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Via Esquerda Online

Após 49 dias da realização do 2º turno no Peru, o Jurado Nacional Eleitoral-JNE (Tribunal Eleitoral do Peru) proclamou a vitória do professor e ativista sindical, Pedro Castillo, Presidente, e da advogada Dina Boluarte, Vice-Presidente, eleitos pelo Partido Peru Livre e apoiados pela maioria da esquerda, na noite desta segunda-feira. Castillo e Dina foram proclamados vencedores com 50,126% dos votos válidos (8.836.380) contra 49,874% dos votos (8.792.117) dados à candidata da direita e filha do ex-ditador, Keiko Fujimori do Partido Força Popular, sobre um total de 25.287.954 eleitores do país.

A demora na proclamação ocorreu por dois motivos principais. Por um lado, uma forte pressão que se desencadeou em setores do grande empresariado, aí incluído a grande mídia, para que houvesse mais uma inusitada nova rodada de votação, ante a pequena diferença a favor de Castillo, visto que pontos do programa de Peru Livre e aliados, apresentados na campanha, indicaram que poderá haver reformas a favor dos trabalhadores e das maiorias excluídas do país.

Por outro, a filha do ditador, ante a derrota iminente, através dos seus advogados, ingressou com o total de 1.218 recursos e apelações perante os Jurados Eleitorais Especiais (regionais) e o JNE, buscando gerar um clima de instabilidade e deslegitimação do processo eleitoral, que foram acompanhadas de agitações e marchas de rua, e nas mídias sociais com a disseminação de fake news, apoiadas por setores da mídia empresarial, atacando as instâncias eleitorais e usando a já tão surrada alegação da extrema-direita de “fraude” para mobilizar seus sectos de seguidores.

Além disso, desencadeou-se uma campanha sórdida de que Castillo iria transformar o Peru numa nova Venezuela ou numa nova Cuba, em referência às crises sociais e econômicas vividas nestes países, sabe-se que em grande parte por causa dos embargos econômicos imperialistas, perpetrados pelos governos dos Estados Unidos, e aprofundados na era Trump.

Apesar da renúncia de um dos 5 membros do JNE, a extrema-direita, os liberais de plantão que regra-geral capitulam às forças extremistas do grande capital, e os grandes grupos econômicos, desta vez não lograram seus objetivos golpistas, nem conseguiram, por hora, que frações significativas das classes dominantes e da cúpula militar apostassem numa via que poderia, a curto prazo, gerar mais instabilidade política num país que já vem de graves sequelas, relacionadas à pandemia, com quase 200 mil mortes e mais de 2 milhões de casos confirmados de Covid19.

O povo do Peru também tem em sua memória recente a força das mobilizações populares ocorridas em novembro de 2020 que derrubaram o então Presidente Merino, indicado pelo parlamento, após 5 dias de sua nomeação, resultante de um conchavo da cúpula parlamentar, então sob forte influência do fujimorismo, que destituiu o sucessor e vice de Pedro Paulo Kuczynski, Martin Vizcarra, desencadeando uma fúria popular de protestos espontâneos de rua contra o Congresso.

Por isso, foi decisivo para a proclamação do resultado, que Peru Livre e vários movimentos sociais e organizações de esquerda tenham organizado várias marchas de protestos durante esses quase 40 dias, exigindo a proclamação da apuração e o respeito ao voto popular, a exemplo das grandes marchas nacionais dos dias 19 e 26 de junho e a paralisação do dia 6 de julho que mobilizaram dezenas de organizações políticas populares, camponesas, indígenas e de esquerda em várias regiões do país, com base na defesa do respeito à vontade popular depositada nas urnas.

Desafios do governo Castillo

Ante a importante vitória eleitoral da esquerda, lideradas por Peru Livre e Pedro Castillo, no 2º turno, apenas começam as grandes batalhas. Nenhuma das mínimas medidas democráticas ou de reformas sociais que foram prometidas durante a campanha terá a mínima chance de serem executadas sem uma forte e contínua mobilização social. Isto começa pela composição do Congresso, onde as duas organizações de esquerda, somam uma bancada de 42 parlamentares de um total de 130, onde Peru Livre elegeu 37 e Juntos por Peru tem 5 parlamentares, ou seja, as forças de direita e extrema direita continuam com uma forte bancada parlamentar.

As principais organizações empresariais, o mercado de capitais e a grande mídia já começaram, desde que se confirmaram a tendência da apuração em favor da esquerda, a sabotar a credibilidade do novo governo, mesmo antes da posse, gerando ações especulativas no mercado com alta de preços acompanhada de medidas legais para mudar a composição do Tribunal Constitucional, e também limitar os poderes do futuro Presidente, além de pressionar para a montagem de um governo com representantes que tenham “credibilidade” entre as classes dominantes.

Assim como foram decisivas as manifestações populares para a proclamação do resultado eleitoral, mais ainda será para que se aprovem as medidas sociais e econômicas em defesa dos setores historicamente excluídos e explorados da sociedade peruana prometidas na campanha, a principal delas sendo a convocação imediata da Assembleia Nacional Constituinte com vistas a enterrar de vez o regime herdado da ditadura fujimorista (1990-2000).

O Peru precisa de uma nova Constituição que garanta direitos das maiorias com medidas de transição, que garantam a soberania nacional, os direitos sociais e a nacionalização dos setores econômicos estratégicos, e para que esteja realmente a altura dos desafios do Bicentenário da Independência do Peru, deverá ser paritária entre homens e mulheres, plurinacional, para representar os povos e culturas ancestrais, e soberana em suas deliberações. Esses são os desafios do governo de Pedro Castillo, que só poderá ser garantido se for apoiado pela mobilização e organização popular.

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