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Via Revista Movimento

Manifesto pela anulação do processo contra Zé Rainha e Claudemir, dirigentes da FNL. O povo não vai permitir sua prisão!

Querem prender Zé Rainha. Querem prendê-lo mais uma vez. Quem o condena o faz por sede de injustiça. Nem testemunhas, nem provas contundentes, nem o que disseram ter escutado se ouviu. Ninguém confirma as inverdades. O crime de Zé Rainha, líder da Frente Nacional de Lutas (FNL), é ter a insolência de manter viva a luta pela terra em um país de oligarquias rurais, cuja história é farta em cadeia e morte aos insurgentes. Ele sabe disso. Sabe desde muito cedo.

Zé Rainha tinha 17 anos quando começou sua militância, no final dos anos 1970. A família, no interior do Espírito Santo, havia perdido o único pedaço de terra que tinha. Fazia pouco que ele havia se alfabetizado, e as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) da Igreja Católica foram a escola possível nos rincões de Linhares, onde o acesso à educação só fazia parte do cotidiano de poucos. Frei Betto, naquele tempo recém-saído de um cárcere de quatro anos, tornou-se um grande amigo e quem apresentaria a Rainha as noções de Reforma Agrária e organização sindical, mesmo que a ditadura militar prendesse e consumisse com os atrevidos que se metiam nesses assuntos. Zé Rainha sabia o custo de optar pela causa camponesa e trabalhadora no Brasil.

No começo dos anos 1980, a luta por terra ganharia outros contornos, formatando-se, na metade daquela década, no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e Zé Rainha foi uma das principais lideranças dessa luta. Também o perseguiram, também o acusaram, também o colocaram na prisão. Zé Rainha foi preso por 13 vezes, mas em outras dezenas mais saiu vitorioso de ocupações em que esteve na linha de frente. Responde a mais de 20 processos, todos ligados a sua atuação nos movimentos camponeses.

Agora, de novo, querem prender Zé Rainha. Querem desmoralizar seus 61 anos de vida e os mais de 40 dedicados ao enfrentamento do latifúndio, da grilagem de terras públicas por fazendeiros e da expulsão de agricultores, indígenas e quilombolas de seus pedaços de chão. O Ministério Público Federal de São Paulo (MPF-SP) o acusa de associação criminosa, extorsão e apropriação indébita. O Judiciário o condenou sem que houvesse fundamentação legal em nada daquilo que apresentaram como supostos comprovantes de uma conduta criminosa.

Sem provas, os juízes, então, condenaram por suas “percepções”. No país da grilagem institucionalizada, da tirania do agronegócio e onde as togas também descansam no latifúndio, as percepções quase sempre criminalizam os movimentos sociais. Querem prender Zé Rainha. Querem prendê-lo de novo.

O julgamento que lhe impuseram foi político, e todos aqueles que lutam contra esse tipo de opressão têm agora o compromisso de reforçar as trincheiras da campanha por sua liberdade. A fragilidade do processo é a ferramentas da defesa para inocentá-lo, mas sem as ruas, sem as marchas, sem o apoio das entidades ligadas aos trabalhadores, aos camponeses, aos estudantes e aos ativistas, a força para defendê-lo arrefece.

Zé Rainha já foi condenado a 22 anos e cinco meses de prisão em segunda instância, pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), mas os advogados de defesa estão reunindo subsídios para provar que se trata de uma condenação política. Pretendem se apoiar em agravos para garantir que os recursos sejam apreciados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF) e fiquem demonstradas as ilegalidades no processo. Isso inclui a desconsideração de depoimentos de testemunhas, que não confirmaram as supostas extorsões praticadas por Rainha ou por pessoas próximas a ele. Entre essas testemunhas, estão funcionários e diretores de empresas que atuam no Pontal do Paranapanema, região no oeste paulista onde a FNL promoveu ocupações de terra e hoje mantém pelo menos três grandes acampamentos, com o plano de, até 2022, assentar 5 mil famílias.

Em nenhum depoimento houve afirmação de que Zé Rainha tenha constrangido, ameaçado ou intimidado essas pessoas em troca de desocupação de áreas, como estratégia para pedir dinheiro ao movimento ou em benefício próprio, tampouco apontaram fatos que configurassem o crime de apropriação indébita de recursos destinados a beneficiar as famílias acampadas, como na compra de cestas básicas. Entre as “provas” apresentadas no processo, estão conversas obtidas por meio de quebra de sigilo telefônico de Zé Rainha e também de Claudemir Novais, outro dirigente da FNL, acusado de associação criminosa e apropriação indébita, cuja condenação ficou em cinco anos e quatro meses de detenção. As ilegalidades estão nos esforços para condená-lo. Querem prender Zé Rainha.

As investigações partiram da Polícia Federal e envolvem empresas donas de terras e plantações na região do Pontal e uma de praças de pedágio. Zé Rainha foi apontado como líder de uma quadrilha que constrangia pessoas ligadas a essas empresas como forma de pedir dinheiro. A acusação ainda afirma que parte do dinheiro que recebia, inclusive recursos do Incra, teriam sido utilizados em benefício próprio, para quitar dívidas pessoais. Foram nove meses de escutas, mas apenas trechos constam nos autos do processo. Não houve fundamentação para que a quebra de sigilo fosse concedida pelo Judiciário e a defesa aponta violação da Lei 9.296/1996, cujo artigo 2º diz que essa deve ser uma medida empregada quando não há outros meios de se obter provas.

Querem prender Zé Rainha, mas ele desafia seus acusadores: “Que me mostrem as provas! Não existem. É um processo político, que tem a ver com o enfrentamento, com a luta pela terra, tem a ver com a Reforma Agrária. Toda vez que o movimento camponês se insurgiu, aqueles que não foram mortos foram colocados na cadeia. É assim!”

Em sua história, o líder da FNL tem outras batalhas judiciais para provar inocência, prisões, condenações revertidas em inocência e atentados – o último em 2002, quando foi baleado nas costas durante uma ocupação em Rosana (SP). A cadeia não lhe impõe medo, mas não é de seu feitio a paralisia diante da injustiça e da perseguição política descarada ao movimento de luta por terra, trabalho e habitação, fortalecido sob sua tutela desde 2010. Não à toa, o processo contra ele e também contra seu companheiro de jornada foi aberto quando já ficavam evidentes o crescimento da militância e a organização da FNL no Pontal do Paranapanema.Querem prender Zé Rainha, porque precisam estancar a luta que só cresce.

Nos três grandes acampamentos do Pontal do Paranapanema, o Miriam Farias, com 1,3 mil famílias no município de Sandovalina, o Mandela, com cerca de 900 famílias, em Rosana, e o Paulo Freire, com 300 famílias em uma área de Marabá Paulista, vive-se a movimentação para que, no começo de outubro ou até antes disso, uma marcha de Sorocaba a São Paulo coloque na rua o conjunto de causas defendidas pela FNL, como terra, moradia, trabalho, educação e, sob as urgências impostas pela pandemia, a valorização do SUS e da saúde pública e gratuita. A FNL está organizada em pelo menos 11 Estados, conta com mais de 20 mil acampados no país e tem como meta chegar aos 100 mil acampados até 2022.

O processo contra Zé Rainha e Claudemir deve ser anulado. Essa é a bandeira a ser levantada contra a injustiça e a criminalização de quem luta. Temos de defendê-lo mobilizando gentes. Será o fato político da batalha por sua inocência. Querem prender Zé Rainha. O povo não vai deixar.

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