser derrotada no Afeganistão, depois dos britânicos na primeira metade do século XIX e dos soviéticos em 1989.

Com uma vitória anunciada dos Taliban, e depois de muitos milhares de mortos, é de crer que voltarão as restrições impostas por uma visão fundamentalista da Sharia – a lei islâmica – e o consequente choque com os Direitos Humanos. Regressam as burcas, acaba-se a música, as mulheres deixam de ir à escola e trabalhar, os homens deixam crescer a barba e até os papagaios (de papel) deixam de poder voar nos céus do Afeganistão. Afinal, 20 anos de guerra serviram para quê?

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